[Atemporal]Flora, a marketeira, e seus amigos

Talvez esteja de fato enferrujado. Quiçá por estar acostumado com os combos do anterior, tive de ficar um round inteiro me acostumando com os combos do Jax, testando os padrões; segurei até um pouco mais da metade. Ok, acredito que subestimei essa garota até demais. No segundo round, tentei algumas combinações excêntricas e busquei acertar os timings exatos para atingi-los no Liu Kang, um milhão de vezes mais ágil.

Sem problemas: toda final é uma melhor de três. Ainda tinha mais um jogo. Pela primeira vez, tive de ter a calma de um monge para não me desconcentrar pelo simples fato de alguém passar pelas minhas costas. Até aí, sem problemas; finalmente, o combo encaixou e lá se ia os últimos sessenta porcento de HP que o Liu Kang tinha. Hora do round decisivo, e estava parecendo realmente a final de um regional; tinha pouco espaço para avançar, Flora realmente não abria muitas brechas pra que conseguisse ao menos iniciar o combo — nada mal, huh? Entretanto, o que viria a seguir é de foder o cu do palhaço.

Estaria mentindo se dissesse que os gritos da surtada na televisão não estavam incomodando. Consigo suportar a pressão de todo o fliperama voltado para a tela em que jogo, apenas vez em quando aplaudindo e bramindo em empolgação; o problema é que Karinna parecia que engoliu a porra de um megafone e gritava em um amplificador. Indago-me, às vezes, se ela não foi criada por algum Exploud — Tarzan contemporâneo? E em mais um de seus espasmos, desferiu um golpe com o punho cerrado contra a televisão, esfarelando o LED.

— Que porra você tá fazendo, sua demente?! — esbravejei, volvendo os olhos na direção da especialista mesmo que por ínfimos segundos, e foi justamente nesse tempo que quase perdi o segundo round.

Repare bem em quando disse “quase”. Assim que a desmiolada açodou na direção dos túneis em que os competidores adentraram, Flora quase terminou de tirar o resto da barrinha de vida, mas ainda tinha a barra carregada para um parry bem feito. E foi nesse tempo que usei o último combo com direito a um brutality muito bem dado. Fazer o que, o pai joga, né?

Assim que se encerrara o round final, fui acometido por Flora tomando a manga de meu blazer para limpar algumas lágrimas de Krookodile que transbordavam de seus orbes. Com delicadeza, retirei-o, franzindo o cenho de imediato, já tomando o controle para jogar a partida derradeira. Devidamente aquecido e familiarizado com os comandos, ademais agora que sei como jogar contra Liu Kang, ela não vai vencer de mim, não é? Mais uma vez, assaltado pelos soídos vindo de caixas de sons não muito distantes, a morena fora chamada para ir à arena iniciar seu primeiro embate.

— Tudo bem então, pode ir lá — respondi, jogando-me no puff depois de um longo suspiro.

Diante de tudo isso, o que deveria ser uma simples missão de busca de informações acabou virando uma bola de neve: uma televisão de LED quebrada, um videogame na minha frente e, oh, vindo na minha direção, um pássaro de um metro e meio em meio a lágrimas após ver alguma cena de novela que terminava entre um beijo dos mocinhos. Shiranui deitou-se sobre o puff também, tentando roçagar os olhos marejados em meu blazer para enxugá-los. E eu lá tô com cara de toalha, caralho?!

Arremessei meu corpo para o lado, deixando o psíquico se recompor, ainda que estivesse soluçando. Ok, corrijamos: um pássaro de um metro e meio chorão, uma televisão completamente fodida e a possibilidade de um comandante rocket estar à solta pelo hall. Sorria e acene, Nicholas.

Taciturno, fechei a aba do jogo e cliquei direto em uma das plataformas de streaming. Se Xatu queria realmente ver alguma obra prima, por que não... “Senhor dos Anéis”? Cara, essa trilogia é simplesmente do caralho, e não tem tanta melosidade igual essas novelas chatas. Sim, tem um lance entre Aragorn e a Arwen, todavia, quem liga se você tem dois hobbits marchando até Mordor para destruir Sauron?

— Shiranui, vou te mostrar o que é de fato uma obra prima. Senta aí e assiste, daqui a pouco vou lá comprar um cachorro quente e um refri pra gente — o psíquico não relutou de início, ainda que um derradeiro soluço fora audível.

Deixei o filme carregando e, claro, não apertei para pular aquela parte em que aparecem os estúdios e afins. É justamente nesse enchimento de linguiça que fui até à lanchonete mais próxima, comprei um lanche leve e tornei para onde estivera outrora.

No meio desse monte de maluquice, pelo menos alguma coisa estava ok: estou sozinho, finalmente. Quer dizer, eu acho...