O farfalhar de prazer quase cósmico construía-se como uma semente plantada em dois corpos unidos por uma só energia. Um incêndio fazia-se sobre a floresta de nossos desejos mais profundos, fazendo-os escapar pelos poros e saltar de pele em pele, de mim a ela, dela até mim. Não havia limites, não havia fronteiras para nossos seres, que se misturavam com ardência, assim como o Sol tocando o Oceano no crepúsculo de outrora, uma mistura de cores e sons, de formas e curvas. A espiral de nossas existências extrapolava-se de nossos receptáculos tão ínfimos, unindo-se nos céus em uma dupla fita etérea, transcendendo a realidade, mergulhando no mar sob nós, espalhando-se em todas as direções! Já estava mais do que embriagado pelo seu cheiro, pelo seu sabor que penetrava minha alma. Fervemo-nos, fervemo-nos sim naquele momento, como em uma chaleira que apita o momento ideal de tomar o chá, mas o que tomávamos era, na mais singela forma: amor. Sabíamos o trajeto que seria seguido, mesmo que não compreendêssemos o final daquela trilha. As paredes pintadas de uma tinta ardente, nos banhava e espremia-nos até arrancar a última barreira. Não seria ali a tela de nossa mais bela pintura, não importa qual dos artistas havia decidido. Fomo-nos emoldurar em outra tela. Sabe-se lá como, já não me importa. Os estreitos corredores que compõe a existência nos guiaram, beco após beco, viela após viela, porta após porta.
E lá pela última das portas...
Em êxtase máximo... Chegamos.
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Já fazia muito tempo que não sonhava em levitar sobre a cidade... Geralmente quando criança só tinha dois tipos de sonhos: o bom da levitação e o ruim, da queda, que toda criança tem. Voltar a esta espécie de ilusão do sono era sem dúvida, sentir-me novo. Uma criança, novamente? Bem, ao menos a alegria simples e humilde de uma criança me pertencia nesta manhã preguiçosa. Estiquei os braços, o máximo que pude e fui abrindo os olhos devagar, com um sorriso sem fim. A imagem, ainda embaçada revelava um quarto muito semelhante àquele meu da noite anterior, mas invertido. Poltronas em posição contrária, janela, TV, frigobar... Teria o sonho invertido minha percepção da realidade ou eu realmente... O baque da lembrança veio forte, mas ao mesmo tempo gentil. Fechei os olhos... Sensações voltaram a inundar meu corpo, fazendo-o reagir como se estivesse acontecendo ali, agora! Não, por Arceus, não foi sonho. Foi mais do que real, foi a primeira realidade! Meus olhos percorreram o quarto, vislumbrando as nossas mochilas ainda unidas, como deveriam estar. O nó agora havia sido desfeito, mas a proximidade ainda havia...
Em seguida, meus olhos percorreram da esquerda para a direita até a porta entreaberta do banheiro. Sentei-me na cama e cocei o olho, procurando o calçado com os pés. Não o achei de primeira, estavam do outro lado do quarto, mas toquei alguma roupa ainda úmida com o pé. Levantei-me e fui cauteloso até o cômodo em anexo. Esperava ver lá a pessoa dos sonhos e não me arrependi. Meu reflexo chegou primeiro, estampado no espelho, dando um bom dia silencioso para Natalie, que o observava. Cocei novamente o olho e sorri, dessa vez um tanto quanto maliciosamente... Após o reflexo, foi a minha vez de chegar afinal
— Bom dia, Naty... — Saiu enfim a frase, numa voz rouca que quase não reconheci. Aproximei-me da ruiva então, que penteava os cabelos e a abracei, pelas costas mesmo, encarando seu lindo rosto através do espelho. abaixando minha cabeça até a altura de seu ombro para lhe dar um beijo na bochecha
— Parece que eu dormi demais, né? Que pena, queria tanto ver você dormindo igual um passarinho... — Comentei, ainda observando-a, admirando-a.
Então, dúvidas naturais surgiram em minha mente. Dúvidas que não se expõe em palavras, pelo menos sem que houvessem constrangimentos. A explosão de emoções da noite passada certamente não foi um mero ápice de sensações e.. só, pelo menos eu esperava que não fosse. Havia dito, talvez mais de uma vez, lúcido ou não, o quanto sentia o recomeço... Lembrava de nossas vozes sussurrando os nomes um do outro entre acalorados pedidos, brandidos gemidos... Algo assim não devia ocorrer e depois não significar nada, ou poderia? Abracei então mais forte o corpo da ruiva, como se o mero pensamento de perdê-la, fizesse com que a garota escapulisse por entre os seus dedos, como areia. Queria gritar e dizer tudo o que pensava e sentia, mas controlei-me e sobretudo, sorri. A ansiedade não poderia destruir esse momento. Transloquei então as súplicas constrangedoras que queriam sair de que ela me dissesse que tudo aquilo foi bem mais do que "uma noite" apenas, como possivelmente era óbvio, transformando as frases quase escapulidas em palavras mais brandas, para que saíssem sem me envergonhar
— Acho que ainda conseguimos chegar na hora do café, não é mesmo? — Disse, com um largo sorriso.