#001 On the Run

A organização do evento já parecia ter meio caminho andado. Algumas barracas já se encontravam montadas, enquanto outras ainda estavam em andamento. Parecia que seria um evento de proporções razoáveis, tendo em conta a quantidade de pessoas que via transitando por ali.

“Restaurante do Sr. Jyn”, encarava a faixa que tinha amarrado ao meu pulso, enquanto pensava no fato do velho senhor quase ter me reconhecido, certamente por eu ser um pouco parecido com meu pai que, diferente de mim, era um tanto mais social com a vizinhança e a cidade também. Nesse momento não pude evitar de pensar o que eles estava a fazer.

O local era grande, mas não demorei em encontrar os treinadores que me auxiliariam ali. Uma garota e uma garoto, cada um com seu Pokémon ao seu lado. Ao apontar a Pokédex para eles, ainda há uma distância considerável de ambos, o pequeno aparelho eletrônico me notificava que se tratava de uma Cleffa e um Timburr.

Olhei para Spheal e com um acenar de cabeças nós nos aproximamos dos treinadores. A pequenina, diferente de mim, foi logo socializando com os Pokémon ali presentes. Eu, seu treinador apenas sorri de maneira tímida para ambos, para que notasse minha presença e me apresentei.

- Olá, meu nome é Abner. Estou trabalhando temporariamente para o Restaurante do Sr. Jyn. É um prazer conhecer vocês . Espero que possamos nos dar bem juntos.

Não conseguia deixar de ficar surpreso com a habilidade de minha pequena Pokémon em ser sociável. Spheal sempre demonstrou ser do tipo atenciosa, mas começava a perceber um forte sentimento sendo emanado por ela. Para a pequena parecia que a união com o próximo era algo importante.

Sobre os Pokémon que Spheal estava a socializar, Cleffa aparentava ser um pequeno bebê, tanto em aparência como em atitude; Timburr, pelo que percebi, era mais convencido e seguro de si. Daquele tipo que sempre esboça um sorriso de malandro ao fim de suas frases. Mas independente ou não de suas personalidades, Spheal estava conseguindo lidar eles e pareciam se divertir.

Entre a frase de Emily e Carl, eu não tive muito tempo de réplica. O rapaz de macacão parecia ser o mais experiente ali e mais forte, segundo ele mesmo, parecia querer assumir o papel da liderança. Não me manifestaria contra sua vontade de tomar as rédeas. Eu e Emily trabalharíamos juntos na montagem de algumas tendas. Carl logo tratou de pegar as vigas que eram a base das tendas e montar suas estruturas.

Enquanto não havia tendas armadas, tomei um tempo para conversar com a treinadora que trabalharia comigo na arrumação interna. Certamente minha curiosidade era em como aqueles dois, de personalidades tão distintas, haviam se conhecido e qual era a relação de ambos. Também enfatizei o fato de que estava iniciando agora minha jornada como treinador, mas que Spheal e eu já possuíamos uma história juntos. Cheguei até mesmo a mencionar os minutos que passaram desde o momento que me tornara um 'viajante'.

Enquanto conversava com Emily não vi o Pokémon que se aproximava de minha pequena Spheal até ser tarde demais. Sou interrompido do meu dialogo com a treinadora quando minha Pokémon, rolando, bate em minhas pernas, me fazendo fraquejar por alguns segundos. Parecia que a solução que ela encontrara foi se afastar do outro de sua espécie.

- Spheal, olha só! Um outro Spheal! – disse surpreso. Certamente a pequena não tivera muito contato com os de sua espécie após vir morar em minha casa. Sugeri para que ela fosse brincar com ele, para se conhecerem, mas quando vi o olhar apaixonado do segundo, e a face de sofrimento de minha Pokémon, entendi o que estava acontecendo.

De repente os problemas começaram a aparecer. Precisava cuidar das barracas, pensar em uma maneira de distribuir a comida e ajudar minha Spheal. Spheal era a que receberia minha atenção primeiro, pedi para que Emily cuidasse da decoração da tenda sozinha por alguns segundos. Meu foco, no momento, era finalizar com aquele trabalho e cuidar para que tudo ocorresse bem. Pensando nisso fui falar com Spheal, que estava escondida atrás de mim - como se isso fosse possível.

- Spheal, me desculpa, mas a única maneira de você escapar do seu namoradinho é entrando em sua Pokébola. Quando ele sair das redondezas eu te coloco para fora de novo. – disse isso agachado, olho no olho, para que ela não se sentisse diminuída. Spheal pareceu aceitar, embora sabia que ela preferisse o ar livre.

Voltei minha atenção para a tenda. Contei para Emily minha ideia de organização. Lembro que assistira alguns programas de competição culinária enquanto em casa. E uma maneira de organizar bem os pratos era simplesmente montá-los e deixá-los prontos sobre a bancada. Os clientes, em uma fila indiana, viriam e pegariam seu prato. Claro que para isso seria necessário uma linha de produção eficiente, que não deixasse os pratos acabarem.

Não estava prestando tanta atenção nas palavras de Emily como gostaria, meu foco estava mais concentrado no Spheal desconhecido, esperava que aquele pequeno saísse das proximidades para, então, liberar a minha pequena Pokémon.  

