0 - Nunca é tarde mais

"Meus olhos já estão cansados, incontáveis vezes foram aquelas que eles imploravam para fechar-se. Meus cabelos já me abandonaram, apenas esta longa barba ainda insiste em trilhar meus últimos momentos comigo. Meus ossos já passaram por mais dores que eu possa contar, eventos que me tiraram as forças; que secaram o tinteiro. O sangue é pouco e amargo, mas ainda arde apaixonadamente com alguns desejos. Dizem que nunca é tarde demais para começar. É nisto que resolvi acreditar"

Olhei para as minhas mãos calejadas, sentindo meus dedos levemente trêmulos e respirei fundo. O que um velho como eu poderia fazer? Havia me convencido que os meus últimos momentos de vida seriam vivendo um sonho. Assim, o silêncio do meu epitáfio será sereno, como há de ser. Uma vida cheia de ressentimentos, mas vivida com prazer. Não é de todo ruim, fazemos o nosso melhor, mas nem sempre somos recompensados por isso...

Havia passado esses anos ajudando no laboratório do professor, como um assistente. Ele não me motivou, é claro, mas dia após dia, vendo cada criança passar pela porta com um imenso sorriso no rosto, buscando por seus sonhos. Como isso não seria revigorante? Até para um velho que nem eu, o meu coração não é gélido para não comover-se. Era hora de falar sobre a minha decisão com o Birch.

Descruzei as minhas pernas, erguendo-me. A esta hora, já estava a meditar todos os dias. Cultivar a mente sempre foi uma prioridade após o meu incidente. Aliás, é uma ótima hora para contemplar-se os mistérios entre o céu e a terra. Peguei o meu cajado - que alguns chamam cruelmente de bengala, mal sabem como isso é doloroso - e fui até o laboratório, meu lugar de trabalho; ou melhor, ex-trabalho.

"Para algumas pessoas essa palavra pode machucar, mas não soa tão ruim para mim, kukuku"

Hesitei um pouco antes de abrir as portas. Minha mão estava parada na maçaneta da porta. Mais uma vez, respirei fundo.

"Que o coração desse velho ainda aguente mais algumas emoções"

Girei o pulso, vendo o interior do laboratório. O Professor Birch logo olhou para mim, com aquela mesma expressão de sempre.

— Sempre pontual! Hoje temos algumas papeladas para resolver, três iniciantes, e... - parei as falas com algumas tosses forçadas — Você está bem, Han?

— É claro que estou, conhece algum velho mais saudável que este aqui? Kukuku - faria uma pausa, o meu semblante um pouco triste, de fato — Foram bons tempos professor, mas creio que logo estão para acabar. Chega a hora em que a idade lhe toma tudo e todos, e suas única esperanças tornam-se aqueles sonhos infantis que você nunca realizou...

O professor entendeu o que eu queria dizer. As vezes, apenas o tom da voz diz mais que as próprias palavras.  

— Me lembro bem de você falando algo do tipo... Mas que coragem querer sair em uma jornada agora... - o professor refletia — Bem, não vamos deixar isso melancólico, estou feliz que decidiu trilhar um sonho, crescemos e nos esquecemos dessas coisinhas tão importantes... - ele olhava para as pokebolas, nostálgico — E eu achava que meu tempo havia passado! Mas que engano... - ele ria, com um sorriso meio bobo.

Birch pegou uma das três pokebolas em cima da mesa dos iniciantes.

— Você sempre gostou de montanhas, certo? Creio, que este será uma opção divertida para sua jornada! - ele me entregou a pokébola. Abri um sorriso verdadeiro pela primeira vez em um bom tempo.

— Saia dai Torchic, temos um longo caminho pela frente! Kukuku.