Pamelor

É, eu provavelmente havia chegado a algum lugar relevante. Neste momento decidi recolher Loki; o urso realmente era uma porta de entrada chamativa demais. Preferia passar longe de maus olhares e focar apenas no pragmatismo. Ursaring pareceu entender minhas razões, ainda que não o quisesse; respeitou e se deixou levar.

Agora com só dois pokemons ao meu lado, caminhei até uma barraca. Era estranho falar "só dois pokemons" porque ainda sentia que eram muitos. Meganium então, um dinossauro majestoso, ainda assim sua presença era essencial para manter um mínimo de calor ali. Agradeci aos dois pokemons mas pedi que ficassem do lado de fora da cabana; talvez não tivesse tanto espaço assim.

Do lado de fora parei. Olhei a "construção" improvisada de cima a baixo, bati palmas e bradei:
- Ei, eu vim em missão. Me pediram para procurar Vincent, alguém sabe onde ele está?! - Gritei; nem muito estridente nem muito abafado. Esperava que desse para ouvir com maestria. Queria economizar meu tempo, já introduzindo a pergunta, porém sem ser mau-educada e ir entrando sem avisar.

Era estúpido passar por aquilo tudo para ainda ouvir grosserias. Nesta hora uma veia pulsara em minha testa e por muito pouco não mudei minha entonação; veja só, caro leitor, eu realmente sou uma pessoa muito paciente mas, por favor, não me ofenda assim. Eu não só vim virada ao Monte Pyre, o mais rápido o possível, como acabo de quase morrer afogada. Talvez eu tenha meus motivos para me atrasar, ta bom?! Além disso, era óbvio que ainda precisavam de mim: a chuva não havia passado.

"Antes tarde do que nunca", pensei, revirando os olhos enquanto ouvia a moça reclamar sem parar. Aquilo até podia ser interpretado como um deboche mas eu simplesmente não liguei; minha postura era normal e aquilo (para mim) bastava. Deixei que terminasse de falar e pensei bem antes de responder. Levei alguns estranhos instantes de silêncio para decidir qual assunto abordaria primeiro. Era inevitável que o tema Ranger devia ser o mais importante mas eu não podia deixar de pensar... um treinador chamado VICENT e não VINCENT... já que é Ranger, provavelmente é de Tohjo... há outro?! Já que Netero me mandara o nome errado, eu acabei não percebendo a coincidência infame. Aquele tal garoto poderia ser.... Vicent? Oh não. Por favor digam que é só um xará. Revirei os olhos. Eu já sabia a resposta; essa merda de continente é pequeno demais para ser só uma coincidência de nomes. Forina me ensinou isso muito bem.

- Vicent Freda, né? - Perguntei sem abordar mais nada; desenrolaria a conversa dependendo da afirmativa.
Eu esperava aquelas palavras com uma terrível dor no estômago. Não havia nada que pudesse resolver. Sim seria ruim, não também. Relembrar dele era o suficiente para toda aquela situação ser terrível. Se já não bastasse o afogar de Kara! Esse Monte Pyre tem sido cada vez mais ingrato comigo. Vejam só: sei que é um cemitério, mas precisa ter uma aura tão mórbida ao seu redor, montezinho?! Ressuscitando mortos, matando vivos. Ai ai, vê se pode!

O nome viera como palavra de ordem: em instantes toda a minha postura mudou. A mudança era tão radical que claramente a mulher a frente se tocara! Num instante, a menina desleixada e atrasada se tornou ereta e responsável, com um olhar muito mais disciplinado. Era Vicent. Era meu irmão. O fato era não só complicado como também triste; não era só meu irmão, era meu irmão perdido. Eu precisaria... salvar meu irmão?! É isso? Engoli a seco e demorei dizer as próximas palavras; não queria deixar a má impressão para a Circulus então decidi tomar para mim a responsabilidade. Não iria me anunciar como membro da sociedade e sim como familiar que quer muito ver seu irmão bem. O que não era mentira; talvez distorção dos fatos ou omissão, mas mentira definitivamente não era.

