(003) - Delicate

O rapaz começava a explicar as regras do torneio e eu logo deixava de encostar na caminhonete dos organizadores para prestar bastante atenção. Quinze participantes contando comigo e Tábata haviam se inscrito para fazer parte da competição, o que me deixava ainda mais nervosa visto que minha experiência com batalhas é muito limitada. Ao olhar as chaves, percebi que estava bem longe da treinadora de fantasmas e que caso passássemos pelos outros adversários, poderíamos nos encarar na final. Minha desvantagem nesse caso era mais do que óbvia e não deixei de me perguntar como seria uma batalha entre os dois companheiros, Sushi e Khaki.

— É... Parece que complicou. — comentei com Tábata, que estava ao meu lado, aparentemente tão nervosa quanto eu — Vamos ganhar todas para chegarmos juntas na final!

Queria me convencer de que possuía alguma chance de ganhar dela caso isso acontecesse, mas era impossível. Todos meus Pokémons e seus ataques normais ou psíquicos são inefetivos contra Sandygast, sem falar em Nincada e Dustox, os outros Pokémons de Tábata, que também possuem tipagem vantajosa em relação a Sushi e Mochi. Olhei para Abra como quem já pedisse desculpas por não vencer, sendo rapidamente abraçada tanto por ele quanto por Ralts, que tentavam me animar. O amor e carinho que eu sentia por eles era absurdamente recíproco, parece que ambos haviam lido minha áurea e sentido em si mesmos o meu sentimento de derrota.

Sushi agora montava nas minhas costas e com Mochi em meus braços eu logo voltava a prestar atenção no rapaz, apesar da preocupação futura. Ao terminar sua fala, o organizador era logo questionado em relação aos prêmios por alguém no meio da multidão. Voltei meu olhar para o garoto que havia perguntado, percebendo uma figura conhecida atrás dele que não via há muito, muito tempo.

— Ky-Kyle? — balbuciei, corando imediatamente ao perceber que o rapaz sorria para mim — Mas... Como?

Foi como se o tempo e espaço parassem e tudo que eu pudesse ver no meu campo de visão era ele. Meus batimentos cardíacos aumentavam e minha respiração ficou ofegante do nada... Meu passado com Sousuke era complicado. Aliás, complicado era um eufemismo mais do que absurdo pela relação que tínhamos três anos atrás. O belo garoto vivia na mesma cidade que eu, porém com um background completamente diferente. Depois que nos conhecemos, ele começou a gostar de mim, não sendo retribuído da mesma maneira, pelo menos não imediatamente. Kyle era conhecido em Olivine por causar problemas por todos os cantos e em um desses, acabei denunciando-o, porém já sentindo o mesmo que ele. Não pude abrir mãos dos meus princípios simplesmente por um garoto que eu gostava na minha adolescência, o que fez com que nossos caminhos se divergissem, não o vendo desde então. Não sabia se hoje ele me odiava ou se ainda tinha sentimentos por mim, mas sei que não abaixaria minha guarda... Conhecendo-o como eu conheço, sei que Sousuke — como ele odeia ser chamado por mim — sempre possui um truque na manga.

Logo balancei minha cabeça, tentando tirar todos aqueles flashbacks que surgiram em pouquíssimos segundos na minha mente. Retribuí o sorriso de Kyle com um aceno tímido, virando de lado e voltando minha atenção para Tábata. A jovem parecia não entender nada, mas a fitei com um olhar positivo, como quem dissesse que estava tudo bem. Sushi, montado em minhas costas, ria de leve do que havia acabado de acontecer, me obrigando a olhar-lo com uma cara séria e desconcertada.

Agora era hora de simplesmente esperar a ordem da chave chegar até mim. Parece que eu enfrentaria uma tal de Bárbara na primeira rodada e não podia fazer feio, já que caso passasse pela garota, tinha chances de enfrentar Kyle depois e talvez até mesmo Tábata. Resolvi colocar Ralts no chão e tirar Abra das minhas costas, parando para conversar um pouco com os psíquicos.

— Vou dar a vocês essas duas frutinhas para segurar durante a batalha. — procurei dentro da bolsa duas Oran Berries, retirando-as e dando uma para cada um — Quando sentirem que estão exaustos, comam uma inteira, vai ajudar vocês a se recuperarem um pouco. Você será o primeiro, Mochi! Vamos estrear em uma batalha!

