Pamelor

Era óbvio que meu disfarce era horrível. Logo mais Kara me deu o aval e, como boa convidada, retirei os sapatos. Tarefa um tanto quanto difícil naquela lama; botar os pés na lama se tornara inevitável. Apoiei com as mãos na baleia e sujeito um pouco os pés, tentando ao máximo reduzir os danos. Ao pega um impulso e segurar em sua carcaça acabei por escorregar a princípio, botando um dos pés meio sujo na baleia. Retomei o vermelho do rosto e disse sem graça:
- Desculpa por isso.

O pedido fora seguido de uma segunda tentativa; uma em que eu consegui. Aos poucos fui pegando um jeito; em um escorregão ou outro, já estava lá em cima! Sabia que não iria dirigir e nem demoraria demais, a passagem para o Monte Pyre era bem próxima e, por isso, não teríamos tanto tempo assim. Ainda assim me ajeitei, no topo da baleia, e tratei de passar grande parte do trajeto sentada, com as pernas cruzadas. Não me levantaria para correr risco e nem me deitaria para parecer maluca.

Meu intuito, apesar do ânimo e medo, não era emudecer. Tentei mostrar-me civilizada; qualidade que já não fazia mais parte do meu repertório a um tempo. Encarei Kara com uma aparente seriedade e tentei puxar conversa:
- A quanto tempo você treina?! - Se a pergunta fosse retornada à mim, eu estaria ferrada. Não saberia responder; mal sei o ano que comecei, faz tanto tempo!

Parecia um pouco incoerente da parte de Kara dizer a mim, depois de ter falado sobre o boato-lendário, que tempestades como aquelas eram comuns no mar. Há aqui muitas problemáticas para além do agitar e do vento, o principal são os relâmpagos. Existia aqui uma particularidade bastante assustadora; aqueles raios estavam muito mais fortes e pavorosos que o "comum". Outra coisa que me incomodava era sua fala sobre o período longo de chuva; não era justamente esse período longo que tornara tudo mais perigoso? As enxurradas, o volume d'água, as enchentes. O medo não era, cruamente dizendo, de se afogar na chuva?! Quando absolutamente tudo é água não há terra firme para se apoiar e respirar. Bem, era fato que mesmo com seu discurso eu não me acalmaria tanto, ainda assim ela tinha uma certa razão ao dizer que, se eu evoluísse Eevee, provavelmente teria algo à me segurar, ainda que simbólico. Ok, ela pode não ter falado isso, mas foi o que eu pensei, ta?!

Mantive-me sentada, ainda que ela falasse que eu poderia levantar. O principal motivo da posição era equilibrar Frey. Isto eu faria com maestria! O raposa não poderia se molhar demais, seu pelo ficaria bastante embolado se eu o largasse livre por ai. Com o intuito de proteger e evitar problemas futuros, deixei-o rente ao tórax, bem próximo da curvatura peito-queixo, protegendo-o com os braços. Isso salvou-o do espirro de Wailord. Além disso, só por tê-lo apoiado em meu torso que eu pude notar: no momento em que falaram sobre evolução, o coração de Frey palpitou. Minha respiração fora junto de seu inspirar motivado e, sem precisar ouvir um grunhido sequer, entendi o que queria dizer. Ele não só gostara da ideia como o queria para agora: mas que Eevee afobado e ansioso esse meu! Assenti com a cabeça, tanto ao seu pedido, quanto a fala de Kara. Até então eu só ouvi e nada falei.

Evoluir ali seria um aval positivo ao seu convite. Eu sabia disso; estava com medo de me arriscar mas provavelmente o teria. Seria deselegante da minha parte também, né?! Acho que enfrentar o medo por questões de etiqueta é o que eu mais faço. Cacei, dentro da bolsa, o material evolutivo. Ao fazer, larguei Eevee de mão, deixando-o sob a chuva, um pouco distante de mim. Eu sabia que quando lhe desse a pedra, a luz me cegaria e eu precisaria me afastar, logo, não havia sentido deixa-lo no meu colo.

Como quem esperava o ápice acontecer, dei a César o que é de César. Esta fora uma das minha evoluções planejadas e pouco engajadas; não houve surpresas ou sentimentos muito forte. Apenas um orgulho e um calor no peito bastante agradável. Esperei e, ao fim, chamei-o para voltar ao meu colo. Agora Frey estava muito mais... pesado?! Acho que é esse o termo. Não o aguentaria tão fácil assim. Sabendo disso, convidei-o para perto de mim, ainda que sentada, para aguentar seu peso; deixei que inaugurasse o mar, mas só depois que eu estivesse montada sobre uma das selas.

