Capítulo 9 - Tempestade [Tielo]

Era com naturalidade que os deboches escorriam, ácidos, de ambos os lados. Caso fosse preciso apontar qual dos rapazes estaria menos errado em fazê-lo, certamente seria necessário indicar o cigano; Afinal, suas provocações se baseavam meramente em "auto-defesa", por assim dizer - mas nem elas foram capazes de quebrar a pose do desconhecido, tal como suas palavras venenosas não haviam afetado significativamente o bufão. O efeito da alfinetada de Soul, porém, pareceu ter o efeito oposto: O rapaz apenas deu risada, balançando a cabeça em negativa enquanto o primata emitia outra de suas gargalhadas guinchadas - antes de receber um pequeno empurrãozinho no ombro, e foi só.

O símio observou o albino com seus olhos semicerrados, o sorriso malicioso passeando pelos lábios. Um breve movimento de mãos foi feito para "jogar" os cachos para trás, ainda que os caracóis de seus cabelos azuis apenas voltassem ao lugar original, bailando com a brisa tal como ocorria com o topo do matagal que os envolvia. O aquático deu dois passos para frente, entretanto, se pretendia continuar o percurso, se interrompeu ao ver o terrestre que se posicionou ao lado de Tielo: Marshtomp estava longe de parecer feliz com aquela situação, e ambos os pokémons trocaram "palavras" ininteligíveis aos seus respectivos treinadores em uma discussão de tom tão debochado quanto aquelas trocadas por seus mestres. O único que desviava desse padrão, aliás, era o próprio anfíbio, que parecia gradualmente mais irritado a cada som emitido pelo pokémon humanóide à frente.

— Espero que não seja o chefe dos palhaços, ou esse grupo vai estar fadado à falência. — Retrucou, um sorriso tranquilo nos lábios. O jovem puxou com sutileza a borda do capuz, ajeitando-o sobre a cabeça, e deu outro pisão (mais leve, dessa vez) na gaiola, arrancando outro guincho irritadiço e debater da criatura aprisionada ali dentro. — Bem, arlequim... — Continuou, estalando os dedos de uma mão ao fechá-la tranquilamente em um punho. — Não é da sua conta. Que tal aproveitar que já é de circo e cair fora? Acho que já passou tempo demais em um mesmo lugar. — Respondeu, movimentando os ombros em movimentos circulares por alguns segundos. — Ou, se está tão curioso, posso enfiar sua cabeça dentro dela, mas não garanto muita comodidade... — Acrescentou, com um breve sorriso sádico que logo se dissipou.

De tantas coisas, certamente era compreensível o nível de reação que a dupla (trio?) de estranhos era capaz de arrancar do jovem companheiro de Soul. Simpático como o anfíbio era, deparar-se com duas criaturas que não faziam questão de amigabilidade era, para dizer o mínimo, frustrante; Toda a atmosfera passivo-agressiva da discussão entre ambos os treinadores acomodava-se como um incômodo latente para o aquático e, bem, o símio de cabelos encaracolados não parecia amenizar esse sentimento dentro do terrestre - muito pelo contrário, aliás! Seria fácil arriscar dizer que, por mais irônico que pudesse parecer, era justamente o pokémon que incendiava o coração de Marshtomp à sua própria maneira, considerando a desenvoltura que o animal apresentava até mesmo no jogo de corpo.

Em justa causa, foi Tielo quem tentou interceder por seu monstrinho, da mais discreta maneira: Com uma breve piscada de olho que, infelizmente, não chegou a ser percebida pelo terrestre. Mais um barulho inflado de deboche era disparado pelo primata e, em resposta, Marshtomp apertou silenciosamente os dedos nas próprias "mãos". Seu treinador com toda a certeza tinha uma capacidade superior em lidar com aquele tipo de situação e, como outra face da moeda, o inicial não possuía quaisquer facilidade em fazê-lo.

— Não se preocupe! — Retrucou o estranho. — Com toda a certeza cabe. Como eu disse, pode não ficar tão cômodo... — Continuou, com um breve sorriso. — ...Mas não é tão difícil moldar uma coisa que não tem nada dentro, normalmente. — Prosseguiu. — Me pergunto que tipo de ilusionismo é necessário pra manter uma cabeça oca em forma desse jeito... — Comentou, tranquilo, movimentando os ombros com suavidade. — Até a sustentação poderia ser preocupante, mas você usa tanta tranqueira que nem é mais um problema, né? — Acrescentou, displicente.

