09 - Arrumando a casa!

- E ai, de repente, as duas menininhas tiram o véu e na verdade eram dois anões! - uma cacofonia de risadas explode na sede do Corpo de Resgate de Lavaridge, acompanhada de reações particulares de cada presente. O gigante Billy dava tapas explosivos na mesa. O especialista em logística Edgar até engasgou com o café que estava bebendo. Michelle, a durona responsável pelos equipamentos, teve de se afastar para controlar as risadas. Até o comandante Gordon, tido como imóvel e inabalável, não se conteve e talvez sua gargalhada foi a mais ecoante. Por fim Frederik, exímio montanhista e rastreador, melhor conhecido por mim por meu pai, apenas manteve seus braços cruzados e caiu na risada, jogando o tronco para trás.

Desde o começo da manhã a conversa seguiu por essa linha. Contava coisas que aconteceram comigo desde o dia que iniciei minha jornada. Os companheiros que conheci na estrada, os desafios, aliados, rivalidades. A impressão é que havia se passado uma vida toda, e de certo modo… ainda não tinha tomado ciência de quanto tempo efetivamente fiquei longe de casa! Mas esse tipo de detalhe não é importante agora, o importante era que estava de volta! Bem, mesmo que fosse por um período curto. Minha vinda para Lavaridge era mais nostálgica do que qualquer outra coisa. Talvez eu estava precisando de um momento para relaxar, ou não. Talvez eu precise de um momento em um colo familiar, ou não. Mas na verdade, isso também não é importante, tanto que não questionei quando minha própria vontade emitiu o comando a Paarthurnax para seguir viagem até a cidade. Mas francamente? O tempo para o descanso pode ser curto. minhas últimas aventuras mostraram que necessito, e muito, melhorar minhas habilidades e preparar melhor meus parceiros de equipe. E por que não unir o útil ao agradável?

O café da manhã e o momento de confraternização teve fim com os direcionamentos diários dados pelo comandante. Meu pai e Billy fariam a segurança de um grupo de crianças da escola local a regiões mais afastadas, próximo da encosta do Mt. Chimney. Edgar e Michelle ficariam no encargo de reposição de peças, equipamentos e materiais, inclusive tendo que sair da cidade em algum momento. Ele, o comandante, ficaria na base para resolver burocracias, e me liberou para, segundo ele, “aproveitar momentos particulares com minha equipe”, mas que entraria em contato caso surgisse alguma ocorrência.

Bem, estava de volta na cidade, e tinha praticamente o tempo livre. Comecei a planejar coisas a se fazer e pensei no que poderia ser o mais efetivo no momento. Fui até o Centro Pokémon fazer algumas modificações em minha equipe, mantendo Kinney, Leona e Bahlok e trazendo Cassidy, Logan e o Duskull que capturei no Mt. Pyre. Ele parecia ser o mais deslocado dentre todos ali, e percebi que ele tentava uma aproximação maior com Kinney. Não sei se era pelo fato de ser um rosto conhecido ou se era pela semelhança nos hábitos. Me aproximei do pequeno fantasma, que aparentava ser um tipo bem tranquilo e pacífico, algo bem próximo da personalidade de Cassidy com exceção das sonecas fora de hora! - Bem vindo ao time! Vamos começar a trabalhar um pouco, sim? Mas antes… acho que você precisa de um nome… - olhei bem para o Pokémon, que flutuava à minha frente. Era um tanto incômodo encarar um tipo fantasma como aquele, mas foi só uma primeira impressão rápida, já que Duskull era bem calmo e sereno. - Que tal Arges? - escolhi o nome por uma antiga lenda sobre seres de um olho só. Não sei se é possível, mas senti que o Pokémon havia sorrido e balançava seu corpo gasoso em total concordância com a escola do nome.

Com tudo definido e estabelecido, sai pelas ruas da cidade buscando opções. Talvez houvesse alguma novidade na cidade que me auxiliasse nesse fortalecimento. Talvez mais tarde uma sessão de treinamento com toda a equipe era o ideal, mas por enquanto gostaria de curtir um pouco minha cidade natal.                                                                                          

Lavaridge não era uma grande cidade, fora esse um dos motivos que fizeram meu pai escolher quando nos mudamos, inclusive. As ruas não eram tão movimentadas assim, e volta e meia cruzava com um ou outro rosto conhecido: amigos do colégio, comerciantes, vizinhos. Toda a sorte de peças que me ajudaram a pintar os quadros do meu passado.

Algumas pessoas costumavam fazer batalhas em uma praça da cidade. Me recordo de ser uma jovem e ficar apenas assistindo. Diferente das crianças da minha idade, não tinha essa ambição por competição, ser o melhor, etc. Dá pra dizer que era uma criança mais… focada no que queria ser. Também pelo fato de ter adquirido meu primeiro parceiro de forma mais tardia e bem diferente do convencional. Para mim era mais divertido aprender coisas sobre sobrevivência, resgate, rastreamento e preparo físico junto com o pessoal da corporação. É, dá pra dizer que minha adolescência foi bem fora do convencional. Quero dizer não que tenha saído dessa fase, é só que… ah, você entendeu!

