02 - A História Sem Fim

A História Sem Fim

Me emocionei com o pedido do menino. Alguém tão pequeno, porém tão corajoso. Fazer um pedido com tamanha emoção e garra, era muito bonito.
Levei as mãos ao olhos, o brilho do desejo de Jirachi estava quase me cegando, a paz que o pokémon trazia era surpreendente. Quando abri os olhos, parecia que não estava no mesmo local.

Houi tinha se tornado um pokémon? Como aquilo seria possível? Olhei assustada, e tentei procurar o menino, sem acreditar que ele tinha se tornado um pokémon.

— Jirachi, o que você fez com Houi? — perguntei para o pokémon estrela, incrivelmente assustada — Você está pregando alguma peça? Preciso saber!

Eu suplicava ao pokémon, sem entender o que estava acontecendo, tudo me parecia muito confuso.

Não entender muito bem o que acontecia era normal, afinal ninguém esperaria que uma criança tímida e sonhadora poderia se transformar em um Pokémon. Mas será que foi isso mesmo? Enfim, a realidade é que Jirachi e Houi agora voavam por aí, como duas entidades mágicas etéreas. O Phantump ainda estava desconfiado de tudo que ocorria, mas aos poucos parecia entender o que era e assumir maior controle da sua forma: seria uma forma nova ou apenas a real? Enquanto isso, Felicity encarava a cena atônita! Os únicos que não pareciam surpresos eram os Pokémon da garota, como se a coisa mais normal do mundo estivesse ocorrendo.

— Phan? Phan-tchu! — Dizia o fantasminha em sua própria "língua", puxando um dos papelotes de Jirachi. O Mítico se surpreendeu no início, mas depois começou a dar mais atenção ao que a criaturinha dizia, fechando os olhos e suspirando antes de se aproximar da cabeça da treinadora. Em poucos segundos, o Pokémon tocou a cabeça da menina e teve o olho em seu corpo se abrindo, revelando uma mensagem. Jirachi era conhecido por pregar peças e interpretar desejos do seu próprio jeito, realizando-os de uma forma lógica, sem se preocupar com as consequências. Então, era natural que Felicity estivesse preocupada.

Contudo, o toque do Pokémon não causou qualquer mal. Na verdade ele trouxe uma revelação para a jovem. Numa pequena "história mental", Felicity viu o passado de Houi, quando ainda morava em Cerulean. Seus pais eram felizes juntos e o amavam incondicionalmente. Porém, uma doença levou o pequeno menino a um estado de profunda doença. A situação catastrófica em sua casa gerou uma rixa entre os pais que não eram mais felizes como casal. A situação se prolongou e, enfim, o menino faleceu... Seus pais se tornaram ainda mais distante e sua mãe adoeceu, mais de desgosto do que por problemas físicos. Seu pai queria seguir adiante, mas a mãe o fez se mudar para Lavender, para ficar bem próximo da Torre Pokémon e visitar o seu túmulo todos os dias, por longas horas.

Talvez seja por essa dificuldade em seguir a vida que a alma do menino não pôde se desligar da terra. Caminha pelos arredores da Cidade Luto em busca de salvação para sua amada mãezinha. O que ela precisava? Um Pokémon para substituir o filho perdido? A ressurreição da criança falecida ou simplesmente... Paz? Pelo visto, do seu jeito inexplicável, o Jirachi tinha a resposta e resolveu. Agora, a criança, com uma alma limpa e que não macula mais a grama e os arredores, poderia seguir o seu caminho e se tornar algo novo nesse novo ciclo da vida. Um Phantump, pelo visto...

A História Sem Fim

Enquanto eu via toda a vida de Houi pelos "olhos" de Jirachi, eu sentia uma imensa tristeza e angústia. Ver a família que um dia era unida e amorosa se desfazer por uma tragédia, o fim tão cedo de uma criança era de partir o coração.
Todos deveriam ter o direito de viver sua vida ao máximo. Sentia que meu coração pesava cada vez mais, até que lágrimas quentes e salgadas começavam a rolar pelo meu rosto, ardendo os olhos e secando em meio as minhas bochechas coradas.
O nariz já não conseguia segurar as lágrimas que invadiam todos os dutos do meu rosto, iam para os olhos e desciam pelo nariz, limpei desajeitada, não queria estar com ranho na frente daquela cena tão bonita.
Sim, Phantump/Houi estava iniciando uma nova jornada, sua mãe finalmente poderia encontrar a paz, agora que o espírito do seu filho estava livre do rancor de ter morrido cedo, das correntes do luto profundo de uma mãe devastada.

