OFF: Último Ponto em uma Vida Comum
Ali, novamente.
Parada em frente à mansão que caía aos pedaços, a ruiva observava a estrutura que lentamente ia sendo banhada pelos raios Sol que crescia no canto leste do horizonte. Uma brisa suave corria no campo de relvas altas e suas mechas longas rodopiavam por trás das costas com a tenuidade de águas calmas seguindo sua correnteza. Seu olhar enevoado bailava pela área, e um silêncio corrompido rompia sua alma em metades ainda menores do que esta já se encontrava partida. A bainha de sua saia esvoaçava suavemente em sentido lateral, mas ela não se incomodava. Como poderia? Era cedo... Até demais. Não existiam pessoas pelas redondezas, ainda. Até o céu jazia envolto em um suave negrume apenas rompido pelo astro celestial e brilhante da Via Láctea. Para que se incomodar com existências que sequer estariam atentas a uma figura qualquer que apenas mantinha-se a observar um local onde há pouco ocorreram diversas batalhas? Um local abandonado? Talvez fosse cedo demais para considerar tal hipótese, mas era esta justificativa que rodeava a mente da jovem adolescente. E, em sua mente, era plausível o suficiente para que permanecesse silenciosa, parada, apenas admirando aquele antigo monumento que enfeitava de modo sepulcral aquela área que, possivelmente, antes seria verdejante, mas agora jazia com uma coloração suavemente amarelada.
De seus lábios, um suspiro suave. Um tênue movimento em seu peito equivalia-se à um sobe e desce constante e lento, traçando contorno no ciclo de encher e esvaziar que ocorria dentro de seus pulmões, ocasionando a respiração para a jovem. Suas orbes acinzentadas esquivaram-se em suave carícia na direção do solo, roçando a relva alta com aquela infeliz distância. Os braços de pele alva repousavam à lateral do corpo esguio, inertes a qualquer estímulo provindo do mundo que a rodeava. Inconsciente peso era aquele que pendia por sob os ombros da jovem. A dor da perda, que atingia seu subconsciente por todos os lados. Gabriel. Talvez até Richard, quem sabe? E Zac, Nina - Os jovens que conhecera ao longo do trajeto que traçara desde Pallet -? Estariam eles, de alguma forma, ainda mantendo uma lembrança pacífica sob sua imagem em suas mentes? Seria impossível saber, mas não tinha certeza se realmente desejaria ter tal consciência caso isto fosse possível. Não queria se ferir novamente. Não ainda mais.
Não por desapontar preciosos conhecidos.
Fora tudo isso, uma questão ainda rondava seus pensamentos, tal qual um predador rodeia sua vítima, pouco antes do ataque final. Por qual motivo, exatamente, retornara àquele cenário digno de filmes de terror? Aquele mesmo local que por tanto tempo lutara para manter-se afastada? Grande reviravolta do destino. Quisera afastar-se, e fora atraída como se um ímã a conectasse com tal casarão. Era como um nó frouxo ao longo do caminho. Algo que passara despercebido e seu corpo agira, impulsionando-se para obrigá-la a consertar. Tal hipótese poderia ser válida, mas que acontecimento justificaria sua estadia ali? Seu último encontro com o Rocket? Pouco provável. Seus atos para com os pokémons supostamente possuídos? Outra opção. Mas... Isso, só poderia desvendar caso realmente adentrasse o cômodo inicial do local. E onde estava a coragem para realizar tal feito? Voara para longe, apoiada sob as asas de um poderoso gavião. Ou, talvez, era apenas receio de novamente enfrentar cada obstáculo que se fizera presente na visita anterior. Quem poderia dizer? Chase, sem dúvida, estaria incapacitada para realizar tal reflexão. Pelo menos, por enquanto.