- Eu sou Winnie Freda - Anunciei, já imaginando que o sobrenome parecido causasse algum impacto - E estou procurando meu irmão.

Fora com essa fala que decidi agir: peguei da bolsa minha PokeDex e revelei a guarda meu trainer card. Ali tinha minha identificação e documentação necessária para ela saber que eu não estava mentindo. Estremeci de leve e pedi que me desse o máximo de informações possíveis:
- Eu vim ajudá-lo. Você pode me dizer, ao menos, para onde ele foi? O que puder me dizer já ajuda.

É, eu teria que me explicar. O que eu imaginava aconteceu; aquela menina não pararia por ali. Queria muito que ela ignorasse as incoerências e mantivesse alheia ao processo. Não foi assim; uma pena.

- Acho que você não está me entendendo... Netero me fez ir atrás de um "Vincent". Acredito que não seja o Vicent. Netero não é um velho que costuma errar nomes. Minha missão é da sociedade sim mas... entenda, eu não vejo meu irmão à dois anos. Eu estou procurando ele a dois anos. Eu nem sequer sabia que ele era um Ranger e... agora que sei, vim ajudá-lo - Vomitei explicações - Veja bem. Não tem ninguém aqui que queira encontrá-lo tanto quanto eu - Eu não tinha certeza se essa parte era verdade, mas provavelmente era.

Era complicado; não há como negar que eu sinto sua falta. Sinto tanta que nem quero sentir. É mais fácil esquecer algumas coisas, ainda assim, eu era sem dúvidas a pessoa que mais ama e quer Vicent bem. Ao menos naquele continente todo. Eu não ligava para os dramas familiares. Não ligava parra a opinião da menina a frente; na verdade, nem sequer sei seu nome, de tanto que não me importo.
- Se não for me ajudar, bem. Eu já to aqui, posso procurar sozinha. Não é como se eu precisasse de vocês para algo.

Eu fui grossa. Sim, eu fui grossa. Mas agora eu estava tremendo de medo e, uma coisa que poucas pessoas sabem sobre a Winnie, é que ela fica terrivelmente áspera quando está com medo. Eu tinha medo de Vicent não estar bem. Tinha medo daquela montanha, daquele cemitério e de tudo. Eu não estou acostumada com isso; não há como esse lugar ser mais medonho para mim.
Fui grossa e não liguei tanto para isso. Se ela não me desse informação pertinente, daria de ombros e seguiria monte à dentro.

Assim como Kara, a menina danou à falar. Há aqui uma estranheza; relutara tanto e agora abria a boca?! Encarei aquilo com certo repúdio; não gostei muito da forma como fui bombardeada com informação, ainda assim, aceitei que era uma forma menos dolorosa de entender o caso. Ao menos eu não estaria metendo a cara no nada! Continuei olhando-a meio cabisbaixa, como quem não gostava de ouvir uma palavra sequer e, ao fim, dei de ombros. Eu tinha sim uma pergunta. Provável que a mais importante:

- Ta mas... Norte, sul, leste ou oeste? Faltou o mais importante - Continuei a grosseria; simplesmente ela era mais forte que eu.
Assim que ela me respondesse eu marcharia sem mais questão alguma. Agora não era resolver os problemas da sociedade e sim salvar Vicent. Seja lá do que.

Aqui minha boca já estava completamente seca. Não tinha um esboço de saliva para engolir. Meu estômago doía e, próximo do meu peito, uma pontada gelada ia e vinha. O tempo todo! Eu simplesmente queria ir logo. Queria descobrir o mais rápido o possível. Queria desvendar o problema. Queria (estranhamente) achar Vicent. Queria sair daquilo logo.
Eu acho que vou surtar. Eu juro que vou surtar. Virei e olhei à Tyr, bastante chorosa e desesperada; ele entendera o fato. Tentou aliviar meu penar com um sorriso bem sincera, daqueles que diz "calma, eu to aqui" mas... bem, Meganium não é minha solução. Pode ser um bom caminho (ou ferramenta) para tal mas ela não era minha solução.