(002) - Clean

Finalmente a luta havia acabado, ambos Pokémons inimigos já não estavam mais com disposição para continuar lutando. Olhei para cima e fechei meus olhos, aproveitando um pouco da brisa e do perfume das flores. — Minha primeira vitória. Espero que estejam orgulhosas de mim, mãe e vó. — pensei enquanto meus olhos enchiam d'água e logo tratava de secá-los para ninguém ver.

Ambos rapazes, agora derrotados, choravam de tristeza enquanto eram consolados pelo terceiro garoto esquisito. Melhor que ganhar essa batalha, foi ver como o ego masculino é fraco; eles acharam que poderiam mexer conosco porque somos mulheres, o tiro saiu pela culatra e agoram estão se debulhando em lágrimas. Nesses momentos, o certo seria ser uma pessoa melhor e explicar que as coisas não assim, afinal, ainda são adolescentes... Mas a vontade de me vangloriar era claramente bem maior.

— E vocês, da próxima vez, pensem bem antes de mexer com outras pessoas a troco de nada. — encarei-os extremamente séria — Amadureçam e alinhem mais suas personalidades com a de seus Pokémons, eles são incríveis e não merecem treinadores patéticos como vocês. Taillow e Zigzagoon, bom trabalho, vocês ainda serão muito fortes.

Dei um sorriso para os Pokémons inimigos e voltei minha atenção para Abra. Meu Pokémon parecia exausto, mas eu não poderia estar mais orgulhosa. Corri e abracei-o com toda minha força, enquanto o enchia de beijinhos na testa. Não precisei dizer uma palavra, sei que todo afeto e carinho já era sentido por Abra, que agora me abraçava de volta com uma feição alegre.

Enquanto o segurava, retirei da minha bolsa um frasco roxo que me fora dado por Professor Birch junto com todas as coisas para início de jornada: o famoso Potion, poção desenvolvida para Pokémons que curava o dano causado em batalhas. Borrifei o conteúdo nas diversas marcas de ataque dispersas pelo casco de Abra, aliviando um pouco sua dor quase que instantaneamente.

— Bom trabalho, Tábata. — olhei para a garota dando um leve sorriso, soltando Abra e agachando para falar com o montinho de areia — E obrigado por proteger meu Pokémon, Sandygast! Muito gentil da sua parte.

Queria fazer carinho no Pokémon da garota, mas fiquei receosa já que nem todos fantasmas gostam de algum tipo de afeição. Levantei e comecei a ajeitar meu vestido, agora todo amarrotado. As pessoas na barraca de sorvetes pareciam animadas, acho que o calor da região torna esse tipo de alimento bastante popular... me pergunto se existe um desse em cada rota, já que futuramente eu gostaria de  prová-lo. Peguei um pequeno lenço umedecido da minha bolsa e limpei o que restava do suor na minha testa.

— Que calor. — pensei alto enquanto observava Tábata encarar de certa forma o terceiro integrante do grupo de garotos — O que será que ela está pensando?

O frescor da brisa aumentava conforme nos aproximávamos mais da beira do lago. Tábata caminhava calada ao meu lado enquanto Sandygast e Abra andavam mais a frente. Apesar do calor, o clima era maravilhoso e a animação das pessoas deixava o ambiente mais agradável ainda. Avistei algumas rochas próximas a barraca e com visão direta para o lago, imaginei que seria um bom local para sentarmos e descansarmos depois da desgastante luta.

O lago era enorme até quase o perder de vista e os Pokémons aquáticos saltando só o deixava mais majestoso ainda. O sol batia na água e seu reflexo incomodava um pouco, mas nada ao ponto de querer deixar de aproveitar a linda vista.

Ajeitei meu vestido e sentei de lado, para vigiar Abra e Sandygast que brincavam agora um pouco mais atrás. Voltei minha atenção para a água do lago e fitei o fundo da margem. - Imagino se tem Staryu por aqui. - pensei já querendo focar em formar meu time. - Será que consigo fisgar um com minha Old Rod?

