Se a sensação que tínhamos de uma certa distância "segura" daquele tal ponto cego já era bastante estranha, estando dentro do próprio ambiente suspeito nos deixavam, no mínimo, arrepiados. A primeira impressão que eu tive era de caminhar direto para uma força muito maior do que eu, muito maior do que qualquer coisa que já vi ou imaginei. Me sentia como um pequeno ímã diante de outro muito maior, cuja força de atração ou repulsão superava qualquer tipo de reação ou tentativa de superação. A única diferença é que não parecia me expulsar ou me atrair, simplesmente estava ali, era palpável e quase tão densa que eu poderia cortar com uma faca. A escuridão e o vazio parecia nos abocanhar como um pedaço de torrada coberta de uma deliciosa manteiga e não era só eu que sentia. Via na expressão de Sophia que ela também sentia algo parecido, sem contar Luci e Yuri, paralisados de algo que eu nem sabia descrever. Medo? Talvez algo mais... Para piorar a situação, a única coisa que surgia diante de nós eram esferas vermelhas, orbitando e se dirigindo a dois olhos também vermelhos. O que isso seria?

— Ok, vocês também estão vendo isso? Eu não estou louco, não é? — Dizia para os outros três, pensando em correr, mas sem conseguir me concentrar nos atos necessários para tal. O que poderia estar gerando isso em todos nós? Um Pokémon psíquico talvez? As artimanhas de um noturno ou as malfadadas artes lúdicas de um fantasma? Independente do que fosse, já afetava nossos Pokémon e os deixava desmotivados. Golbat tentava buscar o abrigo nos braços da Ranger, enquanto Geodude praticamente engatinhava até perto dos meus pés e as rochas que compunham seu corpo estavam literalmente, trêmulas. Além disso, os próprios Pokémon naturais deste local pareciam fugir desesperados, o que me fazia pensar que tudo isso não era obra de alguma criatura comumente encontrada aqui.

Mesmo diante dos perigos claros e evidentes, nós quatro seguimos adiante. Uma sensação ambígua de desistência, mas também de poder me fazia querer voltar, mas também avançar. Por fim, a coragem parecia vencer. Em certo ponto, até as próprias paredes sentiam a energia emanada, rachando ou quase despedaçando-se. O que fazer? Se Meo-Mey estivesse ali, certamente teria coragem suficiente para se meter em qualquer confusão que eu a levasse, mas não sabia se outros dos meus Pokémon também teriam a mesma garra de lutar contra algo tão poderoso — Eu tô com medo Luch... O que é isso?  — Dizia Luci, praticamente agarrada no braço de seu irmão, vindo um pouco atrás de mim. — Eu não sei... Realmente não sei, mas acho que vamos descobrir logo. Só não sei se isso é bom ou ruim. — Comentava com os demais, olhando ao redor, tentando observar algo que pudesse me fazer entender o que havia. De repente, uma ideia me passou pela cabeça. Se tinha alguém que era capaz de sobreviver a maioria dos ambientes difíceis, esse alguém era Lira. Retornei Geodude para sua cápsula e lancei a Magikarp para saltitar na nossa frente — Lira, conto com você para saltar por aí, sei que você aguenta! Faça seja lá o que tiver aí se revelar! — Disse para a Carpinha, que se debatia enlouquecidamente em meio a escuridão.

Minha estratégia possivelmente não seria compreendida pelas pessoas daquele local, mas enviar Magikarp era uma forma de atrair a atenção do que estivesse por ali, além de evitar o pior, pois a Karpinha era resistente e não ofereceria riscos para si mesma e nenhum de nós se algo desse muito errado. Entretanto, mesmo a mente tão simplória de Lira havia conseguido ser afetada por aquele "ar" misterioso e opressor. Seus olhos ficaram opacos e ela agia ainda mais estranhamente do que o normal, como uma verdadeira zumbi! O que estaria causando isso? Antes mesmo que eu pudesse pensar no assunto, uma sombra... Um vulto... Algo obscuro surgiu da escuridão da caverna. Parecia enorme, monstruoso, gigantesco! E foi diminuindo, conforme se aproximava de nós.... A sombra apenas estava esticada e o dono dela, ou melhor, a dona não tinha nem um metro de altura, mas eu a conhecia muito bem — É a Meo-Mey? Não é possível! Por que ela está assim?  — Perguntou Luci, horrorizada.

