Malfeito feito

– Que-sus-to! – exclamei quando a ave passou de raspão perto de mim, vindo por trás.  

Eu realmente me assustei, porque não percebi a aproximação. Na surpresa, me encolhi um pouco e automaticamente apertei o braço de Ayzen que eu já estava segurando. Se no processo cravei as unhas nele ou apertei demais, não sei dizer, só espero que não tenha machucado. Desculpa gatinho. "Machuquei não, né?", nota mental.

Depois disso, não reprimi o riso com a brincadeira que o loiro fez e, claro, pela bobagem de ter me assustado com tão pouco. Imagina só que conveniente cruzarmos com o tal do Carnivine logo agora que boa parte dos problemas giram em torno da existência dele?! Enfim, não era um. Bem na nossa frente, na verdade, um voador se exibia com sua frutinha e fazendo gracinhas pra gente, me arrancando um duplo suspiro e olhar de mãe boba.

– Uhm... – resmunguei, refletindo, quando Ayzen me repassou a curiosidade – Ainda não conheço muito de Berry, mas vermelha e azul desse jeito só tem uma que eu lembre: Roseli Berry. E elas são bem raras... – deixei escapar as últimas palavras, intrigada com o novo evento à nossa frente.

Não hesitei em desenlaçar nossos braços e me agachar devagar, dando alguns passos curtos na direção do Pokémon. Não tinha pretensão nenhuma de assustá-lo, nem de roubar a fruta dele, afinal não era nem um pouco agressivo, então só queria mesmo tentar fazer um primeiro contato amigável.

– Oi coisinha fofa! O que você tem aí, uhm? Foi longe com essa fome, hein? – tentei manter uma distância minimamente segura, tanto pra não entrar no alcance da areia que ele jogava, quanto pra evitar novos sustos, afinal eu estava de cócoras apoiada em saltos, as chances de terminar num desastre, se eu me desequilibrar, não são poucas.

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Me distraí bastante com o Pokémon que se divertia assim que insinuei brincar com ele. O vi dançar de um lado a outro com sua Berry peculiar, até largá-la aos pés de Ayzen que a pegou para si. Daí tudo aconteceu um pouco depressa.

Quando o pássaro saiu da minha vista para pousar na cabeça, o loiro se inclinava, pegando na minha cintura num gesto que me surpreendeu um pouco - e me agradou muito. Na outra fração de segundos eu finalmente percebi as coisas ao nosso redor: o prédio com pessoas conversando e montando cartazes, mas principalmente o engravatado que falou ao telefone, capturando totalmente minha atenção assim que a nome "Carnivine" foi mencionado.

– Ouvi... – sussurrei em resposta à Ayzen, agora que nos erguíamos em sincronia.

Eu me dividia entre levar a mão até o Pokémon na minha cabeça, para assegurar que ele estivesse seguro e continuasse ali, acomodado; deixar os ouvidos atentos às conversas ao redor; e controlar um pouco dos impulsos que poderiam me levar a beijar o homem na minha frente, imediatamente e sem pudor.

– É aquele tipo de situação, sabe?! De estar no lugar certo, na hora certa? – meus olhos viajavam entre a íris esverdeada, os lábios rosados e, de esguelha, a cena do prédio que tínhamos alcançado – Estão tramando alguma coisa... Que pode dar muito certo, ou muito errado. – suspirei por N motivos, mantendo aquele tom baixo de voz.

Se me perguntar se eu embarquei nessa de forjar afeto para constranger alguém, vou negar. Eu nem sabia que isso existia, e basicamente não tem nada pra fingir da minha parte. Qualquer fagulha é o suficiente pra muitas coisas reais. Ainda assim, ali eu fiquei, abraçada pela cintura e aos sussurros cúmplices de quem precisa traçar uma abordagem ligeira. Ah, e com um pássaro aninhado na cabeça! Que pode ficar o tempo que quiser. Eu amo.

