Dias de treinamento com todo o vigor

- Acho que além do meu irmão ninguém mais é treinador nas minhas últimas..... noventa gerações? Ao menos nunca ouvi falar de outro Freda que fez isso - cocei a cabeça um pouco pensativa; o saudosismo ao pai me indicou uma situação delicada que, por precaução, preferi desviar. Não ligaria em falar sobre o assunto mas não sabia o quanto Matt ligava - Eu comecei com Meganium mas não tenho afinidade à nenhum tipo de pokemon até onde eu saiba. Teve alguns que tive pouquíssimo contato na vida. As próprias fadas foi o Thito que me apresentou... eu acho - Afirmei mas depois questionei minha própria afirmação.

Minha dúvida surgia do fato de eu não mais me recordar se o Battle Factory viera antes ou depois do Contest em que vi Thito; se foi, Clefable havia sido meu primeiro contato, ainda que digital. No processo de reconstrução da linha do tempo dei de ombros; ainda que estivesse errada, um pokemon digital não tiraria o mérito de Sylveon ser o primeiro Fairy que eu vi. Ri um pouco boba e continuei:
- Fera é seu inicial? Acho que é inevitável acabar tendo esse tipo de relação mais aflorada. Já tentei muito ter a mesma relação com meus outros pokemons mas é quase impossível - Disse, num misto de sentimentos um pouco confuso - Eu já me senti culpada por isso mas... é, realmente acho que é inevitável. A gente tem mais história com um ou outro pokemon, meu Gliscor por exemplo, passou por tanto comigo que... sei lá... é diferente, né?

Ouvi-lo falar de Fera me acalentou o coração; a imagem daquele pequeno Totodile se apegando a Matthew fazia meus olhos brilhar. Eu sempre achei os iniciais de Johto (assim como o continente inteiro) os melhores; Meganium não está comigo atoa, pra mim Chikorita será sempre a melhor opção. Nunca ninguém ousaria me perguntar se me arrependi da minha escolha! Fora nessa hora que estremeci: me dei conta de que Matthew nunca sequer viu Tyr. Oh, que estranho; meu Meganium está quase sempre comigo. Rememorei nossos encontros e relembrei à última vez que batalhei com Tyr e... sinceramente? Acho que desde Mu Island isso não acontece; como eu permiti que isso acontecesse? Os intensivos com Jellicent ou Bellossom tomaram conta do meu tempo. Balancei a cabeça como num cheat para resetar meus pensamentos, batalhas não estão em questão agora, Winnie!

- Aaaah, a minha Electabuzz também ganhei do ovo e ta comigo até hoje! Ela é de Hoenn mesmo mas ela é uma gracinha. Talvez os dois se dêem bem! A gente vive treinando juntas, sei lá, nosso estilo de batalha combina... - Comentei e ao fim rememorei a última batalha que tive ao lado de Nicholas, que ele deixara meu pokemon ser nocauteado por pura avareza. Balancei a cabeça mais uma vez, na tentativa de excluir da cabeça esse pensamento mas desta vez não consegui esconder o cair dos lábios. Logo mais continuei - É, acho que no fundo eu tenho um gostinho por batalhas.... Eu nego mas até que é gostosinho competir. A sensação de estar num ginásio, em uma competição, ela é muito boa! Ah, se ganhar né, porque perder é horrível.

É, parece que batalhas virou sim a questão. Para piorar meu sorriso não subiu de novo; rememorar o sentimento de derrota é bastante chato. Fico feliz por meus pokemons não terem magoas das minhas falhas; é a saúde deles que está em questão e eu não deveria falhar assim. Lembro até hoje do quanto prejudiquei o time por deslizes bobos ou por querer priorizar o treinamento de um ou outro golpe, ou ainda, um ou outro pokemon. No fim eu sabia que nocautes doíam e isso não me permitia afirmar que eu gostava de batalhar com tanta firmeza como os outros treinadores.

- Eu nunca perdi com Hela, minha Electabuzz. Nem quando ela era Elekid! Mas acho que não é lá muito por mérito meu, eu só botava ela em batalhas completamente seguras, que eu tinha certeza que ela iria ganhar ou do lado de algum pokemon muito forte. Talvez por isso somos uma dupla tão confiável - Comentei; eu tinha certeza que era muito mais por precaução do que por sermos realmente invencíveis - E eu tenho que desafiar Gwen. Não aceito essa derrota até hoje.

