[EVENTO] Where Is My Mind_Trainspoting

— Tchau, ô donas madames! — Fungou o homem, dando um aceninho alegre quando as treinadoras saltaram das costas de suas renas, que tão graciosamente se abaixaram para facilitar o trabalho quando Bartolomeu finalmente interrompeu seu caminho. Apesar de que não pareciam muito felizes em fazê-lo, não - como poderiam, tendo perdido mãos tão belas que as acariciavam? Inclusive, a pobre Roselita até se despediu de Kathryne com uma "focinhada" gentil nas costas, veja só! — Tudo no cartão, né, moça Winnie? — Conferiu o careca, acenando positivamente com a cabeça ao tomar como verdadeira a informação. — Mó confusãozona essa aí, né? — Comentou, o olhar passeando pela pequena multidão à frente do Shopping. — Que que será que deu? — Ponderou, balançando a cabeça com suavidade. — Bem, tanto faz. Bom filme pr'ocês, viu, minha gente? — Despediu-se, enfim, o Papai Noel; E com uma batidinha no pescoço de sua rena-guia, lá se foi o gorducho e sua caravana, em trote gentil e passada paciente.

Mas, sim. Multidão, certo? Ok.

Vocês já devem saber: Não é lá muito fácil abrir caminho num mundaréu de gente. Quer dizer, até que foi ok no começo, Freda abrindo o caminho com facilidade entre o início passivo da multidão - mas, a partir do meio, a coisa começou a ficar meio feia. A partir dali, já tinha gente que queria não só se intrometer, mas também fofoqueiros que não queriam ficar pra trás e nem deixar de saber o que que tava rolando, ainda que a maior parte não parecia ser muito bem sucedida. O problema veio quando enfim começaram a chegar mais pra frente e aquele galerê todo começou a se indignar com duas magricelas querendo sair passando sem mais e nem menos e, sinto muito dizer, mas foi a coitada da rosada que sofreu com essa situação, tomando uma cotovelada violenta bem na bochecha e um "TE MANCA, CAPIVARA! EMPURRA A VÓ, PIRANHA!" gritado bem no pé do ouvido.

Quem teria sido o responsável?
Jamais saberiam, pois o fluxo de pessoas eventualmente empurrou as pobrezinhas pra frente de vez, tentando viciosamente brincar de ping-pong com a monotreinadora magricelinha. Sorte dela que tinha Freda à frente, ou provavelmente já teria virado pó naquele purra-empurra, veja só...

— Opa, peralá! — Gritou um homem encorpado, mãos na frente do caminho das duas moças assim que elas finalmente, finalmente abandonaram o meio daquele aglomerado maldito. — Sinto muito, meninas, mas daqui não podem passar. — Anunciou em sua voz estranhamente fina, mas com uma carranca fechada o suficiente para espantar o mais vil dos vilões. — Circulando, circulando.

E mais essa, agora.
Tão de palhaçada, né?

Agora você tem que entender: Aquela confusão já estava ali há, provavelmente, no mínimo, alguns minutos. Não deve ser difícil se imaginar no lugar desse pobre trabalhador, tendo que conter essa maré de pessoas enquanto tenta acalmá-las e, ao mesmo tempo, seguir seu trabalho de gente de boa-fé sem ter, a todo momento, algum pirado enchendo seu saco porque quer fazer isso, aquilo ou aquilo outro. Tenho certeza que, se não consegue imaginar, deu pra sacar pela expressão de "Ah, nem vem que essa fudida vai dar um ataque de pelanca aqui" lançada para Freda quando ela começou a reclamar e falar de rena. Vamos combinar: Ninguém merece, né?

— Madame, eu não ligo se você veio de rena ou de urubu. — Retrucou o segurança, balançando a cabeça em negativa. — Eu não posso deixar ninguém entrar. O Shopping tá interditado e a ordem imediata foi de evacuar todo mundo. — Disse, antes que enfim voltasse a atenção na direção da lourinha, a (aparentemente) mente sã daquele rolê. — Nós não sabemos direito. Teve uma invasão de umas, uh, espécies esquisitas aí dentro. Elas simplesmente saíram destruindo tudo e tiveram pessoas absorvidas vivas, sem nenhuma explicação. — Disse o homem, enquanto barrava outro engraçadinho que tentava se esgueirar pro lado de dentro. — Não sabemos com o que estamos lidando aqui. Foram pedidos reforços, mas parece que esse tipo de coisa tá acontecendo por toda a cidade e a equipe tá completamente sobrecarregada. — Acrescentou, um suspiro frustrado escapando no processo. Um pouco mais longe, um Houndoom estressadinho latia para alguns treinadores que tentavam se dirigir à estrutura dourada e, consequentemente, acabava por afastá-los - pelo menos momentaneamente. — Tá completamente um inferno. — Reclamou.

E foi nesse momento que a magrela de braços fortes, aquela lá que eu falei no começo da cena, pois é, ela veio toda exasperada. Gesticulando cheia de estresse e meio irritada, mas vamos lá:

— Dá pra você me dizer, — Começou a mulher, quase tão estressada quanto a multidão que a envolvia. — Quando é que vocês vão criar bolas e entrar aí dentro? Eu preciso trabalhar! Você acha que eu posso simplesmente ficar aqui sabe-se lá quanto tempo esperando o nada? Vocês não vão tirar aquelas coisas bizarras da minha loja?! — Gritou, balançando a cabeça de um lado para o outro com sua voz quase tão fina como a de um carapanã. — Isso é um absurdo! Se eu soubesse que não podia contar nem com vocês, tinha virado treinadora pokémon!