- Você perguntou antes mas esqueci de responder... provável pelo susto com Wailord - Introduzi; havia muitas introduções na nossa conversa - Eu também não sei que golpe é esse de Eevee. Nunca vi. Sinceramente! Eu recebi ele como prêmio de um evento em Forina e ele já veio com ele. Descobri pela PokeDex que existia mas não sei como aconteceu.

Era com Vaporeon entre as minhas pernas que eu tentava levantar, mesmo com aquela agitação marítima toda! Minhas duas escolhas pareciam bem ruins; dois pokemons tão assustadores quanto deviam ser. Engoli a seco e encarei os dois; qual me daria menos medo?! A resposta mais óbvia era Gyarados. Era maior e mais seguro, certo? Não muito. Repensei um pouco e imaginei o balançar da serpente. Só de cogitar me embrulhei! Provável que a resposta certa (se houvesse uma) seria Sharpedo. Tendo decidido isso, deslizei até o tubarão e sorri à ele, esperando um retorno dentado à minha simpatia:

- Eu sei que não preciso mas eu to com medo - Afirmei, sendo sincera mais uma vez - Mas acho que vai ficar tudo bem. Quem ta na chuva é para se molhar, né?! - Ri sem graça ao fim.
Agora eu estava de pé, ao lado do tubarão. Frey ao meu lado, esperando só o aval para experimentar (finalmente) o prazer que era nadar.

OFF: Water Gun no lugar de Covet.

- Sim, em Forina. Sai de lá faz algumas horas. Acho que nem completou um dia inteiro - Meu arrependimento em externar isso viera de imediato; Kara ia imaginar certamente que eu não bato muito bem da cabeça - Mas o evento foi meio conturbado... muito despreparado, não acho que deva ficar mal por ter perdido a oportunidade - Admiti, tentando ignorar o fato anterior.

Após isso só escutei e assenti com a cabeça. Tentei sentar em Sharpedo da forma mais ereta o possível, passando à mim uma confiança corpórea performada. Veja só, eu não tinha segurança alguma! Ainda assim resolvi atuar; quem sabe assim não adquiriria alguma?! Pareceu dar certo até certo ponto. Cai no mar e, depois de duas ou três ondas, afrouxei a mão. Meus dedos já doíam de tanto segurar-me na sela com força! Agora sim, meu coração est- Sharpedo mergulhou?! Acho que no balançar de mãos acidental acabei tapeando-o duas vezes. Felizmente não fora três. Provável que Kara não estivesse esperando que eu o fizesse tão rápido; nem eu. Frey provavelmente fora o único que gostara da situação, mergulho logo atrás, conhecendo finalmente seu habitat preferido.

Aqui deixo um adendo: Sharpedo descera rápido demais, o que me fizera subir um pouco da sela, graças à gravidade diminuta na água. A resistência e o despreparo me fizera soltar um pouco e isso por si só quase me matou. De susto, é claro; com os pés retomei o assento, pegando impulso para baixo, numa espécie de pedaleira que o equipamento tinha. Ufa; enfim montada... mas agora como respirar?! Fora inevitável querer gritar e meu desespero viera a tona, tentei não esboçar e deixei que as coisas passassem por mim. Frey foi uma dessas coisas, que sentira-se livre para fazer uma travessia ou outra, sem imaginar que meu pânico aflorara.

Eu não estava nem três segundos de baixo d'água mas pareciam... sete anos?! Tinha fôlego porém me faltava confiança. Vamos Winnie... está tudo bem. Não é como se Kara fosse um peixe e conseguisse respirar de baixo d'água; logo mais ela subiria comigo, né?!

Era perfeitamente desesperador. Era lindo porém... mórbido?! Não que o cenário remetesse à morte mas a todo o momento eu o fazia por ele. Ficar sem respirar era como um castigo que demorei acostumar. Quando enfim entendi minha posição ali, era tarde demais; meu fôlego se perdia e Kara me levava para a superfície.

Respirei fundo. Boca completamente aberta, pulmões completamente carregados, garganta completamente disponível.

Ao sentir o ar entrando, voltei ao normal. Voltei ao nostálgico do que acabava de passar: eu queria voltar lá. Virei para trás e me certifiquei de que Vaporeon estava junto. Estava! Subiu comigo. A felicidade que foi vê-lo sob o céu novamente era indescritível. Apesar disso, quero voltar. Quero voltar porque não vi direito; eram Sharpedos e Magikarps?! Ou Wailmers e Tentacools?! Era um novo universo?! Era... lindo?! Bagunçado, múltiplo, vivo e... lindo. Eu queria voltar! De fato não fora tão bom, mas estou certa que da próxima será perfeito!

