II. Caminhos

Caminhos

Logo à oeste da cidade de Verdanturf, uma tímida passagem numa montanha verde revelava uma caverna. - Rusturf Tunnel. - Li, em voz alta, o conteúdo daquela placa e deduzi que me levaria até a cidade de Rustboro, onde a maioria dos treinadores conseguia a sua primeira insígnia.

Faziam alguns dias que eu havia voltado de Tohjo e mesmo assim, o meu corpo ainda se adaptava a uma vida que voltava ao seu normal. O esforço feito naquele lugar ainda me rendia algum cansaço, mas aos poucos eu melhorava e me sentia mais preparado para seguir em frente naquela jornada.

Entrei na enorme gruta e me deparei com algumas galerias e uma calmaria que parecia até um crime ser interrompida. O túnel era segurado por algumas vigas de sustentação do que já tinha sido uma via de acesso por trens, no passado, que hoje não era nada mais que uma travessia quase sempre feita a pé por treinadores e também por moradores de ambas as cidades que não tinham o mínimo interesse em um transporte lento. Era até possível o uso de bicicletas, mas era igualmente perigoso.

No meu caso, eu estava muito mais preocupado com a aventura de passar num lugar como aquele que com uma alternativa rápida. O ginásio de Rustboro era conhecido por ter uma mestra em Pokémon rochosos, o que se tornava um enorme de um clichê, já que em praticamente toda a esquina havia alguma pessoa falando sobre os feitos da tal líder. Aparentemente, treinadores de toda a Hoenn se transportavam para a urbana Rustboro com o objetivo de derrotá-la e, com isso, conquistar a tal insígnia. Naquele momento, eu também me juntava à eles.

- Resta-me explorar. - Suspirei naquele hall de entrada. - Não devo me apressar, afinal não tenho nem horário para chegar, porém espero não estar dentro dessa caverna esquisita quando a noite cair.

ii. Caminhos

Rusturf Tunnel.

A conhecidíssima caverna que liga Verdanturf Town à Rota 116 não estava muito diferente do que os aventureiros dizem por aí: seu interior era úmido, com trilhos desnivelados espalhados por seu solo terroso, mas não o suficiente para impedir sua travessia. Quer dizer, se viajantes desatentos não prestassem bastante atenção onde pisam, poderiam machucar os pés, mas há muito tempo não há relatos de pessoas machucadas por ali. O teto da extensa gruta era relativamente alto, mas nada muito assustador ou que impedisse sua devida visualização. Iluminado no limítrofe entre suas estalactites e suas paredes, lamparinas manuais de ambos lados clareavam toda a passagem, deixando somente alguns pontos escuros no chão, mas tão pequenos que não faziam lá muita diferença. As luminárias estavam ligadas umas as outras por alguns cipós, possivelmente trabalho de alguém do governo responsável pela "manutenção" do túnel. Um trabalho manual muito bem feito, diga-se de passagem. As vigas que sustentavam as paredes laterais alternavam com a iluminação, deixando a passagem até que confortável para uma caverna, tranquila, sem muitas surpresas. Se comparada a outras como Victory Road ou Dragon's Den, Rusturf Tunnel era coisa de criança.

Uma queda de temperatura era esperada, já que túneis tendem a ter um clima próprio, ainda mais essa, que não parecia ter qualquer abertura para o exterior se não sua entrada e saída. À frente de Aiden, somente o que parecia ser um infinito rochoso, tão extenso que, à princípio, não era possível ver seu final, mesmo com toda iluminação presente. Uma placa à sua direita, grafitada ao redor dos dizeres por alguns artistas urbanos, indicava o início da travessia com uma seta apontada para a frente.

Não havia nada e nem ninguém, pelo menos não pelos primeiros cinco minutos de travessia. O silêncio ensurdecedor que se mantinha por tanto tempo era inquietante: onde diabos estavam os monstrinhos que dizem ter aos montes por aqui? Não havia sinal de nada, nem mesmo dentre algumas reentrâncias que haviam nas rochas das paredes, as quais provavelmente eram tocas de Pokémon. Estranho.

De repente o solo começou a mudar: apesar de terroso, algumas pequenas poças d'água começavam a surgir conforme nosso herói ia caminhando. Ao longe era possível ver uma placa, claramente improvisada, feita de cartolina, presa no chão com um graveto e com uma caligrafia, no mínimo, infantil: "Atalho", com uma seta torta indicando à direita, para dentro de uma das estreitas reentrâncias antes mencionadas.

E aí, a curiosidade de Aiden falaria mais alto? Ou o treinador continuaria seguindo adiante?

