Continuou pedalando insistentemente em meio a terra e mato quando deixou a rodovia. A certa altura, no entanto, Gaspar percebeu que a fricção da bike com essa superfície desigual era extremamente pesada e logo ele percebeu que estava ficando cansado demais. Desceu da bike, desmontou-a com destreza e a retornou a sua mochila, a respiração um pouco acelerada.
Gaspar colocou as mãos na cintura, empinou o peitoral e espichou a cabeça, observando a natureza ao seu redor e recobrando, pacientemente, o controle de sua respiração. Não posso ficar tão cansado enquanto não encontrar alguma fonte de água, pensou o rapaz, que era acostumado a estar nesses ambientes e seus desafios. Tinha água e comida, mas só poderia relaxar quando encontrasse alguma região onde pudesse reabastecer seus recursos.
Sorriu pensando em seus pokémon e no tempo livre que teria para treinar e, mais importante, observar eles se conhecerem e se relacionarem. Para alguns assuntos, Gaspar era irredutível: seus pokémon teriam que se relacionar bem um com o outro. Podia ser que não se dessem bem de início, e problemas fossem surgir, mas tudo com o tempo se resolve. Faz parte do crescimento deles como criaturas e, para ele, não faz sentido manter em um time duas criaturas que não conseguem conviver um com o outro.
Com esse pensamento em mente, Gaspar tirou uma pokébola de seu bolso e lançou dela seu parceiro insubstituível, o cão noturno Gambino. O cãozinho, que ele insistia em pensar como um bebê pokémon, era encorpado, grande e forte, e já mostrava sinais de ter passado a fase de infância, embora ainda fosse muito brincalhão e curioso. O cão de fogo olhou, interessado, ao seu redor, percebendo que eles já não estavam na cidade, e farejou por alguns segundos. Rosnou, um som baixo e grave do fundo de sua garganta, sentindo que haviam muitos pokémon selvagens em volta. Gaspar sorriu, agachando-se ao lado dele e massageando a pelagem negra do pescoço do pokémon com sua mão direita.
- Calma, pequeno - Gaspar disse, transmitindo tranquilidade. - Eu ouvi também os movimentos ao redor. Tem muitos pokémon selvagem, com certeza, mas é improvável que eles nos ataquem aleatoriamente. Mudando de assunto... - o rapaz olhou intensamente o cãozinho, que já parara de rosnar e focava em seu humano. - Lembra do Abra? Olha, ele está mudado - ele sorriu, sabendo que a evolução do psíquico poderia assustar ao seu Houndour. - Tá pronto para ver como ele ficou?
Ele retirou outra pokébola de seu bolso e lançou dela seu segundo pokémon, Toneri, que recentemente havia evoluído de Abra para Kadabra. O pokémon psíquico, no entanto, não havia perdido seus hábitos de Abra, e quando saiu da pokébola encontrava-se flutuando a um metro do chão, as pernas cruzadas, e a cabeça levemente caída de lado. Os olhos fechados, num sono profundo.
Gambino deu um pequeno salto para trás, relativamente assustado, mas não rosnou ou estranhou Toneri como Gaspar esperava que aconteceria. Embora tivesse uma forma totalmente diferente, e um corpo muito maior, era provável que o cão reconhecesse o cheiro do outro. Depois de assustado, Gambino aproximou-se do Kadabra sorrateiramente, farejando. Como era alto para os padrões, ele precisou apenas esticar um pouco seu pescoço para tocar seu focinho no pé do pokémon dorminhoco. A sensação úmida do focinho contra a pele seca de Toneri acordou-o imediatamente. O psíquico perdeu o equilíbrio, esperneou no ar, e involuntariamente desferiu a estranha colher que carregava em sua mão direita contra o osso no topo da cabeça do cão.
Gambino encolheu de dor e afastou-se velozmente. Olhou com ferocidade para Toneri e começou a latir, desafiando-o. Kadabra retomou seu equilíbrio, voltando a flutuar no ar, e então olhou ao seu redor, tentando reconhecer o ambiente. Quando por fim percebeu o que tinha feito e a reação de Houndour, o psíquico começou a fazer estranhos gestos com os braços, esticando as mãos para frente, como se sinalizasse paz. Gaspar ria.
- Gambino, relaxa cara, não foi por querer. - O cãozinho silenciou-se relutantemente, depois de soltar alguns guinchos agudos de aborrecimento. Por fim Gaspar tinha os dois pokémon quietos e focados nele. - Toneri, você não conheceu ele ainda, mas a gente tem mais um membro no time. Sejam receptivos, ok?