Era Kara que falava e eu que a chamava para um encontro. Encontro submerso; meus olhos brilhavam e devoravam cada palavra que dizia. Eu definitivamente desejava mergulhar. Talvez me afogara na beleza oceânica, da garota e do cenário.
- Eu quero agora - Comecei e finalizei.

Eu realmente queria agora; foi a primeira vez, em muito tempo, que eu havia largado por completo minha ansiedade. O banho de mar mais parecera lavar a alma à que a pele. Eu estava submersa e isso era horrível, porém quando subi, senti o céu; reparei o quão melhor era estar lá em baixo. Sim, eu quero agora. Num desejo insaciavelmente masoquista eu admito: eu quero. Eu desejo por isso. O medo e receio, por um mísero segundo, sobrepuseram meu surto e a beleza do ambiente serviu de alguma coisa.

Eu quero muito isso.

Kara começara a me metralhar com informação. Senti que grande parte delas era para me deixar segura; primeiro o fato de Vaporeon aguentar uma hora ou mais, depois com a informação de que teríamos oxigênio infinito. Por fim a informação de que, dali para frente, seria fácil. Tem certeza disso, Kara?! Talvez minha empolgação tenha demonstrado segurança, mas ela ainda não existia.

Deixei que falasse enquanto só concordava com o rosto. Balançava a cabeça incessantemente, quase como um tique irritante; ao mesmo tempo olhava-a com curiosidade e pressionava meu corpo contra a sela de Sharpedo. Ela continuaria falando para sempre?! Memorizou todos aqueles pokemons?! Não! Ela certamente tinha uma cola! Agora voltei meus olhos as suas mãos. Ali procurei algum escrito gravado ou uma cola: falhei. Não havia nada! Ela realmente sabia tudo aquilo de cabeça. Meu arquear de sobrancelhas teria que esperar; não demonstraria a surpresa que senti.

Deixei que continuasse. Jellicent, Poliwrath e Vaporeon estavam na lista, o que era bastante formidável. Ali eu já me perdi; o que eu faria mesmo?! trocaria-me, né? Acho que sim. Recebi então o tal traje e aceitei-o com um belo de um agradecimento: setecentos e cinquenta reais. Que belo agradecimento é esse, em! No fim Kara acabou por me tirar dinheiro de qualquer jeito; ganhando ou não.

Eu me trocaria ali? Pois é. Não havia lugar muito melhor para me trocar. Juro que corei ao receber aquele uniforme. A informação que me dera por último era essencial para minha vergonha. Incessantemente olhei em volta, tentando procurar uma desculpa para não fazê-lo. Não achei. Não havia plateia; só eu, Kara e os pokemons.
- Você vai se trocar também?! - Indaguei, esperando não passar por essa situação sozinha.
Era dizendo isso que tirava o excesso. Primeiro o casaco, depois a blusa larga que carregava comigo. Era nesse ponto que eu ficava ainda mais vermelha; eu já estava sem botas e não pretendia tirar minhas calças, mas eu estava certa de que aquela blusa estragaria tudo. Tentei manter-me confiante, ainda que sem blusa. Felizmente algum humano inventou o tal do top, né?! Se não estaria perdida!

Achei que tirar a roupa seria a parte mais difícil, mas não foi. Agora eu precisava vestir aquele traje colado e úmido, cinza com azul claro, que tinha pagado por. Passei uma das pernas sobre Sharpedo e fiquei sentada de lado, rezando para que uma onda não me levasse para longe. Frey parecia ficar de guarda, ainda que tímido para olhar diretamente a cena. Aos poucos me flexionava, esticava e tentava passar o pano pelas minhas pernas. Depois de muito tempo, consegui; num esforço de braço, tentei levantar; equilibrar naquele Jet Ski. Ideia horrível! Cambaleei mais uma ou duas vezes. Ainda assim consegui ficar tempo o suficiente para puxar a malha para cima, alcançando meu torço. Agora é só fechar. Eis a vantagem de ter um Vaporeon atrás de mim: diferente da maioria dos aquáticos, ele tinha patas. Fez grande parte do trabalho para mim e agradeci imensamente.

Agora era por a máscara. Essa, felizmente, fora a parte mais fácil. Posicionei o óculos (extremamente animada por poder ver melhor o fundo do mar) e encaixei o tubo de oxigênio dentro da boca. Mantive-me respirando pelo nariz até que descesse enfim. Agora arrumada (ou ao menos achava que sim), sai de Sharpedo e fui até Frey; num nadar pouco organizado e técnico, cheguei. Agarrei meu pokemon com um pouco de receio. Encarei suas escamas e suas barbatanas e só depois de reparar no brilho de sua pele hidratada tive coragem de dizer:
- Vamos lá?! - O dito era tanto para Vaporeon quanto para Kara.