Um assobio mais forte do vento, e a ruiva finalmente pôde retornar à sua realidade. Balançando levemente a cabeça, buscava em vão espantar aqueles pensamentos atordoantes que a induziam em letargia profunda. Sua capacitação não ia muito além de apenas esquecer por poucos segundos de tanta desgraça que lhe assolava, antes que estas retornassem com um impacto ainda maior para com sua sanidade. Como ainda possuía tal fator, era quase algo que a própria garota não tinha a capacidade de acreditar. Talvez um presente de forças superiores, quem sabe? No entanto, isto era apenas um pensamento inútil, se comparado à barreira emocional que pretendia enfrentar a partir dali. Caso resolvesse partir para o interior de tal estrutura que tanto a atormentara. Porém, alguma hora deveria fazê-lo, e assim entregou-se a uma orientação mecânica que conduzia seus passos na direção da madeira carcomida e envelhecida que resumia-se na porta de entrada. A razão conflitando-se com a emoção, um rastro de lágrimas oculto pelo resto de noite mal dormida. Um cérebro predominantemente robótico, sem quaisquer peças eletrônicas existentes no mundo atual.
Um robô-humano.
Sua sapatilha roçou-se com a soleira da porta, um vão acimentado e recoberto com pequeninos insetos mortos, recobertos com suave camada de poeira. Os dedos da jovem tocaram a maçaneta pincelada com uma tonalidade morta de dourado e uma circunferência perfeita fez-se com o giro desta. Cupins recaíam de seus vãos para o solo e um cheiro de mofo invadiu seus pulmões desavisados. Um acesso de tosses de curto período instaurou-se, rompendo o silêncio que há pouco reinava, com exceção do rouco ranger da porta quando esta finalmente pôde abrir-se. O salão, iluminado por diferentes tonalidades, estas resultantes dos vitrais rachados ou até mesmo quebrados que se estendiam em uma decoração sem fim. O lustre, em pedaços, caído no piso amadeirado, abandonado. Os cacos de vidro que se espalhavam pelo lugar, assim como pequenas manchas de sangue próximas. Os móveis recobertos por tecidos envelhecidos eram quase um convite para sua estadia e ela assim o fez, silenciosamente transpassando aquela barreira que há pouco rondava seu coração. Um impulso fez-lhe fechar suavemente a porta de entrada, definindo assim sua solidão naquele gigantesco espaço com diversas portas a serpentearem perigosamente as paredes envelhecidas.
Mais uma vez, estancara, observando aquela peça que espalhava perigosos objetos cortantes pelo cômodo. Um vislumbre, e pôde ver novamente a sombra do pai de Richard, assim como o próprio citado, em alternadas extremidades de seu corpo, apenas traçando uma certa distância do mesmo. Ela cerrou as pálpebras, e em murmúrios quase inaudíveis, permitiu que de seus lábios ressecados transpassassem as simples palavras que, caso aumentadas de volume, poderiam ser tidas como uma frase calma e quase receosa.
- Vão embora.
E, em um sopro de vento fusionado com o som ilusório de uma mola impactando-se no chão, sua visão retornou com lentidão, para apenas presenciar a solidão que nunca lhe abandonara desde que pisara novamente naquele local. Uma localização maldita, ou que apenas trazia-lhe indesejáveis lembranças. Julgar seria fácil demais, então restava-lhe provar do veneno que deslizava pelos buracos na estrutura de madeira. Outro suspiro, e ela caminhou lentamente na direção daquele lustre caído, passeando suas enevoadas pupilas pela extensa entrada que se mantinha silenciosa. De um dos buracos presentes no teto próximo a porta, finas gotas de água deslizaram para dentro, umedecendo o material do qual o chão era composto e denunciando a suave garoa que se iniciara sem que a ruiva sequer percebesse. Ela não sabia, mas agora o céu lá fora acumulava tenebrosas nuvens cinzentas que ocultavam a tonalidade segura e azulada do infinito.
Um mau presságio que a ruiva inadvertidamente deixara passar.