O moreno estava ansioso, lembrando-se da rivalidade que parecia ter-se criado entre Gambino e Rufflet na batalha que haviam travado em Hisui, mas tinha segurança de que era muito provável que aquela poderia se tornar uma rivalidade amigável e mais saudável do que ruim - esperava que os dois fossem se motivar a se tornarem mais fortes e poderosos. Mas provavelmente levaria tempo... Quando lançou a pequena águia da pokébola, Houndour permaneceu parado, olhando-a imponentemente. Foi o Rufflet que demonstrou-se raivoso. Pousou no chão e, ao travar seus olhos no cão noturno, soltou um piado agudo, feroz, e arranhou suas garras contra a terra.
- Ei - Gaspar chamou, interessado. - Está preparado para ir numa aventura? - questionou, chamando a atenção da pequena águia. Agachou ao lado dela, segurando-se para não fazer um cafuné na penugem de sua cabeça - não sentia que tinham essa intimidade ainda. - Olha, estamos em uma rota em Sinnoh. Meu plano é passar algumas noites aqui, treinar... explorar um pouco a rota, ver se achamos coisas legais. Que vocês acham?
Gambino foi o primeiro a reagir, animado como usualmente. Saltitou, latindo de felicidade. Não importava o quanto amadurecesse, o pokémon de fogo nunca perdia sua motivação infantil para aventuras. E era óbvio que ele sentia falta de acampar na natureza. Toneri olhava para Gaspar desinteressado, mas a reação de Houndour irrompeu alguma coisa nele. O psíquico, flutuando, aproximou-se num rompante de Rufflet. Ignorou o olhar de suspeita que a águia lançou-o e, num movimento vagaroso, fez seu gesto habitual de recepção: dar leves toques de sua colher na cabeça da criatura. Rufflet reagiu mais rapidamente: desviou da colher de Kadabra, lançou voou e bicou com intensidade o casco da cabeça de Kadabra, repetidamente. Depois voltou a pousar na terra, ao lado do psíquico, aguardando desafiadoramente o que aconteceria.
Gaspar observava, preparado para intervir se necessário. Mas tinha que deixar as coisas se resolverem o mais naturalmente possível. Pego desprevenido, Toneri permaneceu parado, movendo sua cabeça para os lados devagar, como se pesasse o que tinha ocorrido. Com a mão livre coçou a parte da cabeça que havia sido bicada por Rufflet.
- Bem... - soltou Gaspar, incomodado com o silêncio que havia se formado. - Rufflet, Toneri é caloroso assim mesmo, e meio sem jeito também. Seja paciente com ele, por favor. - Kadabra olhou para Gaspar, ainda perdido. O pokémon parecia não saber como reagir. Gaspar riu-se. - Estão com fome? - perguntou, mudando de assunto propositalmente. - Eu tava pensando... como vamos passar alguns dias na natureza, que tal utilizarmos os recursos disponíveis? Tenho certeza que deve ter muita árvore frutífera por aqui. Se trabalharmos juntos podemos nos abastecer por um bom tempo.
Os três pokémon, naquele momento, passaram a focar a atenção em Gaspar. O humano falava com calma, clareza, gesticulando os braços pela ambiente ao redor, cheio de ânimo. Seu modo de ser parecia chamar atênção das criaturinhas. Gaspar percebia isso, e se satisfazia com a sensação de ser o centro de atenções. Sabia que aquilo era importante para construir um grupo coeso e eficiente.
- Meu plano é o seguinte: vamos caminhar naquela direção - e apontou para o leste, numa região que se afastava do caminho que havia percorrido na rota. - Cada um pode se espalhar para um lado, atento para o que estiver no chão ou nas árvores. Tem apenas uma regra: todos vão se manter dentro do meu campo de visão. Se encontrar algo, ou se algum pokémon selvagem te der problema... só piar - disse, e piscou para a pequena águia. - Ah, Rufflet, se lá de cima você avistar algum lago ou rio, me avise. Precisamos encontrar uma fonte de água... - Os pokémon pareciam se unir, esquecendo seus estranhamentos iniciais e se entregando à narrativa do humano. Gaspar sorriu: - Prontos? Bora.
E então ele começou a caminhar na direção indicada. Gambino lançou um rápido olhar de desconfiança para a pequena águia e então saiu saltitando por entre as matas, na mesma direção que Gaspar caminhava mas alguns metros afastado. Toneri apenas iniciou a flutuar preguiçosamente para o lado oposto a que o cãozinho havia ido, mantendo Gaspar sob seu olhar. A águia feroz flexionou suas asinhas imponentemente, bateu-as duas vezes com força ainda no chão, e então lançou-se ao céu num voo rasante. Manteve Gaspar sob seu campo de visão, e prosseguiu num voo circular e vagaroso, observando a paisagem ao redor.