Mas, apesar da pequena troca de farpas, não eram elas o foco de interesse de Soul: E sim o monstrinho aprisionado na gaiola, que se debatia com insistência e, casualmente, emitia alguns guinchos irritadiços. O albino chegou a tentar se movimentar para enxergar melhor o espécime ali preso mas, para sua plena infelicidade, o ato não passou despercebido pelo primata. Na realidade, o aquático de cabelos encaracolados tranquilamente acompanhou seus passos, mantendo-se como obstáculo entre seu campo de visão em relação ao monstrinho. O melhor detalhe que poderia ser visto era que o pokémon parecia todo coberto de lama mas, até então, nada mais.

— Ah, não seja por isso! — O rapaz riu, sereno. — Tenho certeza que eu devo ser a pessoa mais normal que você já viu na vida, se costuma andar com a mesma laia que a sua. — Comentou, ajeitando com sutileza uma madeixa escura que escapava para a frente do rosto. — Talvez por isso seja tão estranho pra você, arlequim! — Acrescentou, com uma piscadela debochada. — Mas, se quer tanto saber, o que eu carrego é mercadoria, nada mais. — Respondeu, cedendo parcialmente às questões do bufão. — Se era só isso, já pode voltar para sua caravana. Como eu disse, já não passou no mesmo lugar tempo demais?

— Ser normal não é triste, arlequim. — O rapaz retrucou, retirando um pokénav do bolso e olhando para sua tela por alguns instantes antes de retornar a atenção para o cigano. — Também existe o prazer no comum, o que eu duvido que você não saiba. — Acrescentou, balançando a cabeça em negativa com suavidade antes de se permitir mais um de seus breves sorrisos serenos. — Devia lamentar por aqueles que acreditam que sua visão de mundo é a única experiência possível de felicidade. — Deu uma piscadela. Era difícil dizer como a conversa havia tomado aquele rumo mas, de qualquer jeito, lá estava. Até o primata parecia calmo, talvez cansado de manter a pose debochada o tempo todo ou simplesmente entediado de provocar o anfíbio cabeça quente; Fosse qual fosse a questão, nenhum dos dois parecia inclinado a manter a conversa por muito tempo.

Isso é, até a última afirmação do bufão. O encapuzado ergueu de leve uma das sobrancelhas, e liberou um abafado riso nasal - não completamente de deboche, mas simplesmente divertido. O aquático que barrava o caminho entre treinador e Soul expôs sua melhor expressão de descrença, cruzando os braços diante do peito antes de voltar a atenção à Marshtomp e "comentar" alguma coisa que fez o inicial emitir uma reclamação irritada, fato que arrancou uma risada do espécime de cabelos encaracolados.

— Ah, você é? — Questionou, o sorriso quase provocativo sombreando os lábios constantemente. — É difícil de acreditar, mas se você diz... — Balançou a cabeça, movimentando os ombros mais uma vez. — Bem, se está tão interessado, o que eu tenho aqui é um dos ratos que andaram aparecendo por aí. — Respondeu, estalando os dedos da outra mão. — Se realmente quiser, eu tenho um bom preço, mas também não tenho tempo a perder. — Acrescentou, observando o albino com atenção - e um "quê" de cuidado em relação a todos os movimentos feitos pelo rapaz.

Talvez aquele fosse um dos piores inimigos a se ter: Alguém que consegue manter a cabeça fria, ou pelo menos tanto quanto possível - era o que o moreno havia demonstrado até então.
Como Tielo procederia?

Diante da "exigência" do cigano, o rapaz se permitiu um riso banhado em deboche. De modo displicente, balançou a cabeça em negativa, e mais uma vez movimentou os ombros em sua costumeira maneira rotatória - se era um tique ou se eles simplesmente doíam, era difícil de definir, principalmente por estarem ocultos pelo material escuro da capa de chuva. De maneira similar reagiu o primata que impedia caminho de Soul para próximo ao roedor aprisionado, com um sorriso divertido se desenhando em seus lábios enquanto o símio cruzava frouxamente os braços em frente ao peito.