Enquanto estava perdida em meus pensamentos, os pokémon se aproximaram dos arbustos e começaram a colher pequenos frutinhos de coloração azul clara e uma forma arredondada, eram as famosas Oran Berries, muito úteis para recuperar a vitalidade do pokémon em meio a uma batalha, eu tinha lido em uma revista pokémon para treinadores iniciantes e nunca mais esqueci.

— Tábata, seu tipo favorito de Pokémon é fantasma? - indaguei agora voltando minha atenção para a garota e mesmo já sabendo a resposta da pergunta. — O meu é psíquicos e acho que por aqui talvez tenha uma bela aquisição pro meu time - respirei. — Não propriamente dita, mas sua evolução é psíquica, além de ser apaixonada por ele desde pequena.

O clima continuava excelente, a brisa cheirosa agora se misturava em meio ao cheiro das Oran Berries colhidas por nós quatro e formava um aroma único. O terreno na margem estava um pouco quente, mas logo era resfriado pelos pingos d'água que respingavam dos Magikarp e Goldeen que pulavam no lago, dando uma certa aliviada no mormaço. Era possível ver algumas pessoas se divertindo com um belo Zangoose e outras se refrescando na barraquinha mais próxima, estava certa que Hoenn é uma região muito comunicativa, visto que em Johto não era tão comum ver esse tanto de gente aproveitando um dia ensolarado.

Minha relação com Tábata parecia estar florescendo, de desconhecidas para colegas e talvez, futuramente, grandes amigas. Engraçado como uma situação estressante é capaz de unir duas pessoas com personalidades e gostos tão diferentes: A jovem ama Pokémon fantasma e eu, psíquico... Não tem como ser mais oposto que isso. Ela parecia contente com a brincadeira de Sandygast e Abra, dando leves risadas sempre que meu Pokémon saía de dentro da boca do fantasma usando Teleport.

Conversando sobre Pokémon do tipo água que tem como secundário psíquico ou fantasma, lembrei de como costumava pescar com minha avó e seu Kadabra na minha infância em Cianwood. Não tínhamos muita coisa, então era comum pescarmos Remoiraid e vendê-los ou trocá-los por algum tipo de refeição.

— Sabe, essa conversa me deu uma enorme vontade de pescar agora. — disse já abrindo minha bolsa e desdobrando a simples vara de pescar — Sei que é muito difícil pegarmos algo que estamos interessadas, como Staryu ou Frillish, mas é bom pra passar o tempo, obtermos informações em nossa Pokédex e quem sabe até batalhar caso valha a pena.

Coloquei a isca na ponta da vara e joguei a linha o mais distante que consegui. Me ajeitei, sentando agora de frente para o lago de perna cruzada, prendendo a vara em duas rochas ao meu lado e aguardando até algo fisgar e eu poder puxá-la. Que fosse um Magikarp, um Staryu ou até mesmo uma bota velha, mas ao menos seria algo bom para passar o tempo.

— Me lembro como pescar era terapêutico quando pequena. — comentei com Tábata, que parecia animada em fazer o mesmo — Eu e minha família não tínhamos muito e vivíamos no meio do mar, então pescar era como meu safe place e me fazia esquecer tudo que se passava em casa.

Terminei a frase e fechei mais uma vez meus olhos, aproveitando o longo vento que agora jogava meus longos cabelos para trás continuadamente. Era como se um flashback de toda minha infância passasse pela minha mente em questão de segundos, desde minha memória mais antiga até a morte da minha família. Muito tempo havia passado e tudo aquilo ainda mexia comigo, principalmente em situações como essas; apesar de agora eu já saber lidar com tudo isso de forma mais madura.

Com os olhos abertos novamente, dava rápidas glances para Abra e Sandygast que pareciam não cansar de brincar nunca. Me deixara bastante contente que meu Pokémon agora tinha com quem se divertir, já que eu quase nunca tinha humor para aguentar as peripécias do mesmo. Pra um tipo de Pokémon que dorme muitas horas por dia, Abra parecia um caso a parte, ligado sempre nos 220 volts.