Caminhando pelas ruas com Kinney ao meu lado e Arges flutuando sobre meu ombro esquerdo, fui na direção da tal praça atrás de algum desafio. Estava trajando roupas civis, então somente um olhar muito atento poderia reconhecer algum traço ou indicativo de que era um Ranger. Ali em Lavaridge era só um garoto normal, no máximo o filho do sargento Vitale. Isso é, para quem se lembrar do garoto recluso no meio dos adultos...                                                                                              

Há! Esse cenário me trás boas lembranças! Crianças brincando com seus Pokémon, batalhando e treinando, ou os dois ao mesmo tempo. Era de fato muito nostálgico, tanto que me provocou um longo suspiro e um meio sorriso. Mas é claro, nem tudo são flores na realidade. Havia um grupo em torno da praça, algumas crianças menores e algumas outras um pouco maiores. Uma dupla de Pokémon batalhava na arena, e parecia bem equilibrada a disputa. Um garoto com um Scyther enfrentando uma garota com um Wartortle e… espera, aquela garota... Amália?

Amália era filha de Edgar, um dos companheiros de trabalho do meu pai. Nossa, não fazia tanto tempo assim que sai da cidade, mas ela parecia muito diferente! E olha só, seu Squirtle tinha evoluído! Me lembro do dia que ela o recebeu e chegou na corporação com o almoço de Edgar trazendo-o. Foi no mesmo ano que encontrei Kinney, alguns meses antes para ser mais exato. Não sabia ao certo se ela também almejava seguir os passos do pai, não tínhamos muito contato, não sei dizer ao certo porque.

A batalha se findava e o dono do Scyther se vangloriava da vitória. Amália nada podia fazer a não ser recolher seu parceiro e sair cabisbaixa da arena. - Amália! - tentei chamar pelo seu nome, mas pelo visto ela não havia me escutado. Caminhei na sua direção, ainda tentando chamar sua atenção, até que enfim a alcancei. - Oi Amália, quanto tempo! - abri um sorriso - Ainda se lembra de mim? - ergui uma sobrancelha para o comentário, claramente fazendo uma piada. Estou fora da cidade, o que? Coisa de meses? Talvez… - Fiquei muito surpreso ao te reconhecer e ver que seu Squirtle evoluiu! Parabéns, você o treinou muito bem! - tentei elogiar o progresso da garota, era importante dar valor das conquistas mesmo depois de uma derrota - E aquele cara? Não lembro de ver ele por aqui… - apontei para o valentão da arena, que ainda vociferava algumas coisas. Não sei se havia uma fila para enfrentá-lo, mas talvez ele fosse uma boa opção para começar meu treinamento.                                                                                              

Enquanto Amália me contextualizava sobre o forasteiro, analisava seu comportamento e gestos. Talvez ainda me faltasse muito conhecimento de mundo, mas conhecia bem Flannery e sua fama. Ela devora valentões como aquele no café da manhã. Interessante…

- Certo, faça isso! Vou ficar por aqui e talvez bater um papo com nosso camarada ali… - apontei com o dedão para o guri e me despedi, por hora, de Amália. Não sabia ao certo se já havia aparecido algum desafiante na arena, mas me aproximei o bastante para ficar na “primeira fila”. Cruzei os braços e apenas observei. Ao primeiro contato visual com o treinador, dei um passo à frente e entraria na arena. - Gostaria de testar minhas habilidades com você, por gentileza! - abri o maior sorriso que consegui, e tentei passar a impressão de que não era nenhuma ameaça para aquele nível de treinador. - Uma batalha dois contra dois? É isso que estão fazendo por aqui, não? - perguntei com um tom de inocência nas palavras. Mesmo com a presença de uma Weavile e um Duskull, talvez o ego inflado do treinador o fizesse acreditar na minha encenação. bom, de qualquer modo, vamos ver o que acontece.                                                                                                

Senti meu olho esquerdo saltar com o comentário “tiozão”. “Isso é sério?”, questionava comigo mesmo. Esse cara nem era tão mais novo que eu assim, mas dava pra ver que o que mais temos de diferença eram os modos. Respirei mais profundamente e tentei manter as aparências, disfarçando as evidências. Ele transbordava confiança, e francamente: se ele estava aqui para desafiar Flannery, é até um sinal de respeito para com o ginásio e o líder estar minimamente preparado.

Um outro sinal claro de confiança eram as apostas. Particularmente não gosto desse tipo de prática, na minha visão isso estimula outros aspectos da batalha Pokémon além dos laços com seus parceiros, crescimento e experiência. Há muito trabalho a ser feito em todos os lugares, e há uma grande ironia hipócrita no mundo Pokémon com relação às batalhas em si, então hipocrisias por hipocrisias, fico com a minha em não aderir esse tipo de prática que transforma batalhas em negócios. Não tenho forças para mudar cenários sozinho, logo me resta evitar de reproduzi-los.

- Nossa, quinhentos? - cocei a nuca, encenando um desconcerto - Cara, tô mal das pernas, a situação tá bem complicada, sabe como é né? Mas espero poder batalhar ainda assim! - joguei a questão também para envolver a opinião pública. Caso ele não aceitasse a batalha e se recusasse a sair da arena, ai poderia autuá-lo em extorsão e prática de pedágio ilegal. Vamos ver como ele reagiria a isso