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I. Eu não me orgulho do que fiz

Talvez isso tenha sido uma má ideia, eu pensei por um milissegundo antes de amassar esse pensamento e jogar na minha lixeira mental. Foi um pouco difícil pois, acredite, essa lixeira tá beeem cheia. Mas é o que sempre faço quando duvido de mim mesma. Mesmo que eu esteja cometendo um erro, eu não volto atrás. Se é pra quebrar a cara, vambora.

Grroooar... — o grandioso Salamance em minha frente rosnou.

É, esse cara aí com certeza quer quebrar a minha cara.

Mas, espera, acho que cê não deve tá entendendo nada. Deixa eu voltar um pouquinho.

A manhã na Cidade de Fallarbor começa com o Sol de rachar e com a habitual poeira cósmica no ar, que faria um Wheezing se sentir em casa. Eu estava no Centro Pokémon checando novos vídeos na timeline do meu PokéGear. Pessoas faziam dancinhas com seus parceiros Pokémon, outras participavam do #MimikyuChallenge, uma garota fazia um tutorial de maquiagem ideal para sua primeira Batalha de Ginásio... Chato, chato, chato. Eu desviei a atenção da baboseira digital e acabei pegando uma conversa no ar que rolava por ali:

— ... aí eu vou pra Johto amanhã, sacomé, né? Visitar a família, pô — um rapaz mais velho com roupa de Treinador conversava com outros da mesma idade.

Bingo.

— Ô, moço, peraí! Eu ouvi direito? — eu levantei de sobressalto e acenei, chamando a atenção do grupo. — O senhor, por acaso, não tá planejando ir no navio que parte lá em Slateport não, né? Mostra aí seu passaporte, fazendo o favor!

— Ué, eu ia por lá, sim, foi por onde eu cheguei... — o rapaz coçou a nuca e os outros ao redor olhavam igualmente confusos.

Felizmente, ele tirou o passaporte do bolso. Eu me dediquei em atuar como se fosse ser nomeada para o Jigglypuff de Ouro.

— Moooço, não, moço! — exclamei após uma rápida olhada no documento de viagem, pondo as mãos na cabeça em total descrença. — Todo mundo que precisar viajar de navio nos próximos dias precisa ter o passaporte carimbado pela Associação de Viagens Marítimas de Hoenn (o AVMH)! O senhor fez isso nos últimos quinze dias?!

— Hã... não.

— Moço! Por Arceus! Que sorte que eu tô por aqui, viu? — num gesto rápido, tratei de tomar o passaporte da mão dele. Agarrei o outro braço e puxei-o em direção à saída: — Bora ali na Rota 114, um dos líderes do comitê mora lá e é conhecido meu. Ele pode oficializar seu passaporte!

Os amigos do cara continuavam espantados, mas tudo aconteceu tão rápido que ele provavelmente acabou acreditando. Deixou ser arrastado por mim. Taí outra linha de raciocínio que eu costumo seguir: antes de dar muito ruim, aposte no mais absurdo possível até onde der.

Porém, não levou muito tempo até o rapaz começar a desconfiar da minha muquiranagem. Já estávamos no centro dos bosques da rota, rio correndo de um lado e floresta do outro, quando ele parou de me seguir.

— Ô, menina, cadê esse cara aí que tu falou? — ele indagou, cruzando os braços e olhando em volta. — Só tô vendo umas casinhas de pescadores por aqui e pá… Tu não tá me enrolando não, né?

— Claro que não, meu consagrado! Olha, inclusive, a gente já tá quase lá.

Tínhamos chegado na parte onde o caminho de terra batida do bosque transformava-se no solo pedregoso que dava na entrada de Meteor Falls. Era hora do xeque-mate.

— Não conta pra ninguém, mas existe um código secreto pra chegar no comitê; o AVHM é uma associação muito importante, afinal, não pode ir entrando qualquer um… ó, vem cá rapidinho — puxei-o pelo braço de novo e o posicionei em frente uma colina de rochas acinzentadas. Enquanto ele olhava pros lados em completa confusão, fui dando passos calculados para trás enquanto dizia: — Isso, agora coloca o pé direito naquela marca… não, não, o direito... isso, agora olha pra cima… mais um pouco, mais um pouco… — minhas costas tocaram a árvore atrás de mim. No segundo exato calculado em minha mente, puxei a corda enrolada em um dos galhos. — Já era.

Tudo parecia ter acontecido em câmera lenta.

A armadilha debaixo do rapaz se abriu, revelando o buraco pra onde ele caiu com um grito interrompido pelo baque da queda (WAAAHHToffh). Junto dele, um som extremamente desagradável de coisas quebrando.