Assim que percebi que Spheal havia se afastado, cabisbaixo e sem rumo para onde ir, cautelosamente libero minha parceira. Spheal não estava acostumada em ficar em sua pokébola, assim que saiu piscava seus olhos, sua pupila dilatava-se com a mudança repentina de iluminação, parecia.  Dei uma leve piscada para a Pokémon, simbolizando que a área estava tranquila.

Depois de garantir o conforto para minha Pokémon, volto a atenção para Emily. Enquanto interagia com minha Pokémon ouvia, em segundo plano, as palavras da jovem treinadora. Ela parecia determinada a ser uma especialista em um único tipo de Pokémon. Mas foi sua pergunta que fez com que meu corpo esquentasse.

“Quais são minhas metas? Eu sequer esperava que iria me tornar um treinador Pokémon há menos de uma hora. Antes disso minha meta de vida era viver tranquilamente em uma casa próximo a praia, talvez.”, aquela questão me fizera pensar, talvez até mesmo no motivo de minha existência.

- É uma questão complexa, me tornar treinador foi algo um tanto inesperado na minha vida. Não que eu não desejasse, mas não tinha planos para isso. Mas agora, parando para pensar, acho que meu objetivo é explorar tudo que me for possível, junto de minha Spheal. – nesse momento olho para a Pokémon, que está a atrapalhar o caminho das pessoas enquanto rola por aí. Spheal era minha companheira  já havia anos.

O grito estridente de Carl nos tirou de nossa conversa e colocou-nos de volta ao trabalho. Eu e Emily partimos para dentro, a fim de terminar a tarefa designada para nós. Carl parecia ter uma habilidade inata de liderança.

Enquanto fazíamos nossa tarefa, de montar a estrutura onde a comida ficaria, continuei pensando sobre a pergunta de Emily. Spheal havia nos acompanhado, para uma Pokémon que muitas vezes parecia presa em seu próprio mundo, ela sempre demonstrou ser bem cautelosa com relação a estar perto de mim.

Emily se mostrava uma pessoa agradável para conversas. Por todo o momento que trabalhamos juntos, não houve sequer um em que o silêncio se instalara entre nós. Ela parecia estar disposta a sanar minhas dúvidas e eu as dela. Eu, como iniciante, aprendia algumas coisas básicas com ela.

“Nunca pensei que começaria a refletir sobre meu futuro como treinador Pokémon tão cedo”, pensava comigo ao ouvir a pergunta dirigida a mim. Olhei para Spheal, naquele momento não conseguia pensar naquela pequena Pokémon evoluindo para algo maior e de aparência diferente.

- Eu e Spheal também nunca batalhamos. – disse em complemento com as ultimas palavras ditas pela treinadora – Quanto a evolução, não consigo imaginar minha Spheal de uma outra maneira se não esta. Acredito que o que ela deseja também é importante, mesmo que o dia de sua evolução demore a chegar.

Enquanto respondia Emily não pude deixar de observar Spheal, mais uma vez. Ela parecia tão despreocupada com tudo, apenas focada em se divertir e curtir ao máximo o tempo fora do apartamento. Possuía uma ideia inicial, mas isso não significava que ela fosse imutável. Tudo era uma questão de tempo.

Já estávamos quase terminando os preparativos finais quando um pequeno problema apareceu. Parecia que a temperatura elevada havia derretido o gelo das bebidas, logo, deixando o líquido nas garrafas em uma temperatura ambiente – algo nem um pouco refrescante. Carl nos incumbiu de resolver aquilo, pois precisava passar no restaurante.

- Bem, segundo minha Pokédex, Spheal possui movimentos do tipo gelo. Talvez se pegássemos um balde com água, poderíamos transformá-la em gelo. Depois só precisaríamos de algo forte o bastante para quebrar o gelo em pedaços menores. – sugeri para Emily.

Chamei Spheal para perto de mim, apenas esperando o aval de minha colega de trabalho. Não optara por utilizar o movimento diretamente nas garrafas, pois não sabia se Spheal era capaz de dosar a força, logo, correndo o risco de congelar demais as garrafas e torná-las inconsumíveis.

Congelar a água no balde mostrou-se ser bem efetivo. Spheal parecia feliz com resultado, batendo suas duas nadadeiras como sinal de felicidade. Por dentro eu estava feliz com o resultado, mesmo que não expressasse nada externamente.

O único problema seria como iríamos quebrar o gelo. Spheal não possuía nenhum movimento que realizaria tal proeza. Ainda que não tivesse ideia do faria, pedi para que Emily providenciasse um pouco mais de água, pois parecia que o gelo de todos os isopores estava derretido já.

Enquanto pensava, de repente, notei um pedaço de madeira passar em meu campo de visão, era Timburr, parecia que o pequeno Pokémon lutador havia ficado no estabelecimento. Foi então que minha mente clareou e a solução para o problema de quebrar o gelo me vinha.

- Timburr, você não teria algum movimento bem legal para quebrar todo esse gelo, teria? – disse me colocando agachado, para ficar em uma altura próxima ao do Pokémon. Precisaríamos realizar um pequeno trabalho em equipe ali. Depois de conversar com o lutador, direcionei meu olhar para Emily - Vamos tentar terminar isso o mais cedo possível. Conto com você - fiz um sinal de positivo com meu polegar, levantei, tirei a poeira da roupa e voltamos ao trabalho.