— Sim, com certeza é ela... Mas, a mente dela não parece nada boa. Seja lá o que há de errado com essa caverna, está afetando ela! — Disse para os demais, retornando Lira para sua Pokébola. Em seguida, dei um passo a frente, protegendo as crianças de um possível ataque. A felina deixava suas garras de fora e claramente não queria paz e carinho. Minha expressão estava muito fechada, mas dentro da minha mente se passava um turbilhão — Sophia! Você que andou pela caverna recentemente... Sabe o que pode ter causado algo assim para minha Meowth? Ela só é um pouco sonolenta, mas não seria capaz de me fazer mal...  — Lamentei com a Ranger, questionando-a sobre sua experiência anterior com o local e suas peculiaridades possivelmente.

— Luch... Se ela ficou assim com algo daqui. Nós também podemos ficar?  — Questionou Yuri, engolindo em seco e ficando ainda mais escondido atrás de mim, enquanto ajeitava seus óculos para ver melhor o avanço de Mey — Espero que não... Acho melhor vocês saírem daqui de qualquer modo. Pode ser perigoso demais! Mas eu não vou abandonar Mey...  — Disse para os Macchiato e também para Sophia. Esperava que a menina tomasse conta dos pequenos e deixasse eu tentar resolver de uma forma pacífica primeiro. Afinal, a responsabilidade pela Meowth era minha e se algo de ruim acontecesse seria a minha culpa — Mey! Estamos juntos há muito tempo! Antes mesmo dessa jornada! Eu sei que não é você agindo assim, mas você está aí dentro. Eu vou me aproximar e vou te abraçar, tenho certeza que não me fará mal!  — Dizia eu, com uma grande confiança, talvez estúpida o suficiente para causar uns retalhos em mim. Entretanto, precisava tentar. Com os braços abertos, aproximei-me lentamente da Meowth para tentar abraçá-la.

Com meus Pokémon retornados para a Pokébola, eu apenas mantinha meus braços abertos, caminhando lentamente na direção da Meowth "possuída". Tinha confiança de que ela me reconheceria e sua mente clarearia finalmente, permitindo que saíssemos dali em direção a um lugar mais seguro. Entretanto, as coisas não acabariam exatamente como eu esperava... Assim que estávamos a uns bons dois ou três metros de distância pude ver com clareza os olhos de Meo-Mey. Eles estavam transtornados e finos como um fio de navalha. Por um segundo eu hesitei e parei de andar. Eu podia jurar naquele instante que Mey também havia parado, pois em seu olhar transtornado eu ainda conseguia identificar uma luz da Meowth que eu conhecia. Entretanto, nesses segundos ou menos que isso, que pareciam ter durado minutos, a Pokémon não havia parado e ainda avançava contra mim, correndo e saltando com as garras em posição de ataque — LUCH! CUIDADO! AAAAAAAH!  — Gritou Luci, assustadíssima, tampando os olhos com as mãos. Sim, era inevitável o que aconteceria comigo.

— Mey! Por favor pare! — Eu dizia, protegendo meu rosto com os braços e recebendo uma sequência de movimentos furiosos das garras de Mey, além de mordidas e tapas que visavam acertar minha testa. — Ela vai matar ele? Sophia? O que a gente faz?  — Questionava Yuri para a Ranger. Eu mesmo não sabia o que fazer, estava em uma posição desfavorável e não bateria em minha querida companheira, mesmo que estivesse me atacando. Sentia os braços arderem cada vez mais com cara repuxão da pele retalhada. Em pouco tempo o sangue cobria o caminho entre os cortes e o cotovelo, onde gotejava diretamente nas minhas pernas ou no chão. Por fim, acabei tombando no solo pedregoso com a Pokémon ainda acima de mim, procurando uma forma de furar meu bloqueio e acertar minha face — Tentem segurá-la...! AI! Sem ferí-la! AAAI! Por favor... Ela não está conseguindo se controlar! — Dizia em alto e bom som, entre gritos de dor muito sinceros, que pareciam ser arrancados de dentro de mim à força.

Apesar de não conseguir ver nada muito bem durante os ataques, senti que Sophia movimentou-se e aproximou-se, tentando agarrar Mey e tirá-la de mim com bastante força. Talvez tentasse apenas segurá-la ou lançá-la contra uma parede ou pedra para que desmaiasse. Meu estômago embrulhou com a ideia, mas sabia que não tinha muito jeito dela ajudar sem fazer algo do tipo. Cabia a mim tentar algo mais definitivo! Se Sophia conseguisse tirar a Pokémon de cima de mim, agiria rápido para evitar que ela também sofresse os ataques, apontando a Pokébola de Mey para a Meowth, fazendo-a retornar. Se Sophia não conseguisse ou a cápsula não fosse efetiva em retorná-la, jogaria meu peso do corpo sobre a Pokémon, prendendo-a contra o solo até que conseguisse acalmá-la, fazê-la parar ou até Sophia usar Poliwag para fazê-la dormir. Em seguida, sairia do local o mais rápido possível, levando Luci e Yuri comigo, se possível.