Off:

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O torneio começava e estávamos agora todos participantes divididos em lados opostos, com campos onde ocorreriam as batalhas dispersos um ao lado do outro. Kyle estava a meu sudeste e parecia não perder nenhuma oportunidade de me olhar, me deixando mais nervosa do que deveria. O rapaz exalava confiança como sempre... Desde que o conheci anos atrás, auto-estima sempre fora um traço marcante de sua personalidade, sem falar em seu Growlithe que era incrivelmente fofo e parecia muito disposto a lutar. Tábata por sua vez parecia um pouco nervosa, então fiz questão de acenar positivamente com a cabeça para a garota, a fim de tentar relaxar-la um pouco.

— Muito tempo mesmo, Sousuke.... — respondi esperando sua reação negativa ao nome que usei e dando uma leve risada — Se esforce para ganhar, eu que tenho que te derrotar!

Barbara, minha oponente, se apresentava do outro lado do terreno onde ocorreria nossa batalha. Olhando meus Pokémon dos pés à cabeça, a garota logo dava um sorriso sarcástico, liberando Poochyena, um Pokémon do tipo noturno. Aquela reação me deixava incrivelmente puta, aposto que aquele comportamento se dava devido a tipagem de seu canídeo prevalecer sobre a maioria dos meus monstros de bolso. A garota tinha um estilo completamente diferente do meu, com vestimentas em estilo dark e uma sombra preta, mesmo naquela temperatura sempre elevada do continente de Hoenn... Uma verdadeira palhaça. Meu nervosismo agora se transformava em pura e limpa energia, acendendo um fogo em mim ainda não visto, nem mesmo nas batalhas que antecederam essa.

— Mochi, você ficará para a próxima rodada! — guardei o pequenino psíquico em sua respectiva Pokéball, voltando minha atenção para Abra que flutuava ao meu lado — Vamos mostrar a ela que mesmo com a desvantagem de tipo somos capazes de derrotá-la facilmente.

Sushi consentia com a cabeça, usando Teleport e aparecendo já no meio do campo de batalha, pronto para o confronto. Minha conexão com Abra sempre fora excelente, o psíquico parecia sempre se esforçar ao máximo para me orgulhar e eu fazia de tudo para não decepcioná-lo nunca. Por um momento passou pela minha cabeça usar Zangoose contra Poochyena devido a neutralidade de ataques, mas não poderia arriscar que o mangusto me desobedecesse em meio a batalha.

Apertei ambos meus punhos, prendendo meu cabelo em um rabo-de-cavalo logo em seguida, mostrando minha determinação em se manter cem por cento focada no que começaria ali. Fitei a garota e seu Pokémon, dando um sorriso tão sarcástico quanto o dela, passando a olhar com desprezo para seu canídeo noturno. Sempre fui muito debochada e não podia deixar passar o que ela havia feito... Além disso, se tem uma coisa que eu sei fazer é entrar na cabeça das pessoas.

— Você me parece muito confiante, Barbara... — fechei meus olhos, abrindo-os lentamente em seguida e erguendo minha sobrancelha direita — Veremos o que seu vira-lata sabe fazer.

Sei que minha situação não é favorável; se o canídeo souber algum ataque noturno, eu e Sushi estaremos em enormes problemas, ainda mais porque a preguiça psíquica só sabe um ataque propriamente dito. Fechei os olhos mais uma vez e respirei profundamente, voltando minha atenção totalmente ao Pokémon da oponente.

— Sushi, vamos começar! Use seu característico Round duas vezes! — apontei com a mão direita para Poochyena e com a esquerda apertei a barra da minha saia — Vamos embelezar essa competição com um dos movimentos que treinamos ainda em Johto!

Abra sinalizava que sim com a cabeça e logo começava a se movimentar com uma velocidade incrível. A preguiça psíquica flutuava para o alto à uma altura exata de 45 graus em relação ao oponente, abrindo sua boca logo em seguida. Um chiado estridente começava a ser produzido, criando aos poucos diversos anéis translúcidos nas cores azul, vermelho e verde, que se organizavam uniformemente na frente do psíquico. Logo Sushi enviava os anéis sonoros na direção de Poochyena. Ainda com o ataque no meio do caminho, Abra agora se movimentava para lado contrário, em uma distância um pouco mais curta à que estava anteriormente, realizando os mesmos movimentos.

— Tomara que o dano de dois ataques potentes sejam suficientes para ao menos machucar o noturno um pouco... — pensei.