Era enquanto conversávamos que a comida chegava; o garçom ia à mesa com uma pequena bandeja com uma tigela bastante farta de comida. A tigela de boca alta trazia consigo camarões mergulhadas num molho bastante líquido, quase sem nenhuma viscosidade. O molho era laranjado, cor típico do Curry e talvez lembrasse Matthew de algum tipo de Strogonoff que já comera; podia parecer fisicamente mas o gosto era completamente diferente. Agradeci ao rapaz jovem que nos atendia, pegava meu drink e botava-o ao lado do prato. Eu nunca fui lá muito forte com bebidas então preferi ao menos dar uma ou duas garfadas no prato para beber. Peguei duas conchas médias e distribuí pelo canto esquerdo do prato. Ao fim preenchi o direito com uma colher pequena de arroz, salpiquei um tipo de pimenta que tinha sobre a mesa e falei:
- Bem, é muito parecido com comer Strognoff, sabe? Só que sem batata palha e essas coisas. O Arroz absorve bem o Curry então você põe ele do lado pro caldo não vazar em geral... Não sei, não se põe muito acompanhamento em Curry, em geral uma ou outra erva. É isso, o que acha? - Perguntei, esperando que ele experimentasse para me responder.

Finalizando a fala cacei um camarão mais gordinho com o garfo e levei à boca. De início arrepiei; tanto tempo longe da culinária me fez desacostumar com pimenta, ainda assim aquele ardor me encantou. Não era forte; era suave. O camarão estava tão macio que parecia desmanchar pouco depois de mordê-lo e sua textura era tão igual a lula; um dos meus pratos favoritos. Engoli animada e logo coloquei uma segunda peça na boca.

Esta é a hora que se fica em dúvida; se come ou se fala? Bem, eu nunca fui lá uma menina de etiquetas mas acho que seria minimamente educado não falar enquanto come, né? É, acho que sim. Continuei à comer e, desta vez, dei um ou outro gole na bebida, intercalando com a pimenta adicional. Vez ou outra fazia pausas longas, querendo ou não, eu estava longe de ser resistente ao álcool ou à pimenta, ainda assim, apesar de todas as diferenças ao meu paladar comum, aquilo estava delicioso.

Matthew fora na mesma direção que eu; aproveitamos o tempo de comida para se acostumar com o silêncio. O restaurante era bastante falado e movimentado; a própria cultura indiana parecia estar presente nele. Garçons velozes como nunca vi antes, espaços pequenos entre mesas e pessoas com ótimas gingas para movimentar-se para lá e para cá. Terminei meu prato e meu drink estava quase intocado. Respirei fundo e de uma vez comecei a bebê-lo pelo canudo, como quem estivesse tentando virar uma dose de moto pouco habitual. Terminei-o de uma vez, sorri e antes do álcool começar a fazer efeito tomei forças e disse:
- Oh, você daqui vai direto para Forina? - Perguntei, num sorriso bobo pouco simpático mas bastante convidativo. Depois disso uma pausa bastante longa; não quis deixá-lo a deriva de uma expectativa mas também não tinha motivos para falar o porquê de perguntar aquilo.

Aos poucos meu prato era recolhido. Havia uma desvantagem em me convidar para encontros em restaurantes ao que tudo indica: eu como rápido e pouco. Retomaria a conversa quando ele terminasse, ainda assim, a dúvida estava posta.

- Oh, esqueci que pra você é mais delicado. Desculpa - Continuei; era de se esperar que Matthew não soubesse o que fazer ainda - Eu ia te pedir uma carona... Ou te oferecer uma... ou sei lá. Talvez tenha bebido demais, não sei bem o que ia dizer - Finalizei, denunciando o quão mal formulada ficou a frase.

Esse era o momento que eu não saberia continuar. Tomei a liberdade de roubar um gole d'água de Matt e, feito isso, empurrei meu Drink vazio para frente e arrastei de leve a cadeira para trás:
- Eer, eu vou no banheiro rapidinho, quer pensar na ideia enquanto isso? - Indaguei.
Sem esperar muito uma resposta (não imaginava ela sendo negativa) me levantei. Marchei até as placas indicativas e lá fiquei por um tempo. Encarei o espelho um pouco perdida e liguei a torneira para ouvir o barulho corrente. Respirei fundo, molhei as palmas da minha mão e toquei meu rosto: eu estava bêbada. Talvez pela primeira vez; não estava lá tão bêbada assim mas era uma alteração bastante incomum pra mim. Ruborizei para meu próprio reflexo e só então me toquei que estava indo à um encontro logo após batalhas e treinos, ou seja, eu nem sequer me arrumei! Ajeitei o cabelo um pouco sem graça, sequei as mãos, encarei mais uma vez meu reflexo e depois desses longos minutos saí. Eu não estava apertada ou precisando de fato ir ao banheiro; só achei necessário essa pausa reflexiva.

Caminhei até a mesa e logo mais já estava lá, sentada na cadeira à frente de Matt e esperando alguma devolutiva que não sabia ao certo se vinha. Era bem provável que eu acabe indo sozinha, ainda assim, sua companhia era bem vinda.