Caminhos

Conforme caminhava no túnel desativado, sentia o ar tornando-se mais úmido e algumas poças no chão. Dando um pouco de cuidado à elas, conseguia não machucar meus pés ao pisar nos buracos, mas mesmo assim molhava os sapatos ao pisar em algumas inevitáveis que se formavam em meu caminho. A minha visão só via enormes paredões a perder de vista, típico de grandes formações rochosas, que nem possibilitava avistar as suas vias de saída e entrada.

Algo diferente pairava no ar e eu sentia isso ao perceber que absolutamente nenhuma presença de Pokémon se manifestava por aquele lugar. Algumas formações espalhadas pela gruta que com certeza eram tocas de Pokémon estavam vazias. O silêncio, que ao mesmo tempo gritava em meus ouvidos, me fazia tomar atenção nos meus arredores para algum ataque ou assalto desavisado. Andei com certo zelo, girando meu corpo para poder cobrir a minha visão traseira.

Tempo depois, consegui avistar um papel com uma caligrafia um tanto esquisita, a qual indicava um portal à minha direita. Me sugerindo um atalho, eu decidi entrar por ali e provar por mim mesmo que aquela poderia ser uma boa escolha - ou uma terrível decisão. Na atual conjuntura, eu não tinha muita escolha a não ser acreditar na boa vontade dos outros de ajudar um desconhecido a passar por aquela caverna.

ii. Caminhos

E não é que a curiosidade tomou conta do treinador?

Deixando-se levar pela claramente improvisada placa que descansava fincada sobre o solo terroso de Rusturf, Aiden seguia para a reentrância das rochas, espremendo seu corpo esguio contra o sedimento, mas sem muitos problemas para atravessá-la. Eram poucos os segundos que o treinador teria que ficar passando por aquele pífio caminho, saindo logo em seguida em outro túnel. Diferente do anterior, que se tratava da passagem principal, esse era muito porcamente iluminado, com somente alguns lampiões acesos, o que dava a ideia de que alguém havia passado por ali recentemente.

Seguindo um pouco mais para a frente, algo começava a se espreitar pelas partes escuras das paredes, bem como por trás das vigas, já que agora a iluminação não estava do lado do nosso herói. Não demorou muito e algo era arremessado na direção de Aiden, parecendo bexigas cheias d'água, vindo de todas as direções que possuíam tal sombra para seus autores se ocultarem.

Diversas risadas, claramente infantis, ressoavam por toda gruta, interrompidas bruscamente pelo que parecia ser um "shhh!" vindo do local mais distante.

— Eu disse que nossa armadilha daria certo.... — uma voz masculina bem fina ecoava do lado direito do nosso herói — Que legal!

— Ei, para de falar! Ele vai descobrir onde estamos! — uma segunda voz infantil e masculina repreendia a primeira, parecia ser a mesma que disse shhh! anterior — Poxa!

— E-eu vou pedir desculpas, ele pode se aborrecer e contar onde estamos. — a fala agora vinha de uma voz ainda mais aguda, provavelmente feminina, que logo se revelara saindo das sombras do lado esquerdo de Aiden — T-tio, desculpa. A gente só tava entediado.

A garota, provavelmente entre seus 6-7 anos, era morena, com cabelos cacheados longos, porém mal cuidados. Suas roupas eram maltrapilhas, bem como rasgadas, com sua pele suja em diversos pontos do corpo. Vestia meias coloridas, extremamente encardidas, mas o sorriso que despontava de seu rosto era extremamente sincero. Seus olhos amarronzados piscavam em curiosidade, observando Aiden de cima a baixo, mas sem julgamentos, provavelmente entusiasmada em ver o treinador ali. Entrelaçou suas mãos em frente ao corpo e abaixou a cabeça uma única vez, como um pedido de desculpas.

O que o rapaz faria?

Caminhos

Caminhando pelas vias internas da gruta, notava a sua iluminação precária e que provavelmente não se tratava de um atalho pelo jeito que as coisas se desenrolavam. A luz ficava ainda pior conforme eu continuava indo mais fundo no tal "atalho" e foi aí que pude sentir algo me molhando, assim como sonoras risadas infantis. Minhas roupas, agora encharcadas, me faziam sentir a queda na temperatura que a atmosfera da caverna trazia com ainda mais força.

Uma das crianças sentia-se culpada e então decidia sair das sombras para se desculpar. Ela não era uma menina bem apessoada, pois suas roupas eram rasgadas e a sua aparência bem mais próxima de uma criança de rua. - Tudo bem! - Surpreendi. Repreender meninos entediados não me faria ganhar nada, a não ser me aborrecer por um motivo pífio. Estendi a mão direita na direção da menina de cabelos cacheados e, com um sorriso no rosto, agachava e disse amistosamente. - Boa armadilha! Meu nome é Aiden e o seu?

ii. Caminhos

A reação de Aiden era... inesperada.