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Os pontapés iniciais era dados e todas as batalhas começavam ao mesmo tempo. Não podia deixar de me concentrar no meu duelo, afinal, gostaria muito de enfrentar Kyle e Tábata nas futuras chaves do torneio. Após dois Round seguidos, o Poochyena de Bárbara parecia extremamente exausto; suas patinhas agora mal sustentavam o seu corpo e seu olhar já era de derrotado. Tudo isso fez com que minha confiança subisse até o céu.

— Parece que eu estava certa, né, gótica? — cruzei os braços dando uma risada de deboche — Sushi, surpreenda-o com mais dois Round!

E assim Abra o faria: com um grito agudo, estridentes anéis sonoros seriam enviados na direção do canídeo adversário, na esperança de derrotá-lo de uma vez. Enquanto prestava atenção em minha batalha, olhei de relance para Kyle e Tábata, o primeiro parecendo estar se dando tão bem quanto eu, enquanto a garota parecia estar tendo dificuldades para dar dano no Eevee inimigo.

Agora era aguardar para ver se minha batalha acabaria, vendo se meu próximo oponente seria de fato Kyle ou Cyntia, sua oponente. Sushi não parecia muito abalado pelo ataque de Poochyena; mas como sempre, seu humor após o primeiro ataque inimigo mudava completamente, ainda mais por conta da amizade e companheirismo que temos um pelo outro. Por mais que a preguiça não tenha os olhos abertos, seus músculos faciais sempre foram muito expressivos, então eu sempre sei o que ele está sentindo ou não. Em toda e qualquer batalha, após receber dano inimigo, Sushi se transforma da água pro vinho. Um Pokémon que é sempre divertido, bem humorado e amigável, dá lugar a um psíquico rancoroso e com sede de vitória a qualquer custo. Por um lado isso me assustava, mas por outro me deixava extremamente competitiva e alegre, sabe-se lá o porquê.

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— Não acredito! Vencemos, Sushi! — exclamei enquanto corria para abraçar Abra, que parecia sair do transe raivoso que havia entrado durante a batalha e me abraçava de volta — Agora... Kyle.

A felicidade de derrotar minha primeira adversária no torneio era logo tomada pela angústia e agonia que seria enfrentar Kyle no próximo round. Não nos víamos há mais de três anos e pelo que me lembro, ele sempre fora mais experiente que em batalhas propriamente ditas. Eu sou uma novata, essa era o quê? Minha terceira batalha oficial? Complicado. Fora o fato de que uma piscada errada poderia custar minha vitória; o rapaz sempre foi muito cheio de truques na manga e isso me preocupava um pouco, apesar de que eu não hesitaria em denunciá-lo caso o mesmo fizesse algo contra as regras.

Tábata vencia sua batalha também, visto que a tipagem de seu fantasminha foi um colírio para os olhos dela. O Eevee adversário era incapaz de atingir Sandygast, o que agiu em benefício da jovem... Se não fosse isso, talvez ficássemos décadas só esperando o único ataque de Khaki derrotar o adversário. Ambos pareciam se divertir bastante com a vitória, o que me deixava levemente feliz também, afinal, ambos dão bastante duro para se saírem bem.

Agora todas os confrontos iniciais acabavam e dávamos lugar às outras batalhas que aconteceriam. Kyle se apressava um pouco para sair do local da luta, o que me deixava encucada e talvez um pouco com o ego ferido... Ele queria tanto puxar assunto comigo e na primeira oportunidade sai correndo? Garoto estranho. Com Sushi agora montado em minhas costas, resolvi voltar a tenda e recuperar os ferimentos do meu psíquico; não planejava usá-lo na próxima batalha, mas é sempre bom se prevenir. Coloquei-o em cima da bancada onde recuperavam os Pokémons e esperei atendimento, aguardando todos os participantes que faltavam lutar a primeira fase se reunirem nos campos de batalha.

— É, Sushi... — fiz carinho em sua cabeça, passando levemente a mão sobre sua cicatriz na testa — Vamos ver se seu amigo Ralts se sairá bem em batalha.

Após a recuperação, segui com Abra flutuando ao meu lado e voltei a encostar na caminhonete, observar os outros oponentes não seria de tão ruim, acredito que seja até ótimo para ver suas estratégias de combate. Acenei para Tábata que se juntasse a mim na caminhonete, até que dei falta de Kyle, que ainda não havia voltado.

— Será que ele se perdeu? — pensei um pouco alto, apertando meus olhos e olhando em círculos — Onde será que Sousuke se meteu?