(002) - Clean

Tinha dado certo, aquele momento de coragem realmente deu certo. A menina tinha me convidado para passear no lago pra procurarmos pokémon e ali estávamos, prestes a dar nosso primeiro passo como uma dupla, olhei para o pokémon dela, como quem estivesse agradecendo ao pequeno ser, eu tinha certeza que ele tinha um dedo nisso tudo.

Ao começar a caminhar em direção ao lago tivemos o desprazer em presenciar um grupo de três manés tentando reafirmar sua dominâncias na rota. Cadê as pessoas que comentaram da menina agora? Já não estavam tão interessados em se meter dessa vez, não é mesmo?

— Meu Arceus como são limitados... — comentei com Karinna enquanto tirava minha pokébola do meu bolso, minha vontade era de socar-lhes os rostos, mas não tinha disposição física para entrar numa luta corporal.

Analisei cada um dos seres em questão. Um nerd mais calado, que eu também não conseguia simpatizar, por mais socialmente esquisito que fosse nada justificava andar com dois fedelhos sem noção como aqueles. O loiro parecia o mais convencido dos três, pela roupa mais à vontade que usava e as expressões faciais de desdém, e por fim o mais irritante, o que gostava de falar e o único que estava com um pokémon ao lado.

— Eu não to acreditando nisso — disse enquanto olhava para Karinna, a menina já estava aos berros com eles.

Apontei minha pokédex para o pokémon do menino, assim como Karinna o fez. Depois de alguns segundos lia nos dois aparelhos as informações do pássaro tricolor do menino, que continuava a estufar o peito e nos olhar com os olhos brilhantes.



Era incrivelmente bom ter uma pessoa totalmente diferente de mim, por mais aborrecida que eu estava com aquela situação, eu não teria coragem para me defender como ela estava fazendo. A cada fora que ela dava neles eu sorria mais e mais, ela parecia invencível e acreditava no meu potencial como treinadora.

Seria minha primeira batalha, mas eu estava pronta para dar o meu melhor, eu queria continuar a me sentir bem desse jeito, era uma sensação que eu não tinha experimentado ainda, eu sempre fui muito acanhada e mesmo sendo excelente em diversas áreas eu nunca me senti realmente boa em nada.

— Vocês ouviram, seus fedelhos! — finalmente tive coragem de dizer algo enquanto lançava meu pokémon para fora da pokébola.

O fantasma se materializou ao lado do Abra da menina, parecia que ele conseguia entender o que estava acontecendo pois logo tratou de mudar a expressão facial e apertar os punhos de areia encarando o trio.

Sorri de canto ao ver o líder dos meninos assustado com a nossa atitude e especialmente com o meu fantasma. Sandygast tinha a aparência peculiar, isso era certo. Pra mim que já estava acostumada com a ideia dele ser um monte de areia possuído era um tanto cômico ele parecer tão inofensivo, mas para quem o visse pela primeira vez era de assombrar, um monte de areia se movendo sozinho com uma boca enorme e dois cascalhos no lugar dos olhos, inexpressivos, vazios.

— Eu sou de Sinnoh, aliás. — respondi a menina, fazendo questão de ignorar a presença dos garotos por um momento, queria provocá-los — Antes deixa eu ver uma coisa...

Apontei a pokédex para o guaxinim do menino, eu precisava ter certeza de que tipo ele era e como eu conseguiria contornar aquela faca de dois gumes que era o meu pokémon, eu era imune a ataques normais, porém não conseguia atingí-los também. Após alguns segundos o aparelho apitou, mostrando as informações do pokémon.



Outro pokémon do tipo normal, mas dessa vez era um puro. Meu ataque do tipo grama surtiria efeito nele totalmente, não como o pássaro que cortaria pela metade meu único ataque eficiente contra o duo normal. Karinna estava se saindo uma treinadora nata, mas também a menina e seu pokémon pareciam já ter alguma intimidade um com o outro. Essa seria nossa primeira batalha, e eu nem conhecia direito meu pokémon, mas era uma ótima forma de conhecê-lo.

— Sandygast, quero que foque no guaxinim! — ordenei um pouco animada, queria demonstrar confiança para com o fantasma — Use Absorb e drene sua energia vital!

Dei uma ênfase na última frase, eu queria trazer medo para os meninos e para o pokémon do inimigo. Sandygast concordou com a cabeça e se virou para o oponente, o encarando fixamente com os olhos vagos e misteriosos, e logo tratou de abrir sua boca, após uns segundos pequenas ondas brancas começaram a surgir ao redor do corpo do pokémon adversário, começaram a subir e formar pequenas esferas de um tom psicodélico, pareciam bolhas de sabão, mas com um toque mais pesado, mais opaco, um pouco densas, como se fossem literalmente a energia vital do guaxinim, elas flutuavam por um tempo e rapidamente eram sugadas para o interior do monte de areia, sua boca fantasmagórica que mais era um buraco no corpo arenoso do pokémon, apesar de dar para ver através, parecia não ter fim. Sandygast era realmente um pokémon misterioso.

Estava dando certo, Sandygast tinha feito um excelente trabalho em me obedecer e drenar a energia vital do inimigo, eu estava extremamente feliz com o desempenho do fantasma, mas não podia deixar de me impressionar com a destreza e graciosidade que Karinna e seu Abra estavam batalhando, pareciam que foram feitos para lutar.

