Dias de treinamento com todo o vigor

A disputa finalmente acabava e não pude deixar de reparar no Feebas de Daisuke. Claro, seu Fletchinder também era formidável, mas o aquático parecia estar mais reluzente, com suas escamas extremamente brilhantes ao ponto de cegar quem o olhasse por alguns segundos em contato com o sol. Sorri e me aproximei do rapaz, a fim de continuar nossa conversa e falar sobre uma possível revanche.

Antes mesmo que pudesse começar a falar, Tyler me interrompia, comentando brevemente sobre a evolução de seu Whismur e partindo para outro assunto um tanto quanto diferente. Aparentemente, desde o começo de nossa batalha um senhor nos observava sinistramente do outro lado da cerca. Estava tão focada na batalha e em Daisuke que sequer havia reparado nele, o que é um pouco estranho já que sempre sou muito alerta com tudo que acontece ao meu redor: vivendo nas ruas, é algo que acabou se tornando intrínseco ao meu ser.

O velho se aproximava com passos lentos, atravessando todo o campo de batalha e parando a poucos centímetros de distância de nós três. Mostrou seu interesse principal pelo rapaz de olhos verdes, dizendo logo em seguida que tinha uma proposta para nós dois, Daisuke e eu... Hã? O quão estranho é um senhor ter observado-nos estranhamente por vários minutos e agora falar que tem uma oferta. Observei ele se encaminhar para o Centro Pokémon, onde aparentemente estaria aguardando uma resposta.

— Que creepy... — olhei para Daisuke com um olhar duvidoso e envergonhado — Espero que não seja nada demais.

Ri para disfarçar meu nervosismo, afinal, vai que era apenas um velho tarado? Eu não sou feia, muito menos Daisuke, sabe-se lá... Tem maluco para tudo, principalmente aqui em Hoenn. Voltei minha atenção para Tyler e seu Loudred recentemente evoluído: o rapaz não tinha interagido comigo direito, então achei que fosse hora de tentar puxar um assunto.

— Parabéns pela evolução! — sorri amigavelmente — Tivemos muitas evoluções hoje, né?

Ao lembrar da evolução de Ralts, lembrei que precisava recuperar as forças dos meus pequenos já que ambos haviam tomado grande dano por parte do time de Daisuke, começando a caminhar lentamente na direção do estabelecimento.

— Acho que vou passar no Centro Pokémon... — olhei para o rapaz e seu Fletchinder — Você se importa de esperar um pouco? Posso aproveitar e ver o que aquele senhor quer.

Daisuke se preparava para ir aos Correios e nesse meio tempo, segui para o Centro Pokémon recuperar meus pequenos e tentar descobrir o real porquê do velho senhor ter nos abordado.

Adentrei a porta do estabelecimento procurando-o, mas antes preferi entregar meus monstros de bolso para a responsável pelo local, recuperando a vitalidade perdida na batalha contra o gentil rapaz de olhos verdes. Dei uma certa disfarçada, até avistar o senhor e me aproximar receosamente do mesmo, afinal, não sabia quais eram suas reais intenções. Respirei fundo e o abordei de maneira serena, sem qualquer sinal de agressividade.

— OI! — cocei a garganta, por algum motivo minha voz tinha saído muito alta — Er... Desculpe, mas o que o senhor tem a oferecer para nós dois? Estamos curiosos. — sorri timidamente, sentando-me em um puff próximo a ele — Me chamo Karinna.

Embora essa simpatia toda não faça nem um pouco parte da minha personalidade, imagino que toda aquela energia maravilhosa que Daisuke e seus Pokémon emanam estava me afetando de alguma maneira... Em que mundo eu seria simpática desse jeito?

Estranho.

Matt, não esquece de contar a página pro ovinho, please

A conversa com o velho esquisito começava e apesar de toda boa vontade e simpatia que exalava do meu ser não-amistoso, ele parecia me elogiar e depreciar isocronicamente. Claro, talvez a intenção dele fosse me ajudar, mas nunca lidei muito bem com críticas... Quando comecei a digerir as palavras, o sorriso amistoso dava lugar a um face séria, lançando olhares para Daisuke — que por sua vez era enchido de elogios — como quem o parabenizasse ao mesmo tempo que me frustrava, mesmo que levemente, com aquilo.

Respirei fundo.

Alguns segundos se passaram e Netero encerra a conversa com uma pergunta séria, convidando-nos para fazer parte de uma sociedade: Circulus Virtutum. A ideia parecia legal, ajuda mútua e tudo mais; meu receio estava em mim mesma, se não conseguia lidar com uma leve crítica como seria quando entrasse lá? E se rissem de mim? E se vissem que tenho apenas três Pokémon? Um sequer ainda nem chocou...

— Daisuke é realmente um treinador e coordenador exemplar. — sorri na direção do rapaz de olhos verdes — Além de ser um amor... Exatamente o que vocês precisam.

Voltei meu olhar para o velho, que terminava de tomar seu café e alternava seu olhar entre nós dois. Ajeitei parte da minha saia e mexi nas pontas do meu cabelo, como se processasse aos poucos as palavras certas a serem ditas em seguida... Procurei em minha bolsa as duas únicas esferas bicolores com conteúdo, posicionando uma em cada mão enquanto apoiava-as sobre minhas coxas.

— Mas eu? Só tenho dois Pokémon... — olhei para o alto — Tudo bem que eles são minha família, mas eu não tenho nada a oferecer a vocês... Eu não batalho bem, não sou uma boa coordenadora, vide minha posição na Wallace Cup. — dei um sorriso sem graça — Tem razão que não se enganaram?

Era difícil não me diminuir, mesmo sabendo que havia batalhado muito para estar ali. Hoenn foi grande balde de água fria na minha cabeça, cheguei em Slateport semanas atrás achando que domaria o mundo em minhas mãos — por ter amadurecido rapidamente para alguém da minha idade —, mas a realidade era outra. No meu primeiro dia aqui alguém colocou fogo em uma cabana, incêndio este que poderia ter ceifado a vida da Kirlia que seguro na minha mão esquerda e eu sequer fui capaz de descobrir quem foi.

Netero parecia extremamente inteligente e sabe-se lá se a sociedade tinha ideia de quem eu era e tudo que havia passado para estar ali... Claro que eu teria muito prazer em fazer parte da Circulus, mas antes tinha que ter certeza que não se enganaram, para depois não me abandonarem por aí por não estar dando o retorno que necessitam. Chame de mecanismo de defesa, mas eu precisava prezar pela minha própria saúde mental.

— Eu gostaria sim. — disse um pouco baixo, com a voz quase falhando. — Obrigada pela oferta.

Depois das palavas de encorajamento de Netero, abri um novo sorriso enquanto assinava o termo de compromisso. Sei que não seria uma das melhores participantes da sociedade, mas faria o meu máximo para trazer orgulho para os mesmos que acreditavam no meu potencial. Com ambas as esferas em meu colo, apontei a de Sushi na direção do velho.

— Netero, tenho apenas um último pedido, — disse em um tom de voz desafiador — Mostre-nos o poder da Circulus Virtutum em uma batalha 2x2.

A proposta era claramente desafiadora, uma vez que tinha certeza absoluta que um senhor com a sabedoria dele estaria repleto de Pokémons poderosos. Entreguei o documento nas mãos do mesmo, me levantando imediatamente com o ovo nos braços e seguindo para fora do Centro Pokémon.

— Aguardarei lá fora a resposta. — segurei a porta automática, me virando uma última vez e voltando para o campo onde anteriormente havia batalhado com Daisuke.