Mayhem Opera

Reclusa no interior do meu espírito deparava-se a melodia ansiosa de uma cidade particularmente ignota, prestes a ser desbravada por mim, um singelo aventureiro leviano. Suas notas bradavam pela própria liberação, e minha presença as acalentava. Meu companheiro parecia igualmente senti-las, sentir suas vontades. A expressão em seus olhos o alcaguetava por completo.

Skrelp, que mal capturado havia sido já não estava em minha posse devido a uma negociação que me atraiu. Por um ovo do meu mais recente Pokémon, fora recebida a cria de um Riolu ainda em suas origens, criatura esta que dominava certa raridade. Como o procedimento de criação era moroso, não voltaria a ter o venenoso cavalo-marinho novamente tão cedo, ainda mais com a oferta bem-recepcionada de outro treinador distinto daquele o qual a troca já tinha sido feita.

Era uma tépida e remansada manhã que fora bem principiada com a minha participação no evento Holi Park, que me garantiu um novo amigo para compor a minha equipe e uma boa dose de diversão e aproveitamento pouco aparentes. Calcava sobre as ruas da cidade das músicas e arte. Pretendia passar o dia explorando os arredores para ter uma melhor noção do lugar, mas era capaz que meus planos se alterassem caso algo em especial ocorresse ao longo daquela pequena jornada. Não me foquei em pensar muito, então comecei a andar vagarosamente acompanhado por Aron, que teimava em ficar fora de sua Pokébola.

Enquanto caminhava pelas ruas de Forina, eram-me apresentadas as belas construções que replenavam a cidade. Todas com estruturas e ornamentos variados, mostrando-me dos mais diversos estilos de arquitetura. Forina não era também chamada de cidade das artes à toa. A cada passo que eu dava sobre o chão, mais descobertas eu fazia: entre estatuetas à simples decorações, tudo me surpreendia. Afinal, tudo era diferente da habitual Rustboro.

Após certo tempo, deparei-me com uma igreja barroca cujo vitral possuía uma extensa lista de representantes em cores dos Pokémon lendário do mundo. Acompanhando a bela arte dos painéis do local, encontravam-se esculturas de uma criatura que se assemelhava a um excêntrico lagarto bípede que despertavam a minha curiosidade.

Não prestei tanta atenção nos arredores porque a extravagância da igreja simplesmente me seduzia para seu interior. O estranho hábito de atentar a minha atenção às coisas que normalmente não interessariam as pessoas. Não muito fiz se não tentar adentrar diretamente ao recinto, seguindo para a entrada principal. Aron, ao meu lado, parecia acumular sua ânsia cada vez mais. Algo diferente de sua natureza, já que geralmente ele não se continha.

O interior do local, em contraste com a aparência externa, possuía enorme beleza e exuberância, com paredes e teto que pareciam ser banhados a ouro verdadeiro. Após algumas passadas adentro da igreja, pude não só notar a serenidade que residia dentro do recinto, mas como também o clima pesado que estava a pairar sobre o ar. Não havia nada mais que o casto sossego e a comparência de fiéis a orar. Fiéis estes que me espantavam e davam-me calafrios que desciam por toda a minha espinha. Para quem rezavam, e qual era seu líder religioso? No fundo da igreja, sobre o altar, estendia-se a figura do lagarto bípede anteriormente visto representado em estátuas... Seria esta a entidade para quem oravam?

Diferente do que normalmente fazia, resolvi não implicar em incomodar as pessoas do lugar, então apenas fui acomodar-me sobre um dos bancos para aguardar algum acontecimento iminente. Obviamente junto a Aron, que parecia mais inseguro e preocupado que um Charmander sem cobertura em dia de chuva.

Assentei-me sobre o banco suavemente, ao lado de uma carreira de fiéis que estavam a rezar. A partir deste ponto, pude ter a sensação de estar sendo mirado. Fora neste momento em que meus pensamentos tornaram-se realidade com uma garotinha de faces escurecidas que prescreveu minha atenção a vir a ela. Aparentemente ela havia confundindo-me com os outros ali presentes, mencionando o ato de orar. De fato, ajoelhar para fazer tal ação era coisa ordinária e fundamental, mas eu não havia adentrado à igreja para isso, mas sim por curiosidade pura; por vontade de descoberta. Não era minha culpa se as pessoas deixavam as portas das casas e construções abertas para visitas.

Após um curto prazo, pude notar melhor a aparência da criança que levantara a voz para mim, apesar de não atentar-me tanto aos detalhes. Era um tanto quanto roliça e sua pele era uma das mais brancas que já havia visto. A tonalidade escura de seu rosto provavelmente devia-se ao fato de que pudesse haver algum tipo de ritual naquela igreja onde as faces das pessoas precisavam ser “pintadas” com barro.

-Desculpe-me. – evitei comprar qualquer espécie de discussão que pudesse acarretar na minha expulsão do local.

Logo me pus de joelhos como os demais. Mas não rezei. Afinal, não possuía nem ideia de para quem oravam, se era ou não para o único deus a quem eu mantinha fidelidade. Apenas mantive o fingimento, tentando ocultar a falta de barro do meu rosto evitando olhares, que por mais que nem chegassem a vir, ainda tinham a capacidade de gerar nervosismo em mim.

Com o surgimento de um suposto líder religioso sobre o altar ao fundo da igreja áurea, compreendi que nada mais podia fazer se não esperar para que sua missa perfizesse, visto que apenas erguer-me e sair do lugar poderia ser julgado como insulto às crenças das pessoas ali presentes.

Enquanto aguardava o término daquelas longas frases que o homem recitava, comecei a ruminar sobre a aparência do hipotético líder e da igreja em si. Meus pensamentos eram preenchidos por inúmeras perguntas, como referentes à roupa do “padre” (“por que ele traja vestimentas patriarcais que parecem ter sido tingidas com vermelho e como elas estão relacionadas com a religião que eles cultuam?”), aos fiéis (“o que foi aquele sinal que todos fizerem em sincronia e por que todos possuem barro em seus rostos?”) e sobre a doutrina do recinto em si (“se eles veneram algum tipo de criatura divina, por que estariam discutindo sobre como enfrentar os desafios que a vida poderia lhes proporcionar?”).