Os movimentos eram precisos, poderosos e deixavam qualquer um de queixo caído. Fiquei observando a menina ordenar seu pokémon e a execução dos golpes com admiração, e percebia os olhares todos voltados para ela, ela era uma treinadora bem mais experiente que eu, isso eu tinha certeza, dava para ver.

— Parabéns, Karinna! — elogiei a menina, não queria tirar a concentração dela, mas talvez uma palavra de apoio ajudasse — Sandygast, eu quero agora que você use o Harden para aumentar sua defesa e cubra o corpo todo de Abra formando uma armadura para protegê-lo dos ataques, você consegue!

Incentivei meu pokémon a dar o melhor, eu precisava fortalecer nosso vínculo e mostrar para ele que eu não era apenas uma simples treinadora e sim uma amante dos pokémon fantasma e que eu faria de tudo para explorar o melhor do seu potencial. O montinho de areia fantasmagórico consentiu e então brilhou rapidamente, aquela era a deixa para saber que sua areia havia se fortalecido, estava mais áspera, mais densa e logo sua defesa contra ataques físicos estava maior.

Enquanto Abra começava a flutuar o fantasma se desfez, a areia movediça agora começara a flutuar junto ao pokémon psíquico, envolvendo o corpo humanóide do pokémon, formando uma armadura viva, olhei para Karinna com um sorriso, ela não era a única com uma imensa criatividade, mas eu não podia esperar que meu pokémon recebesse dano e não se recuperasse, mesmo estando com a defesa aumentada pelo poder do Harden, eu precisava me recuperar e nada melhor que focar o pássaro do menino.

— Agora foque a andorinha, use o Absorb! — ordenei olhando no fundo dos olhos do líder do bando, eu queria mostrar para ele que ele mexeu com as meninas erradas.

Era visível o cansaço do pokémon do menino, e realmente a pokédex não mentia, o pássaro não desistia, mesmo estando no seu limite, dava para ver a vontade de continuar a lutar, mas só vontade não era o suficiente. Logo o corpo todo de Abra começou a emanar uma energia, era o espírito do Sandygast absorvendo a energia do passarinho, as bolhas de energia começavam a emergir do seu corpo e rapidamente serem absorvidas pela armadura-viva que vestia o Abra. Aquela batalha parecia um espetáculo.

Como era bom estar prestes a ganhar nossa primeira batalha pokémon. Era visível que os dois pokémon não aguentavam mais nenhum ataque, senti meu corpo estremecer de emoção, parte da emoção vinha de ensinar para aqueles fedelhos que não é porque éramos mulheres que um bando de pivete mimado podia achar que ia passar batido.

Olhei para Karinna e não conseguia sentir nada além de admiração, ela seria uma boa companheira, valiosa. Sua criatividade e elegância com seu pokémon era notável. Sorri de canto com o pensamento, eu finalmente tinha alguém para conversar, compartilhar histórias, e pensar que tudo aquilo não poderia existir se eu não tivesse tomado coragem para falar com ela, pois claramente ela não estava a fim de conversa.

Fitei por alguns instantes o Abra da menina, era um pokémon estupendo, forte e gentil, logo de cara ele se mostrou simpático e queria companhia, talvez ele quisesse alguém para estar do lado de sua treinadora, mal sabia ele que eu também precisava de uma amiga.

— Bom trabalho Abra, Sandygast! — elogiei os dois pokémon e me virei para a loira — Você também, Karinna!

Como sempre tentei reforçar o bom espírito entre a gente, ainda não éramos oficialmente amigas, apenas breves conhecidas, ainda tínhamos muito pela frente na nossa jornada pokémon.

— Espero que tenham aprendido uma lição, fedelhos! — o desprezo na minha voz era perceptível — Vamos acabar com isso, talvez você consiga recuperar um pouco de energia, use Absorb em cada um!

Algo me dizia que a luta não acabaria ali, o terceiro menino continuava distante, quieto, o pokémon dele, se ele tivesse, ainda era um mistério e poderia arruinar os nossos planos. Karinna estava extasiada demais com o gosto da vitória eminente para pensar no que estava por vir, mas eu não conseguia deixar minha guarda baixa quanto ao rapaz.

Sandygast novamente começou a vibrar no corpo do pokémon psíquico, trazendo a tona a última gota de energia dos pokémon adversários, as bolhas já conhecidas eram retiradas dos inimigos e devolvidas ao meu pokémon, restaurando sua vitalidade. Olhei para Abra e percebi sua indisposição começar a crescer, antes da próxima batalha eu faria questão de restaurar a energia dele com uma poção, afinal ele tinha feito a maior parte do trabalho, já que o meu fantasma era completamente imune aos ataques normais dos dois, e aparentemente o treinador da andorinha quis ignorar ele para focar o pokémon de Karinna, talvez por inexperiência, ou por medo do meu fantasma.

— Karinna, não se esqueça de restaurar a energia do seu pokémon, se quiser eu cedo a minha poção para você. — falei gentilmente para ela, eu não conseguia ser egoísta e pensar apenas no meu pokémon, ele estava com a corda toda ainda.

Voltei a olhar para o terceiro menino, eu queria falar algo para ela, mas não queria distraí-la com essa informação, ela estava animada demais com a batalha para eu dizer algo, mas eu estava preparada para o que estava por vir, cerrei os olhos enquanto fixava o olhar nele, ele me incomodava de alguma forma, não sei porquê.