Capítulo 9 - Tempestade [Tielo]

Embora as lágrimas celestes já o molhassem com toda sua delicadeza, apenas a percepção e reconhecimento da sessão de fotos foi realmente responsável por banhar a alma do atormentado arlequim. Na magia e timing de um singelo estalar de dedos, suas preocupações foram lavadas e escorreram entre as gramíneas esverdeadas que recobriam o solo, desaparecendo com invejável tranquilidade; Durante os instantes que o rapaz preocupou-se em se aprumar para uma apresentação sequer combinada, a dupla não parecia aperceber-se de sua presença ou, se o fizera, em momento algum demonstrara sinais de. Entretidos em seu próprio mundo particular, tanto pokémon quanto fotógrafo pareciam imersos o suficiente na construção de sua própria obra de arte tecnológica.

Foi exatamente por esse motivo que a repentina presença de Soul arrancou uma justificadíssima expressão surpresa do rapaz de cabelos escuros. Num primeiro instante, a única reação do responsável pelos enquadres se resumiu a baixar um pouco o aparelho fotográfico, o olhar confuso passeando pelas feições do altíssimo artista. Era importante frisar que nem de perto o retratista era capaz de competir com a altura do cigano, que tão descaradamente impunha-se como modelo - chegava a ser mais baixo que o comerciante de outrora, até.

Aquele constrangedor momento de infindáveis segundos silenciosos foi rompido por nada mais nada menos que o próprio jovem de fios trançados: Com um pigarro divertido e um sorriso que repentinamente se coloriu em seus lábios, não questionou a aparição do arlequim, e tampouco sua exuberância espalhafatosa. Em quietude e consentir gentil, os pés ocultos pelas botas emborrachadas de cano alto recuaram alguns passos, o rosto se escondeu por detrás da câmera - FLASH!, e a atenção do fotógrafo se voltava e repousava por completo nos ombros do cigano.

Duas fotos foram tiradas com tranquilidade: Entretanto, aquela breve interação silenciosa finalizou logo após. Indignado pelo roubo da atenção que antes repousava sobre si, o monstrinho amarelado fez questão de expor sua satisfação quando, com um impacto repentino, agrediu a canela do albino com uma irritada cabeçada, seguida de um cry alto e inconformadíssimo. O fato tragou novamente o foco do responsável pela câmera, e o jovem abaixou o aparelho, permitindo que um novo riso divertido escapasse.

— ...Oi! — Cumprimentou, finalmente rompendo o silêncio ao se dirigir ao bufão. — Não sabia que tinham tantos modelos dando sopa por aqui... Se eu soubesse, viria mais vezes! — Brincou o rapaz, com um sorriso simpático. Por um breve instante, ergueu novamente a câmera, desta vez em direção ao chão: Um novo clique foi feito da imagem do (não mais tão) simpático amarelado e, mesmo que apenas por um momento, o fato pareceu ser suficiente para acalmar os nervos do monstrinho. A sementinha ainda olhava de rabo de olho para o albino, irritada, mas felizmente não ousou mais nenhuma tentativa de "agressão", pelo menos imediatamente.

Após tantas intempéries, parecia que o titereiro dos eventos que se desenrolavam pela 121 finalmente permitia que o exausto arlequim pudesse, enfim, ter seu momento de paz ao se deparar com uma interação que tranquilamente se iniciava com o pé direito: Mesmo que parte dela se resumisse a uma indignada sementinha amarelada dando-lhe cabeçadas na canela, afinal, a pequenina sequer parecia possuir forças - ou, no mínimo, não as utilizava - para tentar de fato ferir o responsável por, bem, "roubar" a cena que, até então, era apenas sua.

