Dormitório Avengers - Ouros

OUROS

Voamos juntos de Forina à Slateport ao finalizarmos aquela apresentação no teatro da cidade verde. O silêncio era quase ensurdecedor, se não fosse pelo vento zumbindo com a velocidade que Nana, minha Tropius, irrompia os céus. Me segurei mais forte que normalmente nela. A giganta até me ofereceu uma de suas frutas como forma de me alegrar.

Ao chegar na cidade, o levei à sede da sociedade da qual eu era um dos líderes. Contei para Daisuke que após o convite para ser um dos sócios da AVENGERS, compramos o edifício. Eu havia decorado um dos quartos e no momento nem Dominic nem Tatsuo encontravam-se no prédio. Teríamos um momento de privacidade num lugar que me sentia confortável. E de certa forma era meu. Fui o principal financiador para materializar aquele sonho de ser um justiceiro e fazer o que é certo... A qualquer custo. No entanto, Hoenn não era minha base permanente. Apenas um desvio no meu caminho. Meu foco sempre foi e será ser o campeão de Johto e manter Goldenrod segura para minha família. E fazer os assassinos do meu pai pagarem por suas ações.

Enquanto isso, meu treinamento em Hoenn continuava. Em breve os concursos não seriam mais distrações. Com mais 1 fita eu seria elegível para o Grand Festival e enquanto este não era anunciado eu teria tempo de explorar meus limites nos ginásios mais fortes da região.

Porém, antes de avançar com as insígnias que provavam meu valor, precisava ser honesto com meu melhor amigo.

— Fica à vontade. Sei que prometi café, mas só tenho chá. - disse ao entrar no quarto, indo logo colocar água para ferver.

Enquanto aguardava, tirava a blusa suada e molhava o pulso e a nuca. Não lembrava a última vez que fiquei tão nervoso por uma conversa, mas respirei fundo e me sentei junto a ele numa mesinha rente ao chão com duas xícaras e o bule de água quente. O sabor era de frutos vermelhos e mel, meu favorito. Nos servi e fiquei mirando a solução encorpar no líquido, com a caneca em mãos. Tomava um tempo como se pensasse no que dizer, mas na verdade eu sabia, só não conseguia começar.

— M-me desculpa.

Sentia não só minha face arder, mas as pontas das orelhas também. Muito provavelmente eu tinha enrubescido quase como a cor do chá. Não saiu como eu pensei, mas era um começo.

Sentia o chá quente nas minhas mãos, mas meu rosto ardia bem mais. Só não pegou fogo por conta de uma lágrimas que umedeciam minha face! Ouvir aquelas palavras de uma das pessoas que eu mais considerava de toda minha jornada era como tomar alguns Giga Impacto sem tempo pra descanso irmão. Mesmo ele tentando ser um pouco polido, eu sentia que tentava, ainda sim machucava saber que ele sentia-se traído. Mas também, como não sentir? Eu já havia me colocado no lugar dele diversas vezes e não conseguia imaginar cenário melhor. Ao menos ele tinha concordado em vir comigo para um local mais reservado.

Ouvir que ele se enganou ao meu respeito e sobre nossa amizade era demais. Eu sentia a dor dele e tentava me controlar, mesmo estando num papel não muito favorável.

— Eu mereço isso que você sente...mas... — As palavras estavam entaladas na minha garganta de uma forma que levei alguns segundos para conseguir irromper aquele bloquei e dizer — Eu tinha vergonha do Thito!

Ao falar isso levantava o rosto e encarava ele com as lágrimas escorrendo nas faces rosadas, tentando pará-las com as costas das mãos.

— Quando eu comecei isso foi apenas uma fuga no treinamento pra ficar mais forte. Eu tinha acabado de saber o que aconteceu com Johto e precisava de uma fuga... E eu sentia que aquele momento era só meu, entende? Mas depois vieram jornalistas e fãs e outras pessoas querendo tirar minha máscara e com isso meu direito de privacidade. Eu fiquei apavorado. Tive sim vergonha de ser associado a um coordenador que só se preocupa com a imagem e outras futilidades, mesmo sabendo hoje que é um esteriótipo besta, quando na real a minha vontade era de fazer parte de algo só meu. Eu sei que parece besteira, mas com a pressão e o destaque repentino pelas vitórias eu não soube lidar e me apavorei. Meu sonho é e sempre foi ser o campeão de Johto, mas se me descobrissem o que isso poderia significar? Eu ainda seria levado a sério nos ginásios? Eu não sabia e escondi isso ao máximo que pude criando essa identidade.