Em um mundo onde a maioria dos treinadores vivem à flor da pele, até mesmo uma brincadeira de criança pode ser o suficiente para muitos perderem completamente a paciência. Por sorte o rapaz levava a travessura na esportiva, até mesmo depois de se assustar um pouco com a baixa iluminação se comparada ao túnel anterior. A garota, ao ver a gentileza do nosso herói, sorriu e estendeu seus dígitos em encontro aos pálidos do rapaz. Ao encostar as mãos, rapidamente a pequena retirava os próprios, uma reação semelhante a de quando se toma um choque; pelo olhar que despontou de suas janelas acastanhadas a clara diferença entre Aiden e si mesma estava clara: por mais que tivesse uma pele mais escura, sua mão era suja de poeira se comparada à de Aiden, o que causava a expressão da garota murchar em vergonha. Provavelmente trauma de alguma experiência anterior. Pobrezinha.

— E-eu me chamo Rebeca. — tornou a sorrir, um pouco menos entusiasmada, abaixando o queixo e balançando seu pé direito de um lado para o outro — Esses são Timmy e Roger. — quando disse seus nomes, ambos saíam das sombras também; o primeiro, caucasiano e de lisos cabelos longos vestia um macacão ainda mais sujo que as roupas da garota, enquanto o segundo, o mesmo que repreendera o primeiro alguns segundos atrás, vestia um conjunto listrado bem maltratado, com poeira cobrindo até mesmo sua pálida pele, evidenciando um pouco seu cabelo ruivo espetado e seus olhos esverdeados — A-A gente te ajuda se secar! Quer conhecer nossa casinha?

Antes mesmo que pudesse dizer sim ou não, a garotinha perdia toda timidez e pegava na mão de Aiden, puxando-o vagarosamente para frente. Ambos garotos andavam atrás dos dois, talvez um pouco desconfiados, mas conversando felizes entre si como a tática da armadilha tinha dado certo. Não demorou muito e, após alguns minutos de caminhada, chegaram em uma outra reentrância, essa não muito estreita, mas levemente "escondida".

A situação era complicada. Alguns colchonetes extremamente sujos estavam rente à parede lateral, com bastante pacotes de doces espalhados pelo chão e uma fogueira formada dentro de uma lata de tinta iluminava bastante o úmido local junto com uma ou duas velas quase sem cera. Alguns desenhos estavam pregados na parede com o que parecia ser chiclete, com um cobertor leve de linho também pregado da mesma maneira, provavelmente ali para secar. Timmy e Roger disparavam na frente de Aiden e Rebeca, sentando no colchão mais próximo ao fogo, pegando alguns brinquedos feitos de papel, começando a brincar com os personagens de lutinha. Por outro lado, Rebeca abaixava a cabeça, soltando a mão do treinador, envergonhada. A garota parecia mais madura que os demais e, sem sombra de dúvidas, sabia que ninguém deveria viver desse jeito. Sim, viver. Era ali que os três moravam, algo perceptível se nosso heróis prestasse atenção em cada detalhe do local.

— N-não temos muito, mas essa é a nossa casa. — apontou sem se esforçar muito, entristecida e envergonhada, para a lata que iluminava o local — Você pode se secar ali... — respirou fundo — P- — interrompeu a si mesma, colocando a mão na boca, mas logo desistindo de não falar o que precisava ser dito — Por favor, não diz pra ninguém que estamos aqui... Não temos pra onde ir.

Caminhos

A vida daquelas crianças era no mínimo de dar pena. Eu tive uma infância privilegiada, então eu ainda não tinha me deparado com uma situação dessas. - Oi Timmy, Roger! Vocês... não tem pais?! - Indaguei, desconfiado. Que tipo de responsáveis deixaria um trio de crianças vivendo numa realidade precária daquelas dentro de uma caverna?

Fui guiado até aquela parte da caverna que era a casa deles. Eu estava um tanto em choque pela cena que eu via naquela reentrância e pensava que aquilo não era vida para garotos como eles. Rebeca era a mais madura do trio, maturidade essa que parecia ter sido forçada visto que ela tinha que tomar conta daqueles meninos, mesmo que regulassem a sua idade. Ela não queria que soubessem que eles estavam ali, mas era preocupante que eles não tivessem ninguém por ali. - Eu sei que vocês precisam ficar por aqui, mas essa caverna não parece ser muito segura. Pokémon vivem aqui... Vocês já tentaram conseguir um Pokémon para vocês?