— ...O prazer é todo meu! — Retrucou, liberando uma das mãos para roçar os dedos pacientemente pela trança que pendia para frente. — Eu sou o Erick. — Apresentou-se, antes que o olhar desviasse com serenidade na direção do gramíneo aos pés do cigano. — E esse aí... Bem, encontrei ele por aqui mesmo, na verdade! — Admitiu, balançando os ombros com suavidade. Observou em silêncio enquanto Soul retirava um dos cachecóis e, ao perceber a intenção por trás da atitude, o sorriso se desenhou naturalmente no rosto do moreno. A semente surpreendeu-se ao se ver envolvida pelo novo adereço, e o olhar baixou para o próprio corpo enquanto analisava seu novo "figurino", curiosa. — Acho beeeem difícil que você tenha percebido, mas eu sou um fotógrafo! — Comentou, num tom brincalhão. — Fiquei sabendo que tinham alguns pokémons estranhos rondando por aqui e pelo Pyre, então vim tentar minha sorte, sabe? — Explicou, erguendo um pouquinho o aparelho fotográfico para deixar bem explicitadas as suas intenções. — E você? Que que veio fazer no meio da tempestade? — Perguntou. — Algum show marcado que eu não sabia? — Sorriu. Foi nesse momento que Sunkern finalmente resolveu se pronunciar, emitindo um cry contente ao erguer os olhinhos escuros na direção dos rapazes. Foi com um pequeno saltito que se acomodou entre as pernas do albino e, diante desse enquadre, o retratista nada mais pôde fazer além de aceitar seu destino e eternizar a nova imagem na memória de sua câmera.

— ...Pode dizer papel! — Emendou, num sorriso manso. — Eu adoro fotografias. Tem algo de mágico em tentar enquadrar o melhor ângulo, a melhor paisagem e, tipo, de repente você meio que pode guardar um pedaço dela pra você pra sempre, sabe? — Balançou os ombros, suave. — Talvez pareça besta, mas eu me sinto menos "à parte", assim. — Comentou. O olhar do rapaz pairava tranquilamente sobre a imagem da dupla que curtia a presença um do outro, o amarelado principalmente, que se derretia diante dos carinhos gentis que o cigano o oferecia. Por um breve instante, o cenho do jovem se franziu, e os orbes passearam suavemente pelo rosto do albino. — ...Tem alguma coisa errada com sua mão? — Perguntou, indicando a palma que tremulava.

Foi com atenção, então, que o retratista ouviu as palavras ditas pelo arlequim - e até interesse, na verdade. Talvez cansado de se manter de pé, o rapaz se aproximou da dupla e, pressionando as costas contra a árvore, escorregou para o chão e se acomodou tranquilamente por sobre a relva. Cruzando as pernas como índio, o moreno apoiou os cotovelos sobre as coxas, e observou enquanto a sementinha no colo de Tielo balançava suas folhinhas para lá e para cá.

— Faz muito tempo que foi embora? — Perguntou, o olhar subindo com suavidade em sua direção. — Eu concordo que os pokémons são um dos maiores presentes que existem por aqui. Em contrapartida, acabo não capturando nenhum, porque eu sei que não treinaria. — Comentou, balançando os ombros com suavidade. — ...Bem, raios eu estou vendo toda hora, principalmente pelos lados do Pyre! — Respondeu, apontando para o monte que se desenhava no horizonte. — Mas... Fumaça? Acredito que não. Por quê?

Erick ouviu em silêncio enquanto o arlequim narrava pacientemente, e de forma resumida, tudo o que havia lhe ocorrido até então; Suas maiores reações eram as expressões e o olhar, que se alternava entre as mãos de Soul, seus olhos e o horizonte escuro da 121, talvez em busca de qualquer sinal de fumaça que escapasse dos campos que carimbasse como verídica a história contada pelo agora companheiro.