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Novamente, as coisas aconteceram mais depressa do que consegui processar. Uma hora Pidgey estava ali na minha cabeça, e no instante seguinte minha mão já não o alcançava mais, porque ele voava para longe. Meu instinto agiu depressa, me fazendo girar para contemplá-lo se afastar, me deixando numa dolorosa expressão de sofrimento [tipo essa aqui].

Cocei os olhos como uma criança que segura o choro, me virando para lamentar o fato com Ayzen, mas fui surpreendida pelo que vinha a seguir [tipo assim, desse jeitinho]. Uma mulher se aproximava com bolinhos, claramente nos confundindo com manifestantes. Mas até aí tudo bem, minha surpresa mesmo foi a resposta do loiro.

"Invasão? Ajuda? Serviços? QUE???". Fiquei subitamente perdida, com a boca abrindo e fechando num ensaio falho de falar alguma coisa, mas nada saiu. Ele tá dissimulando ou o quê? Achei que tivéssemos vindo com imparcialidade para investigar um problema. Enganar senhorinhas fofas, generosas e desinformadas tava no script?! Okay, agora eu tô cheia de dúvidas [bem assim].

Até entender o que acontecia e saber se eu precisaria seguir a linhagem da falsiane, preferi morder o lábio inferior e desviar os olhos para os bolinhos - será que estavam bons? Não me entenda mal, mas eu não sou muito boa em dissimular. Ignorar ou fingir demência, talvez... Consigo atuar, o que é deveras diferente. Mas, se  for o caso, posso improvisar alguma coisa aqui. Por enquanto, silêncio. Vou assistir o que o loiro está fazendo, talvez aprenda alguma coisa com ele. Não seria a primeira afinal de contas... E ele tinha mais do que minha confiança para deixá-lo agir livremente.

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Segui Ayzen e a tia dos bolinhos quando ela foi fisgada pela encenação. Animada, nos introduziu para os outros membros que estavam por ali trabalhando, me deixando meio nervosa com a possibilidade de ter que convencer um público ainda maior. Porém, tudo não passou de uma apresentação ligeira.

– Bom dia, eu sou Nakeisha. – me apresentei e encerrei aí, sem dar espaço para mais nada, e  também nem precisei.

Sem cerimônia, a mulher nos arrastou mais para dentro da associação. Aquilo me deixou apreensiva no início, mas logo relaxei quando vi que ela não tinha maldade alguma, que desatou a falar das coisas que nos interessavam sem perceber, e também sem nos dar abertura para desfazer qualquer mal entendido.

A primeira parte da história que ela contava não me surpreendia tanto, sendo nada mais que um complemento do que já sabíamos ou suspeitávamos, com algumas ênfases particulares para o que eu entendia como a perspectiva dela da situação. Já a outra parte era muito mais impactante. Tanto que eu não consegui esconder a surpresa, e minha boca paralisou aberta, com o cafézinho a meio caminho.

– Como assim acabar com a Sprout Tower pra construir um prédio? Isso é... – as palavras simplesmente saíram antes que eu percebesse, num impulso; por sorte minha indignação não saiu por completo, senão certamente teria cagado a situação – In... In-interessante... ?! Digo, uau! Dinheiro e empregos! E... Quando que ele vai capturar o bicho? – fiz um esforço colossal para tentar disfarçar o mínimo.

Me permiti desviar os olhos para Ayzen por alguns segundos. Não esperando que ele lesse o desconforto estampado nos meus... Talvez ele até estivesse olhando para a mulher, na verdade. Não importa, eu só precisava pensar em algo que me trouxesse segurança e me deixasse conter impulsos. O café foi minha válvula de escape para ficar calada, e eu certamente queimei a língua no processo, mas isso ajudou bastante.

É agora que eu entro em conflito entre o pessoal e o profissional. Não é só a ideia de destruir algo que eu aprendi a ter como referência, tradição e admiração - apesar de atualmente estar um pouco deturpado. Mas também a forma como isso estava sendo planejado... Arruinando a imagem dos monges. "Qual a necessidade disso, gente?" Tá, calma. Eu vou ficar bem e ser imparcial, só preciso de uns segundos...

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