— Opa, foi mal aí, parece que o comitê tá fechado hoje — ajeitei minha mochila, guardando nela o passaporte e a Pokébola surrupiada no momento em que o posicionei na armadilha. — Cê não liga se eu pegar emprestado isso aqui, né? Falou, valeu, amigo! — após ouvir um gemido de dor como resposta, tratei de marchar para a entrada da caverna.

O quê? Cê tá me julgando? Ah, para! Ele vai ficar bem. Ele tá ótimo, só ralou um pouquinho. Tenho certeza.

Agora, eu poderia entrar numa tangente extensa sobre minha procura por um parceiro Pokémon, mas vou ser sincera: foi chaaato. MUITO. Devo ter passado, sem brincadeira, umas duas horas procurando por algo que valesse gastar aquela Pokébola e… nada. Quer dizer, achei alguns Zubat e hora ou outra um Solrock, só que eu já tava careca de ver essa galera por ali; Meteor Falls é quase minha segunda casa, conheço o percurso daquela cachoeira e aqueles trajetos de areia branca como um Shellder conhece sua própria concha. Eu queria algo diferente.

Segundo os boatos em Fallarbor, nos andares acima da caverna tinha um ninho de Bagon… é, pois é, seria insensato me aventurar lá em cima desprotegida e foi exatamente o que fiz. Talvez o zumbido dos morcegos azulados na minha orelha por horas tenha me deixado surtada. Quando dei por mim, eu tava lá em cima.

Ok, ok… Tudo tranquilo. Olha… Tem Golbat por aqui, que interessante… Opa, que cara feia. Beleza, melhor não mexer com esses caras. Vamos ver… ah, mais Solrock e mais Lunatone, que empolgante. Cara, será que não tem nada que valha a pe…

Espera. Peraí. Aquilo lá… é um Baltoy?! O que ele tá fazendo por aqui? Eles não são naturais do deserto? Ô, bichinho, cê tá longe de casa, hein? Beleza, isso é um sinal, tô sentindo. Vai ser você. Ei! Ô, vem cá, Baltoy! Ei, não vai pra trás dessa rocha, não! Essa rocha… estranhamente grande… que parece estar se mexendo… e… erguendo as asas…

Ah, olha, chegamos na parte onde paramos!

O Salamance rosnou mais uma vez… antes de aconchegar novamente para continuar o cochilo.  Atrás dele, o Baltoy flutuava abobalhadamente, colidindo com uma parede como se não estivesse prestando atenção no caminho.

Ok, duas coisas: sim, eu te enganei. Plantei aquele suspense no começo pra catar sua atenção, mas acabou que o Salamance não deu em nada. Ei, eu tinha que deixar esse rolê interessante, né? A outra coisa:

Aquele Baltoy… é um idiota.

Embasbacada com quão patético todo aquele circo tinha sido, aproximei-me do Pokémon com zero senso de direção. Vestindo minha melhor expressão de incredulidade, lancei-lhe a esfera de captura. Mal mirei. Acertei sem esforço.

Um. Dois. Três. Puff.

Pronto. Capturado. Fim.

Estava decidido. Aquele Pokémon… aquele seria meu parceiro. Aquele.

O que se seguiu depois… as memórias são vagas. Depois de sair cuidadosamente do andar do Salamance, eu lembro que… comecei a rir. Mas histericamente, sabe? Por longos minutos. Acredito que o riso foi alternado com algumas lágrimas, sim. Por fim, eu saí de Meteor Falls; desta vez pelo caminho que levava à Rota 115.

Não me orgulho da forma que deixei Fallarbor para trás: definitivamente não. Mas acho que todos possuem histórias constrangedoras no início; pelo menos uma, vai. Cheguei em Slateport de noite; usei o passaporte falso e minhas benditas economias pra pegar o último navio que partiria: uma ida direta pra Johto. Precisei de certa lábia pra explicar o porquê de minha foto estar tão diferente naquele documento, porém, tudo deu certo no fim. Na minha bolsa, um Baltoy nem fazia ideia do que o esperaria daquele dia em diante.

Pessoalmente, acho que eu deveria agradecer ao Salamance e ao moço que só queria um carimbo oficial da Associação de Viagens Marítimas de Hoenn. Por sinal… alguém tirou ele de lá, né?

Com certeza tirou. Tenho certeza de que ele está bem. Certeza.

Notas à Narração:
por Pixelabim
em Dom Nov 15 2020, 19:08
 
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Tópico: I. Eu não me orgulho do que fiz
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