— ...Tenho a impressão que isso daria uma ótima cantiga épica. — Disse o rapaz, com um sorriso breve enquanto apontava para o violão nas costas do bardo. — Vem cá, deixa eu ver isso. — Pediu, enquanto se dava ao luxo de tomar a mão de Tielo entre as suas; Colocou seu dorso repousado sobre a própria palma, e foi com uma delicadeza singular que o indicador e o médio tocaram a superfície da queimadura. — ...Dói? — Perguntou, o olhar subindo para as feições do artista com paciência. Naquele instante, não o soltou, mas usou a mão livre para revirar a mochila - largada na grama, desde a chegada do bufão - pacientemente. — Eu tenho quase certeza que... Ah, achei! — Exclamou. De um dos bolsos, retirou um pequeno pote marrom, e o apoiou sobre o colo para o abrir. — Não vai passar feito mágica, mas vai aliviar um pouco. — Explicou. Então, com dois dedos, pegou um pouco do gel esverdeado que descansava dentro do recipiente e o espalhou sobre a palma do albino; O contato da substância era gelada sobre a pele, refrescante, e o moreno não poupou e nem parou até que houvesse cobrido toda a pele queimada.

— ...Aqui. Melhor? — Perguntou, ao finalmente finalizar o trabalho, afastando as mãos da do musicista. Com um sorriso singelo, o olhar recaiu novamente na direção do amarelado sobre o colo do rapaz, que parecia distraído o suficiente com os carinhos para se importar com a conversa dos adultos. — Esse aí é um Sunkern. Eu sempre acho engraçado topar com esses num clima assim, principalmente que a evolução é um girassol... — Comentou, balançando os ombros num ritmo ameno. — Eu não me incomodo. Mas, acho que depende mais dele do que de mim. — Explicou, deixando escapar um riso tranquilo. — Me diz uma coisa, Tielo... — Pediu, apoiando as duas mãos descontraidamente sobre as pernas cruzadas. — Você, por algum acaso, tava indo lá pro Pyre?

Mesmo que em meio à tempestade e por mais irônico - e muito provavelmente passageiro - que isso pudesse parecer, não é surpreendente afirmar que era ótimo lidar, enfim, com a calmaria. Nenhuma confusão imediata, caos ou mesmo batalhas que precisassem se preocupar; Pelo menos naquele instante único, ao arlequim era reservado o privilégio de aspirar serenamente o odor do orvalho e contemplar a maneira como a vegetação bailava sob as ordens do vento. Com a mesma serenidade seu companheiro ouviu seu relato, balançando a cabeça com suavidade: Não era a primeira vez naquela conversa que ouvia à respeito de seu povoado e, naquele momento, apostou que não seria a última.

— É um pouco difícil no começo, quando se depende exclusivamente do crescimento das plantas, com poucos recursos e muitas pessoas. — Comentou, observando a maneira como o albino enrolava o cachecol na mão: Se dispôs à auxiliá-lo com um breve laço em suas pontas, para que o acessório não se soltasse. — Mas, com o tempo, dá pra contornar. — Disse, enquanto novamente afastava os dedos do rapaz e se recostava ao tronco da árvore.

Sunkern, por outro lado, sequer pareceu dar atenção às palavras do cigano; Distraída o suficiente, a sementinha apenas aproveitava os dengos e sentia o vento roçando por suas folhas, acolhida no cachecol presenteado - emprestado - pelo rapaz. Não reagiu à favor de sua própria captura mas, bem... Não se mostrou agressivo diante da possibilidade, se é que havia sequer a escutado.

— ...Entendi. — Por alguns instantes, o moreno ficou com uma expressão pensativa, observando a interação que se desenrolava entre treinador e selvagem. Com sutileza, apertou os dedos nas próprias mãos e, enfim, suspirou: — ...Como eu disse, eu quero ir pra lá, mas eu não tenho realmente um time pra aguentar sozinho. — Comentou, ensaiando as palavras. — ...Você me disse que seus pokémons todos tinham sofrido enquanto você tentava pegar o Rattata, não foi? — Enfim, o olhar subiu outra vez para o rosto alheio. — ...Quero fazer um acordo contigo. Se eu recuperar mais ou menos pelo menos dois dos seus bichinhos, você me levaria junto pra tirar umas fotos? — Pediu, então. À considerar a demora da oferta, talvez ela já fosse até mesma esperada pelo artista mas, oh, aqui estava.

O que ele diria?