Seus dedos suavemente percorreram a superfície metálica do lustre que decorava o solo. Questionava-se se sua estadia antiga realmente poderia ter sido considerada um golpe de azar... Ou seria de sorte? Por fim, tocou os próprios lábios fazendo uso de dois dedos, respirando profundamente e desviando seu foco para as lâmpadas destroçadas, inerte em tais lembranças que ainda jaziam frescas, carimbadas em sua visão.
Lembranças estas que a ruiva não possuía capacidade alguma para compreender.
Enquanto se perdia nestas imagens que rodavam como um filme em sua cabeça, a garota não percebera um contraste com o antigo cenário de tal cômodo. Abaixo daquela peça que há pouco roubara sua atenção, um pequeno formato circular rachara a madeira carcomida. Inicialmente, era um ponto esbranquiçado, quase verde. A primeira digestão deste formato fora a lâmpada central do lustre, que agora desaparecia dentro de tal curioso vórtex, ocasionando a duplicação do tamanho daquela passagem clara. Tal ciclo repetira-se diversas vezes. Porém, o raciocínio da adolescente retornou apenas quando o objeto de fato afundou-se pela metade, fazendo-a recuar e finalmente olhar para o local que antes lhe passara despercebido.
Sua visão estreitou-se com suavidade, mas logo retornou à seu usual e a ruiva inclinou a cabeça levemente para o lado. Aquele... Portal? Era tão familiar. Um rápido vulto deslizou por sua mente; Rota Dois e Vinte e Dois. A floresta da magia... Se é que poderia chamar assim. Seria novamente um convite à tão fantasioso cenário natural? Um contratempo à parte, após tantos medos de adentrar o casarão? Um presente de coragem? Quem poderia saber, afinal?
Quando o lustre finalmente desapareceu naquele buraco esverdeado, ela suspirou. Uma distração de pensamentos, poderia considerar aquele presente do destino desse modo? Alguns cacos de vidro, quase em um sopro, rolaram para dentro de tal passagem e desapareceram de tal realidade. Seu olhar encontrou o chão, e ela hesitou. Realmente mereceria um encontro como àquele? Talvez pudesse compensar tudo o que ocorrera consigo... Um auxílio à Floresta? Uma possibilidade.
Ah, quantas possibilidades podem surgir em minutos, não é verdade?
Por algum tempo, ela refletiu. Pensou na Rota Três. Em sua outra visita à Mansão. Na Rota Um. Na Rota Vinte e Dois. Na Rota Dois. No Laboratório, seu primeiro avanço. No Torneio de Pewter.
Ela pensou em tudo isso, e nos diversificados encontros pelos quais passara. Em uma última hesitação, seus pés avançaram em hesitantes passos à distorção em pleno espaço-tempo. Suas pálpebras se cerraram e a ruiva enfim entregou-se à própria sorte, deslizando para dentro daquele corte temporal.
Mas, ao passar por este, cometera um terrível erro. Algo que poderia comprometer sua vida. Chase novamente ignorara a questão da observação. Se não o tivesse feito, teria percebido um detalhe peculiar entre todos os vórtex já vistos até aquele exato momento.
O verde-bebê de tal fenda, em suas pontas, metamorfosearam-se para uma tonalidade suja, doentia. Um verde pantanoso. E seu centro lentamente escurecia-se, sendo rasgado por um infinito negrume após o sumiço da ruiva de tal realidade. Esta passagem era decorada por uma constante movimentação espiral, traçada por brilhos avermelhados em seu centro, que vinham e sumiam em relances de milésimos de segundos. Tal imagem perdurou-se por alguns segundos, antes de ser engolida pela normal realidade, permitindo apenas um cômodo vazio e silencioso. Um local intocado. Quem poderia provar que alguma presença estivera ali, afinal? Provas, não existiam. Tampouco testemunhas que poderiam apontar o destino da garota.
Ah, o destino.
Ele realmente costuma pregar peças nas pessoas.
Peças que podem revelar-se como algo de extremo mau gosto. Algo perigoso.