— Ah, não... — Começou estalando os dedos pela sabe-se lá que vez. — Você já sabe o que é. Se quer, ótimo, senão, eu arranjo outros compradores. — Sentenciou, despreocupado. — E antes que o pegue, quero dinheiro em mãos - que no caso, são dois mil. E sinceramente não é muito, fique sabendo, considerando o tanto de pessoas que vem atrás de um exemplar desses por aqui... Arrisco dizer que seja um dos mais procurados, então entenda: Eu não teria dificuldade em vendê-lo pra qualquer um que seja. Não preciso convencer ninguém. — Acrescentou, sucinto. — E eu não vou me dar o trabalho de tentar, também. Até porque, bem, eu não fui muito com a sua cara, e nem confio em você. — Disse, dando de ombros. — E aí, arlequim? O que é que vai ser?

— O que você pensa que está fazendo? — Foi a primeira coisa que o rapaz disse, assim que Soul se movimentou para retirar as esferas bicolores e, com isso, liberar seus pokémons. Entretanto, não esperou resposta; Já estava há tempos atento nos movimentos do cigano, como bem dito, e reagiu rápido ao retirar uma segunda pokéball das vestes escuras, que se uniu aos feixes ofuscantes do lado do campo que Tielo e libertou um novo animal praticamente na mesma hora, que carregava uma elegante pena decorativa na cabeça, impedindo por completo qualquer avanço que o artista ousasse arriscar. A enrolação encenada do bufão tanto para lançar seus companheiros em campo quanto para dar-lhe as ordens deu vantagem o suficiente para que o desconhecido analisasse a situação rapidamente, assim como o concedeu tempo de sobra para comandar os próprios pokémons. — Henn, o que você me diz de corresponder esse beijo, já que eles querem tanto? Lick e Leer! Ágata, Bite na cabeluda e Icy Wind nessa borboleta! — Instruiu, sem sequer se dar ao trabalho de pensar por muito tempo.

Tão veloz quanto o próprio treinador, a nova bípede posta na arena foi a primeira a agir, investindo contra a gélida adversária e pregando-lhe uma poderosa mordida em uma de suas mãos estendidas. Um grito imediato foi a reação da psíquica, que sacolejou o braço para se livrar da felina e uma expressão de fúria passeou por seu rosto antes que se voltasse ao primata do outro lado do campo. Com um sorriso e uma piscadela, a loira aproximou-se do aquático, inclinando-se com um biquinho de beijo em seus lábios... Para o qual o símio respondeu com uma careta de nojo e um rápido passo para trás, esquivando-se da tentativa beijoqueira da mãezona da equipe adversária; Infelizmente, não teve a mesma sorte com os esporos lançados das asas de Beautifly, resultando em uma poderosa paralisia que se apossou dos seus membros - a situação não o impediu de agir, entretanto, e o jovem animal esticou a língua na direção de gélida oponente, lambendo-lhe a bochecha, que a fez abrir ainda mais os olhos e travar diante de tal atrevimento. (Bite/Lovely Kiss/Stun Spore/Lick)

Uma nova rodada se iniciou novamente com a espécime trevosa, que conjurou poderosas ventanias e arremessou estilhaços de gelo contra o inocente inseto que sobrevoava o campo - um cálculo ruim do cigano acabava de mandar o jovem Beautifly ao nocaute, mas também deixava bem claro que a nova oponente era, sem dúvidas, a maior preocupação do albino naquele exato momento e precisava ser eliminada o mais rápido possível. O resto do turno se resumiu a uma luta contra paralisias que, infelizmente, nenhum dos pokémons foi capaz de ignorar. (Icy Wind)


— Ué, essa pose toda pra isso, arlequim? — Debochou o comerciante, emitindo um riso abafado e balançando a cabeça em negativa. — Henn, duplo Leer! Ágata, Leer e Swords Dance! — Instruiu o jovem. Parecia disposto à levar aquilo ao limite, e parecia uma péssima hora para dar chance ao azar mais uma vez.

O que faria Tielo, diante de tudo aquilo?