— ...Madame, — Retrucou o homem, deixando escapar mais um suspiro profundo, como se já tivesse lidado com aquela mesma conversa um trilhão de vezes. — Eu já falei que não temos como intervir. Nós não sabemos que tipo de coisa esses bichos fazem. Eu sinto muito pelo seu horário, mas não temos o que fazer nesse exato momento, sem nenhum pessoal! —  Se irritou. É isso, todo mundo irritado. Mas eu não o culpo; Como poderia?

Isso que dá tentar tirar um dia de folga no meio de uma metrópole.

— Algo estranho? Filha, os próprios bichos já são estranhos o suficiente, não precisamos de mais nada, não! E você aí, pode ter certeza que a gente tem mais preocupação que ir falar no PokeGram se tá aberto ou não. Ninguém ia conferir mesmo, postar pra quê? —  Reclamou o homem, talvez um pouco menos profissional do que deveria - mas dava até pra entender, levando em consideração que tinha de lidar com uma multidão maluca e a pressão de três enxeridas tentando encher o seu saco por algo que ia totalmente além do seu controle. — Como eu disse, chamamos. — Comentou com a loirinha, enquanto o canídeo próximo mordia a canela da calça de um engraçadinho que tentava furar aquela "barreira". — Mas isso tá rolando na cidade toda e tá todo mundo ocupado. Sabe-se lá quando vão aparecer. — Suspirou e respirou, fundo, antes que enfim a atenção voltasse na direção da rosada - bem na hora que a agitação da plateia começou a ficar mais alta. — SÃO DA RINDO-COM-QUEM? — Gritou, tentando se fazer ouvir no alvoroço. — QUE ISSO? SHOW DE STAND-UP? DESCULPA, MAS ACHO QUE NÃO VAI TER PALCO PRA VOCÊ NÃO, DONA. — Completou. A parte boa da situação, bem, é que aparentemente a moça da sorveteria tinha bons ouvidos (ou só queria uma ajuda o mais rápido possível), pois logo se jogou em auxílio:

— AH! VOCÊS RESOLVEM??? ÓTIMO, ENTÃO! — Resolveu, enlaçando um braço de cada uma das treinadoras e rebolando na direção da sorveteria. — É toda de vocês, meninas! Vambora! — Alegrou-se de repente a comerciante, um sorriso de orelha a orelha antes que seu ombro fosse segurado pelo segurança.

— EI! QUE HISTÓRIA É ESSA, TÁ INDO PRA ONDE?! Você sabe muito bem que não pode sair entrando, sabe-se lá o que pode acontecer lá dentro! E depois, isso cai no colo de quem? — Censurou o grandão, franzindo o cenho e praticamente crescendo pra cima não só das meninas, como também da magricelinha que as arrastava junto.

— POIS NÃO SEI E NÃO QUERO SABER! — Gritou em retorno a mulher, soltando o braço de Kathryne para dar um tapa na mão do segurança que, em resposta, acabou recuando. — Eu não posso mandar ninguém pro Shopping, mas pra MINHA SORVETERIA, eu POSSO SIM SENHOR! E VOU! FICA SÓ VENDO, PRA VOCÊ VER! — Se impôs, empurrando o punho do trabalhador sem um pingo de receio.

— M- — O homem começou a tentar argumentar, mas...

— OH! PSH! PSHHH! — Chiou a rosada, torcendo a expressão em uma carranca de botar medo na mais valente das criaturas. — NÃO DIGA NADA, NÃO DIGA NADA QUE VAI FICAR PIOR PRA VOCÊ! — Escandalizou. — OLHA QUE DEPOIS EU TE QUEBRO A CARA NO TRIBUNAL. FICA NA SUA AÍ, GRANDÃO. SEU MEDROSO. MEDROSÃO. — Acusou, antes de enfim agarrar novamente o braço da loirinha e virar na direção do estabelecimento, caminhando passinhos curtos e apressados para a entrada, deixando o pobre segurança de mãos atadas enquanto tentava segurar o resto da multidão.

Pois sim; Resolvemos esse pequeno problema. Talvez não de um jeito que pudesse ser esperado, mas o importante é que tinham passado e agora vamo seguir o baile.

— Ai, eu não sei se vocês conseguem, mas espero que não morram. Se morrerem, com que cara eu vou ficar? Não façam isso comigo, meninas, pelo amor do sorvetinho derretido. — Pediu a moça, afofando os bracinhos magrelas das companheiras de sociedade antes de guiá-las ao interior da Sorveteria Paplé: Inclusive, extremamente válido mencionar que o lugar não estava lá nos seus melhores momentos, com cadeiras e mesas reviradas e jogadas ao chão, como se houvesse existido uma pressa de várias pessoas para se retirarem do local. — Isso não podia ter acontecido em um momento pior, sinceramente! Logo hoje, comemorando o mêsversário da sorveteria... — Choramingou dona Paplé, atravessando os móveis atirados e os sorvetes derretidos que foram abandonados no meio da bagunça.

Foram mais fundo, mais fundo e mais ainda - até, literalmente, os fundos do comércio. Devagar e com as mãozinhas meio trêmulas, a mulher soltou ambas as treinadoras e se aproximou de uma porta prateada, puxando sua maçaneta e revelando uma escadaria que guiava ao porão, um ambiente escuro e, ao que podia ser visto, úmido; Úmido demais, em realidade - uma altura d'água se espalhava pelo cômodo, e foi com certo receio que a comerciante apontou para seu interior.

— ...Lá dentro. — Indicou, enquanto uma corrente gélida escapava e acariciava as três figuras. — Eles estão no freezer. — Explicou, os ombros encolhendo enquanto a senhorita praticamente se escondia por detrás da porta: Podia ser valente contra um segurança mas, bem, contra coisas que não tinha a menor ideia do que se tratavam...

É isso.
E agora?