Um desfecho fatal.
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Ali, novamente.
Parada em frente à mansão que caía aos pedaços, a ruiva observava a estrutura que lentamente ia sendo banhada pelos raios Sol que crescia no canto leste do horizonte. Uma brisa suave corria no campo de relvas altas e suas mechas longas rodopiavam por trás das costas com a tenuidade de águas calmas seguindo sua correnteza. Seu olhar enevoado bailava pela área, e um silêncio corrompido rompia sua alma em metades ainda menores do que esta já se encontrava partida. A bainha de sua saia esvoaçava suavemente em sentido lateral, mas ela não se incomodava. Como poderia? Era cedo... Até demais. Não existiam pessoas pelas redondezas, ainda. Até o céu jazia envolto em um suave negrume apenas rompido pelo astro celestial e brilhante da Via Láctea. Para que se incomodar com existências que sequer estariam atentas a uma figura qualquer que apenas mantinha-se a observar um local onde há pouco ocorreram diversas batalhas? Um local abandonado? Talvez fosse cedo demais para considerar tal hipótese, mas era esta justificativa que rodeava a mente da jovem adolescente. E, em sua mente, era plausível o suficiente para que permanecesse silenciosa, parada, apenas admirando aquele antigo monumento que enfeitava de modo sepulcral aquela área que, possivelmente, antes seria verdejante, mas agora jazia com uma coloração suavemente amarelada.
De seus lábios, um suspiro suave. Um tênue movimento em seu peito equivalia-se à um sobe e desce constante e lento, traçando contorno no ciclo de encher e esvaziar que ocorria dentro de seus pulmões, ocasionando a respiração para a jovem. Suas orbes acinzentadas esquivaram-se em suave carícia na direção do solo, roçando a relva alta com aquela infeliz distância. Os braços de pele alva repousavam à lateral do corpo esguio, inertes a qualquer estímulo provindo do mundo que a rodeava. Inconsciente peso era aquele que pendia por sob os ombros da jovem. A dor da perda, que atingia seu subconsciente por todos os lados. Gabriel. Talvez até Richard, quem sabe? E Zac, Nina - Os jovens que conhecera ao longo do trajeto que traçara desde Pallet -? Estariam eles, de alguma forma, ainda mantendo uma lembrança pacífica sob sua imagem em suas mentes? Seria impossível saber, mas não tinha certeza se realmente desejaria ter tal consciência caso isto fosse possível. Não queria se ferir novamente. Não ainda mais.
Não por desapontar preciosos conhecidos.
Fora tudo isso, uma questão ainda rondava seus pensamentos, tal qual um predador rodeia sua vítima, pouco antes do ataque final. Por qual motivo, exatamente, retornara àquele cenário digno de filmes de terror? Aquele mesmo local que por tanto tempo lutara para manter-se afastada? Grande reviravolta do destino. Quisera afastar-se, e fora atraída como se um ímã a conectasse com tal casarão. Era como um nó frouxo ao longo do caminho. Algo que passara despercebido e seu corpo agira, impulsionando-se para obrigá-la a consertar. Tal hipótese poderia ser válida, mas que acontecimento justificaria sua estadia ali? Seu último encontro com o Rocket? Pouco provável. Seus atos para com os pokémons supostamente possuídos? Outra opção. Mas... Isso, só poderia desvendar caso realmente adentrasse o cômodo inicial do local. E onde estava a coragem para realizar tal feito? Voara para longe, apoiada sob as asas de um poderoso gavião. Ou, talvez, era apenas receio de novamente enfrentar cada obstáculo que se fizera presente na visita anterior. Quem poderia dizer? Chase, sem dúvida, estaria incapacitada para realizar tal reflexão. Pelo menos, por enquanto.