— Oh, Phantump, finalmente você terá paz! — eu dizia em meio a voz trêmula e falhada do choro que invadia meus pulmões — O que você quer fazer agora? Encontrar sua mãe ou seguir sua nova vida pokémon?

Eu dizia enquanto estendia os braços para o fantasminha, eu queria um último abraço, sentir que meu dever tinha sido cumprido, encontrei um menino perdido, tive uma aventura e tanto e agora estava dando adeus a ele, depois de libertar a alma dele.
Claro, com a ajuda de Jirachi, o pokémon lendário que de alguma forma aparecera para mim, e ao realizar o desejo de Houi, estava realizando o meu próprio desejo, libertar a alma do menino era o mesmo que ajudá-lo a encontrar sua mãe, a paz que percorria pelo campo era extremamente calmante.

Compreender a triste história de Houi era realmente emocionante e Felicity não conseguia conter as inúmeras sensações distintas de um momento tão ímpar. No mínimo, era de se arrepiar cada pelinho do corpo. Apesar de não ter visto o presente da mãe e do pai da criança, era de se esperar que o desejo feito à Jirachi era a de superação do luto e salvação da alma do menino. Ao invés de caminhar como uma alma penada, presa às raízes humanas, faria suas próprias fantasmagóricas raízes como um Phantump. O mistério da natureza Pokémon era difícil de compreender, mas certamente tinha a sua beleza no desconhecido.

— Phan? Phan!! — Notando o coração "rasgado" de Felicity, o garoto-Pokémon correu para retribuir o abraço da jovem. Ele era gelado, o que era esperado, mas ainda assim surpreendia. Entretanto, sua emoção era real e quentinha e uma lágrima solitária, típica de uma despedida, surgiu em seus olhos arregalados. Talvez um dia o garoto-Pokémon pudesse até andar ao lado de Felicity para novas aventuras, mas no momento o destino tinha outros planos para ele. Com esta despedida apressada, a luz de Jirachi o envolveu, fazendo-o levitar mais e mais alto. Juntamente do Pokémon dos Desejos, o Phantump voou pelos céus em direção à novas emoções. Ele ia acenando para Felicity, deixando lágrimas que se transformavam em algo tão fino quanto "pó de diamante" e preenchiam o céu da Rota 10.

Jirachi também acenava, mas estava focado em voar para o local que precisava ir, na direção noroeste. Entretanto, ele não iria embora sem deixar algo. Aos pés de Felicity estavam dois singelos presentes: duas Love Balls que seriam uma forma de resumir o amor retratado nestes últimos eventos. De mãe para filho e vice-versa, bem como o de amigo, mesmo que tenham brevemente se conhecidos. Sentimentos podem viver muito mais do que pessoas e as lembranças de Houi tinham muito o que durar. Até o fim, os Pokémon de Felicity acompanharam os dois viajantes se despedirem e pareciam abalados emocionalmente, mas ao mesmo tempo gratos de presenciar algo tão belo e incomum.

Diante disto, parecia ser o momento de seguir adiante. Quais seriam os planos da treinadora daqui em diante?

A História Sem Fim

O ex-menino, agora um pokémon, caminhava com Jirachi para o outro plano, aquilo me enchia de tristeza e de alegria, um misto amargo e doce? As sensações se contrapondo eram fortes, balançavam até mesmo os meus pokémon.

Peguei as duas Love Balls e guardei no bolso, sentindo realmente uma paz ao ver as duas pokébolas.

— Nunca esquecerei você, Houi! — gritei para a direção que o Phantump tinha levitado. — Vamos, galera, temos que nos recuperar, tanto fisica quanto emocionalmente...

Eu ri meio desajeitada enquanto reunia minhas forças para seguir viagem, sem muito saber se estava ou não próxima da seguinte cidade.

Então, era isso... O fim do encontro sobrenatural ocorria e Felicity retornava para a realidade, porém certamente se encontrava transformada pelo fenômeno presenciado. Além da experiência, também saiu com duas novas e belas Poké Balls que lhes serviriam num futuro próximo, ou não tão próximo. Seus Pokémon, por sua vez, enxugavam as lágrimas e entendiam que precisavam seguir em frente, mas ainda haviam coisas a se resolver por ali. Uma delas tinha forma e vida, era o pequeno Cutiefly que ainda não havia sido nem capturado e nem dispensado. O Pokémon parecia ainda digerir tudo que havia ocorrido, mas não seria muito complicado convencê-lo a seguir viagem, mesmo assim. O que Felicity faria?