Cherry Syndrome
O quarto dia chega, meu coração latejando, pedindo para que não venha, pedindo para que eu fique presa num limbo temporal, aproveitando um dia inacabável, um verdadeiro escapismo da execução que lentamente se aproxima... Uma carneirinha aguardando abate, um degrau a ser pisado para os vitoriosos... Nem mesmo conseguirei o item mais importante desse torneio, o acesso para um lugar misterioso... Seguidores, fãs, fama, eu não sei se eu ligo mais para isso agora... Ser fonte de piada para pessoas que me observam, torcendo por minha derrota, devo realmente me submeter a isso?... Meus olhos chorosos olham para o chão, porém secos, a cerâmica que compõe o piso da recepção do torneio continua a existir, a terra que pisamos não deixa de sumir, porém nós humanos e Pokémon um dia deixaremos de ser... Variáveis descartáveis nesse mundo enquanto o solo continua sendo solo, nunca deixará de ser piso e nunca deixaremos de apoiarmos nossa fundação de vida nele...
Felizmente, meu chapéu dificulta qualquer visão alheia de invadir meu pequeno mundo, um espaço temporário que atualmente se ocupa no largo sofá que reside no estabelecimento cereja. Nesse universo minúsculo é onde meu corpo repousa, aguardando o inevitável, porém ainda num sonho fugaz de que ele nunca chegue... Quem me olhe pensa que eu já morri, o que poderia até verdade. Meus braços deitados sobre meu colo revestido pelo meu vestido azul, cabeça cabisbaixa, feição vazia, eu simplesmente tinha virado uma estátua de mármore para qualquer um que passasse pudesse ver meu estado imóvel. A única diferença, todavia, é que a arte com o passar do tempo ganha status de lenda, valor de ouro, essência mítica. O que eu tenho a oferecer? Qual será meu destaque na humanidade, se eu sequer teria um, dentre milhares de vidas tão jovens ou mais novas ainda nesse mundo? Um ser humano ou é eternizado ou tudo que lhe resta é virar pó, sucumbir sob a pressão da terra quando é enterrado...
O tempo das pessoas sempre avança, portanto não demorou até que me chamassem para minha próxima luta... Como posso me levantar desse sofá com meu espírito quebrado? Que esperanças eu tenho para o futuro? Eu...
*Trim trim trim*
Meus pensamentos são interrompidos pelo meu Rotom Phone que toca, eu não tenho nenhum compromisso marcado com ninguém, mas talvez seja alguém da minha sociedade, então é melhor eu atender. Retirando o aparelho tecnológico da minha bolsa eu tento detectar qual o número, porém sem sucesso, nenhuma tela de ligação está aparecendo, apenas como se tivesse tocando por tocar, será que meu celular já está dando defeito? Logo em seguida, o barulho chato é encerrado, prosseguido por um chiado minuto que eu mal posso ouvir... Ele se atendeu? O que está acontecendo logo hoje? Como se eu já não estivesse fundo o suficiente nas águas do poço, querem puxar minha perna para ir mais fundo ainda? Sem muito ânimo, eu seguro o eletrônico no meu ouvido e tento responder para qualquer um que tenha tentado me ligar... Com um “alô?” seco, eu tenho que fazer essa ligação ser rápida, afinal já me chamaram para ir...
- L a r i e l... L a r i e l... Hehehehe! – Uma voz sinistra me responde, ela é aguda e afiada, como se tivesse muita interferência elétrica alterando sua voz, que tipo de pegadinha sem gosto é essa? Eu tirei o Rotom Phone do meu ouvido e desliguei-o, colocando na minha bolsa e me direcionando para o estádio... Ou ao menos é o que eu amaria ter feito, no entanto eu não consigo me mover! E... Tem algo entrando no meu ouvido?! É fino, e machuca, parece muito com cargas fracas que meu Ninian me manda com seus Nuzzle, argh...
- Lariel, como podemos ganhar com esse clima? Cadê seu animo, sua energia?! Eu te respeito por seu vigor, mas esse seu estado agora é patético! Hehe, tão fraco que eu facilmente posso invadir seu celular e invadir sua mente assim, hehehehe~ – Eu não tinha reconhecido de primeiro a voz que saia baixinho do aparelho, porém, essa gargalhada que eu ouvi apenas semana passada... Esse é... Cheap Trick! Ele deve ter paralisado meu braço, ah...
- Só hoje, eu serei legal contigo e lhe farei um favorzão, que tal?! Brincadeira, você não tem escolha nisso, eu não quero perder por seu chorinho besta, hehehehe~! – Ele deve ter possuído meu Rotom Phone... Embora soe loucura, o programa Rotom que tem no celular é apenas uma inteligência artificial... Como sua aparência é tão parecida, eu jamais poderia distinguir a diferença se um Rotom de verdade possuísse... Aah... Eu posso sentir mais cargas invadindo minha mente... Então é assim que é sentir ser possuída?... Sem que eu perceba, meu braço finalmente se desloca, removendo o aparelho... Sem que eu me dê conta, ele já está indo para a bolsa aberta que rapidamente é fechada... Então eu também não estou tendo controle de minhas ações, que torturante...