Um assobio mais forte do vento, e a ruiva finalmente pôde retornar à sua realidade. Balançando levemente a cabeça, buscava em vão espantar aqueles pensamentos atordoantes que a induziam em letargia profunda. Sua capacitação não ia muito além de apenas esquecer por poucos segundos de tanta desgraça que lhe assolava, antes que estas retornassem com um impacto ainda maior para com sua sanidade. Como ainda possuía tal fator, era quase algo que a própria garota não tinha a capacidade de acreditar. Talvez um presente de forças superiores, quem sabe? No entanto, isto era apenas um pensamento inútil, se comparado à barreira emocional que pretendia enfrentar a partir dali. Caso resolvesse partir para o interior de tal estrutura que tanto a atormentara. Porém, alguma hora deveria fazê-lo, e assim entregou-se a uma orientação mecânica que conduzia seus passos na direção da madeira carcomida e envelhecida que resumia-se na porta de entrada. A razão conflitando-se com a emoção, um rastro de lágrimas oculto pelo resto de noite mal dormida. Um cérebro predominantemente robótico, sem quaisquer peças eletrônicas existentes no mundo atual.
Um robô-humano.
Sua sapatilha roçou-se com a soleira da porta, um vão acimentado e recoberto com pequeninos insetos mortos, recobertos com suave camada de poeira. Os dedos da jovem tocaram a maçaneta pincelada com uma tonalidade morta de dourado e uma circunferência perfeita fez-se com o giro desta. Cupins recaíam de seus vãos para o solo e um cheiro de mofo invadiu seus pulmões desavisados. Um acesso de tosses de curto período instaurou-se, rompendo o silêncio que há pouco reinava, com exceção do rouco ranger da porta quando esta finalmente pôde abrir-se. O salão, iluminado por diferentes tonalidades, estas resultantes dos vitrais rachados ou até mesmo quebrados que se estendiam em uma decoração sem fim. O lustre, em pedaços, caído no piso amadeirado, abandonado. Os cacos de vidro que se espalhavam pelo lugar, assim como pequenas manchas de sangue próximas. Os móveis recobertos por tecidos envelhecidos eram quase um convite para sua estadia e ela assim o fez, silenciosamente transpassando aquela barreira que há pouco rondava seu coração. Um impulso fez-lhe fechar suavemente a porta de entrada, definindo assim sua solidão naquele gigantesco espaço com diversas portas a serpentearem perigosamente as paredes envelhecidas.
Mais uma vez, estancara, observando aquela peça que espalhava perigosos objetos cortantes pelo cômodo. Um vislumbre, e pôde ver novamente a sombra do pai de Richard, assim como o próprio citado, em alternadas extremidades de seu corpo, apenas traçando uma certa distância do mesmo. Ela cerrou as pálpebras, e em murmúrios quase inaudíveis, permitiu que de seus lábios ressecados transpassassem as simples palavras que, caso aumentadas de volume, poderiam ser tidas como uma frase calma e quase receosa.
- Vão embora.
E, em um sopro de vento fusionado com o som ilusório de uma mola impactando-se no chão, sua visão retornou com lentidão, para apenas presenciar a solidão que nunca lhe abandonara desde que pisara novamente naquele local. Uma localização maldita, ou que apenas trazia-lhe indesejáveis lembranças. Julgar seria fácil demais, então restava-lhe provar do veneno que deslizava pelos buracos na estrutura de madeira. Outro suspiro, e ela caminhou lentamente na direção daquele lustre caído, passeando suas enevoadas pupilas pela extensa entrada que se mantinha silenciosa. De um dos buracos presentes no teto próximo a porta, finas gotas de água deslizaram para dentro, umedecendo o material do qual o chão era composto e denunciando a suave garoa que se iniciara sem que a ruiva sequer percebesse. Ela não sabia, mas agora o céu lá fora acumulava tenebrosas nuvens cinzentas que ocultavam a tonalidade segura e azulada do infinito.
Um mau presságio que a ruiva inadvertidamente deixara passar.