Eu preferia não me secar naqueles panos, afinal poderia atrapalhá-los no futuro. Fora que eu já tinha começado a me acostumar ao frio que sentia e minhas roupas já começavam a ficarem úmidas.

ii. Caminhos

Aiden simpatizava com a situação das crianças. Por mais que a pergunta do treinador fosse abrangente para todos infantos, Timmy e Roger continuavam brincando, com somente Rebeca prestando atenção no rapaz. A garota de cabelos cacheados consentia com a cabeça, respondendo à sua última pergunta, ignorando um pouco à primeira, se sentindo um pouco desconfortável ao ouvir a palavra "pais". Rapidamente, olhava para um lado e para o outro, procurando alguma coisa. Um singelo "ué?" escapou de sua boca, com sua expressão mudando um pouco, se tornando preocupava, apreensiva.

— T-tem a Ava, mas ela não está por aqui. — posicionou sua mão direita esticada ao lado de sua cintura — É pequena, bate aqui em mim. Mas não gosta de ser baixinha, não. — deu uma leve gargalhada, demonstrando uma afeição grande à Pokémon de quem falava — A cor dela é rosa com amarelo... Você deve saber qual tipo, é? — confundia espécie com tipo, mas não é como se a pobre garota tivesse qualquer educação para discernir uma coisa da outra — E-eu queria procurar ela. Ela não costuma sair sozinha por aí. Você quer vir comigo?

Rebeca mal esperava o rapaz decidir se iria acompanhá-la ou não, já passando por Aiden e caminhando para uma outra reentrância rochosa, diferente das que anteriormente passaram. Preocupada, a garota sequer olhava para trás, apertando o passo para atravessar:

— Tem alguns Pokémon aqui sim, t-tio. — ainda ficava um pouco receosa de chamar nosso herói assim, mas ao menos parecia mais confortável que antes — Avaaaaa! — gritava para ver se a Pokémon respondia, sua voz ecoava bastante pelos túneis — Mas eles não gostam muito da gente. — levou a mão direita ao rosto, arrastando-a rapidamente até o pescoço com uma expressão irritadiça — Timmy e Roger ficam jogando essas bolas de água neles, são uns bobos! Eu falei já que parece que machuca a maioria dos bichinhos quando estoura... — bufou — Você sabe porquê? Eu não sei, eles parecem ser bem duros, que nem essas pedras, sabe? — perguntou, batendo com a palma da mão na parede — Avaaaa!

Não demorou muito e era possível escutar um grunhido vindo mais à diante. O chão tremia mais forte a cada passo que davam naquela direção...

O que poderia ser?

Caminhos

- Certo! Vamos procurar pela Ava! - Disse eu, mesmo que não soubesse o que se tratava. Depois das descrições que Rebeca dava, ela estava mais para um Pokémon. Rebeca andava para um outro setor da caverna e eu a seguia. Dizia sobre alguns Pokémon durões que viviam ali e que eles não gostavam que Timmy e Roger atirassem balões d'água neles. Comparando-os a pedras, provavelmente faziam parte do tipo Rocha.

- Timmy, Roger, será que vocês não poderiam preparar alguns desses balões caso a Ava esteja em perigo?! - Sugeri à dupla no caminho. Era perfeitamente possível que encontrássemos criaturas dessas por ali. Distrai-los com os balões de água era algo que poderia ser de bom uso no horário certo.

Após algum tempo andando pelas vias esculpidas na gruta, ouvimos um grunhido quando Rebeca chamava pelo Pokémon. Seguindo a voz dela, chegávamos mais perto enquanto sentíamos tremores bem fortes vindo daquela direção. - Andem perto da parede que assim vocês poderão se apoiar nela e não cair. Andem juntos e tomem cuidado com as pedras pontudas presas no teto. Taillow! - Clamei, enviando minha voadora, que pousava em meu braço estendido. Tornei minha atenção a ela e a ordenei. - Siga o grunhido da Ava e nos guie até ela, por favor!

ii. Caminhos

Ouvindo a dica de Aiden, Roger e Timmy ficavam um pouco para trás enquanto preparavam seus balões d'água: por incrível que pareça, havia um pequenino reservatório dentro das rochas, que funcionava mais ou menos como um escoamento da chuva que caía do lado de fora da caverna. Difícil de visualizar, mas eficaz para as peripécias da dupla.

Caminhando à frente com Rebeca, nosso herói prontamente liberava sua voadora, que de início estranhava o ambiente escuro, mas logo seguia as ordens do moreno, planando na frente e seguindo os estranhos grunhidos. Não demorou muito e a regional de Hoenn começava a falar em seu idioma ininteligível, chamando Aiden enquanto voava, mostrando que havia encontrado do que se tratava: uma Whismur, muito possivelmente Ava, estava completamente amedrontada contra a parede, com dois Geodude intimidando-a. Ao perceberem a presença de Aiden, Rebeca e Taillow, voltavam sua atenção para os mesmos, irritados.

— M-meu deus Tio, o que vamos fazer? — o olhos da garota enchiam d'água e segurou na barra da blusa úmida de nosso herói — Eles parecem bem bravos!