- A, a... B, b... Então... É assim que se fala?... – Agora creio que não seja mais surpresa, porém essa criaturinha sádica está brincando com meus lábios, com minha língua, com o impulso vocal que sai da minha garganta... Ele deve está conseguindo invadir minha mente, que terrível... A brincadeira não para, eu logo me levanto da mobília que eu estava estacionada, minha traseira tá machucada de tanto ficar sentada, ai... E mesmo assim, o fantasma não parece se importar e anda contra minha vontade em direção ao caminho do estádio que ele já deve ter decorado depois de tantas batalhas que tivemos...
- Aquela última batalha foi horrível, não foi? Sua mente estava nublada, queridinha. Vou lhe ensinar como que ganha uma batalha, vê se aprende minhas técnicas de vez, hehe... Hehehe... – O espectro sobrevoa em cima de mim, consigo sentir sua carga em meu cabelo e, mesmo assim, ele continua controlando meu corpo, como consigo ser tão fraca?... Enquanto ele sussurra para mim suas falas nada bem-vindas, damos entrada na arena, mais uma vez uma luta está para começar... Podemos muito bem perder, porém esse elétrico parece focado em não passar vergonha de novo... Será que obteremos êxito com o plano dele?
Andando mais a frente, nos deparamos com a nossa adversária para essa rodada de mata-mata: Artemísia, uma mulher muito linda, apesar de ser menor que mim. Tem uma aparência tão fofa quanto bela, eu nem posso dar um flerte como faria, que droga... Algo curioso para mim é que ela também parece ter receio em sua voz... Nervosa? Triste? Ansiosa? Eu não sei determinar, porém eu simpatizo, afinal estaremos eliminando uma à outra... Esse pode ser nosso último momento para esse torneio que já se estendeu por quatro dias, ou ela vai dar adeus, ou eu irei... Eu... Eu não sei se eu conseguiria ter forças para continuar, não depois do que aconteceu ontem... Cheap Trick continua em cima de mim, embora eu não possa vê-lo, sinto que ele está tramando algo, sua energia deve significar que ele está bailando sobre meus cabelos, fazendo sua dancinha animada como sempre, porém o detalhe macabro é como ele está me fazendo inoperante do meu próprio corpo, droga...
- Artemísia, não é? Você foi denominada a melhor do seu grupo, seu prestígio lhe levou até aqui, você é poderosa e forte, seu Pokémon não deixa mentir, hehe... – Para a minha surpresa, ele está... Elogiando-a? Algo não me parece certo...
- Hehe... Hehehe... Hahahahaha! É UM PRAZER TE CONHECER! – Para com essa risada estranha! Eu estou pagando o maior mico com isso, meu Deus! Ai minha nossa, eu não quero dar as caras mais nunca para esses eventos...
- Eu certamente me divertirei... Quando se está no poder, é mais gostoso derrubar o oponente... Suas bençãos são suas maldições, minhas pragas são minhas graças! – O que você está dizendo?! Isso é completamente rude e desnecessário! Se qualquer coisa, é essa arrogância que fazer a gente perder, droga! Achar que a batalha está ganha é o ápice da estupidez, ela não é nenhuma criança... Eu tenho que me mover, porcaria... Embora meus esforços, eles pareciam inúteis no momento... Em vez disso, o que acontece é que o Cheap Trick pega meu celular que ele usou para colocar uma armadilha em mim e toca uma música para suas falas...
- É bem triste, você vai acabar fazendo seu Marshtomp chorar, sabe?... – Meu dedo involuntariamente aperta “play” na música... - A última coisa que ele verá será um Shadow Ball na cara! GaHaHaHaHaHaHaHa! – Essa criatura é insana... Seriam todos os fantasmas assim ou eu fui dada um Rotom tão amaldiçoado?! Que mico... Tudo que precisa acontecer para ele perder é levar um crítico... Mas será se isso aconteceria? Embora me livre... Eu não nego querer o prêmio de vitória... Que impasse...
- Kehehehe. RUN, RABBIT, RUN! Rotom, use Shadow Ball duas vezes, vamos mostrar que somos uma força imponente, vamos dar um “cento-e-oitenta” nessa hierarquia de poder e dominar o topo! Hahahahaha esse corpo é incrível. – O espírito move meu corpo colocando meu braço direito no ar e abrindo um grande sorriso macabro, minha imagem está arruinada... - Vamos fazer o mundo todo tremer, não é mesmo minha querida?! Os fracos serão os fortes e os maiores cairão com o estrondoso trovejar de mudança!