Seus dedos suavemente percorreram a superfície metálica do lustre que decorava o solo. Questionava-se se sua estadia antiga realmente poderia ter sido considerada um golpe de azar... Ou seria de sorte? Por fim, tocou os próprios lábios fazendo uso de dois dedos, respirando profundamente e desviando seu foco para as lâmpadas destroçadas, inerte em tais lembranças que ainda jaziam frescas, carimbadas em sua visão.
Lembranças estas que a ruiva não possuía capacidade alguma para compreender.
Enquanto se perdia nestas imagens que rodavam como um filme em sua cabeça, a garota não percebera um contraste com o antigo cenário de tal cômodo. Abaixo daquela peça que há pouco roubara sua atenção, um pequeno formato circular rachara a madeira carcomida. Inicialmente, era um ponto esbranquiçado, quase verde. A primeira digestão deste formato fora a lâmpada central do lustre, que agora desaparecia dentro de tal curioso vórtex, ocasionando a duplicação do tamanho daquela passagem clara. Tal ciclo repetira-se diversas vezes. Porém, o raciocínio da adolescente retornou apenas quando o objeto de fato afundou-se pela metade, fazendo-a recuar e finalmente olhar para o local que antes lhe passara despercebido.
Sua visão estreitou-se com suavidade, mas logo retornou à seu usual e a ruiva inclinou a cabeça levemente para o lado. Aquele... Portal? Era tão familiar. Um rápido vulto deslizou por sua mente; Rota Dois e Vinte e Dois. A floresta da magia... Se é que poderia chamar assim. Seria novamente um convite à tão fantasioso cenário natural? Um contratempo à parte, após tantos medos de adentrar o casarão? Um presente de coragem? Quem poderia saber, afinal?
Quando o lustre finalmente desapareceu naquele buraco esverdeado, ela suspirou. Uma distração de pensamentos, poderia considerar aquele presente do destino desse modo? Alguns cacos de vidro, quase em um sopro, rolaram para dentro de tal passagem e desapareceram de tal realidade. Seu olhar encontrou o chão, e ela hesitou. Realmente mereceria um encontro como àquele? Talvez pudesse compensar tudo o que ocorrera consigo... Um auxílio à Floresta? Uma possibilidade.
Ah, quantas possibilidades podem surgir em minutos, não é verdade?
Por algum tempo, ela refletiu. Pensou na Rota Três. Em sua outra visita à Mansão. Na Rota Um. Na Rota Vinte e Dois. Na Rota Dois. No Laboratório, seu primeiro avanço. No Torneio de Pewter.
Ela pensou em tudo isso, e nos diversificados encontros pelos quais passara. Em uma última hesitação, seus pés avançaram em hesitantes passos à distorção em pleno espaço-tempo. Suas pálpebras se cerraram e a ruiva enfim entregou-se à própria sorte, deslizando para dentro daquele corte temporal.
Mas, ao passar por este, cometera um terrível erro. Algo que poderia comprometer sua vida. Chase novamente ignorara a questão da observação. Se não o tivesse feito, teria percebido um detalhe peculiar entre todos os vórtex já vistos até aquele exato momento.
O verde-bebê de tal fenda, em suas pontas, metamorfosearam-se para uma tonalidade suja, doentia. Um verde pantanoso. E seu centro lentamente escurecia-se, sendo rasgado por um infinito negrume após o sumiço da ruiva de tal realidade. Esta passagem era decorada por uma constante movimentação espiral, traçada por brilhos avermelhados em seu centro, que vinham e sumiam em relances de milésimos de segundos. Tal imagem perdurou-se por alguns segundos, antes de ser engolida pela normal realidade, permitindo apenas um cômodo vazio e silencioso. Um local intocado. Quem poderia provar que alguma presença estivera ali, afinal? Provas, não existiam. Tampouco testemunhas que poderiam apontar o destino da garota.
Ah, o destino.
Ele realmente costuma pregar peças nas pessoas.
Peças que podem revelar-se como algo de extremo mau gosto. Algo perigoso.
Um desfecho fatal.