Eu havia passado por muita coisa sozinho. Foram muitas dúvidas, muitos erros e principalmente muitas crises até eu finalmente conseguir entender o que o Thito era e o que significava para mim.

— Tudo mudou depois que eu conheci o Wallace. Ele já foi o campeão de Hoenn e um Top Coordenador! Hoje eu não tenho mais vergonha do Thito, de me assumir como ele, mas depois de me entender eu fiquei pensando em como te contar. Te juro. Durante muito tempo eu fiquei pensando qual era o melhor momento e nunca parecia chegar e quanto mais passava o tempo mais eu me complicava. Pensei que talvez pudesse contar quando estivéssemos os dois no Grand Festival, dividindo essa honra, mas a vida me adiantou essa parte... Eu sinto muito ter escondido isso de você, mas eu queria que entendesse que durante muito tempo eu escondi de mim mesmo. Não espero seu perdão hoje, mas eu não queria perder meu melhor amigo sem ter a oportunidade de me explicar.

Ao dizer a última frase eu tentei manter aquela conexão no olhar firme. Eu tinha passado tudo o que consegui em poucos minutos e esperava que ele recebesse de uma forma menos dolorosa que por meio de terceiros. Agora como ele reagiria?

Não consegui dizer nada mais. Daisuke desde nosso primeiro encontro em Violet se tornou referência para mim. Primeiro uma rivalidade amigável, pois eu nunca tinha sido derrotado antes dele. E então viajamos juntos para Hoenn, passando por tanta coisa que nossa relação se estreitou a um nível de confiar a vida um no outro. E quando ele foi internado? Eu larguei muita coisa para visitá-lo e dormir algumas noites ao lado dele para ser esquecido e ainda ter de lutar por resgatar nossos momentos na memória dele. Eu fiz de tudo por essa amizade e não deixaria aquele segredo destruir tudo que construímos juntos.

Por fim, apesar de algumas palavras duras, ele me puxava para um abraço. Afundava a cabeça no peito dele e só me permitia ser frágil porque realmente era ele! Eu sabia que era emotivo, mas não demonstrava fragilidade a qualquer um.

Quando ele me afastou, pedindo para não haver mais mentiras entre nós, comentou da mãe e da possibilidade de retornar para Kanto, afim de ajudar na reconstrução do continente. Estava com tanta coisa em mente que mal pude pensar em voltar para casa. Diferente dele, minha mãe estava bem e desde sempre mandava notícias da fazenda, nas colinas de Goldenrod.

— Eu acho que você faz bem... O que me lembra do meu pai.

Meu olhar era distante agora ao mencionar minha figura paterna, como se lembrasse da última vez que ouvi notícias sobre ele. Depois de tudo que o Thito me fez passar sozinho, não queria ter de esconder outro segredo de Daisuke. E se ele estava se disponibilizando para ouvir de tudo, então que aguentasse minha confissão.

— Não me lembro se te contei, mas ele foi dado como morto depois que encontraram o sangue dele no último lugar que foi visto junto de um símbolo bem conhecido na nossa região. Era um grande "R" vermelho estampado num pedaço de roupa... — Deixei que ele digerisse aquilo por um instante antes de prosseguir. — Durante muito tempo eu estive numa missão paralela ao meu interesse de me tornar o campeão de Johto. Eu queria encontrar os responsáveis pela morte do meu pai e fazer eles pagarem. Me tornar mais forte e influente foi um meio, mas acabou que das tantas tentativas, nenhuma vingou em informações efetivas... Tanto que deixei de lado quando as chuvas destruíram nosso lar, mas depois que notei atividades suspeitas nos grandes eventos em Hoenn, essa vontade retornou, mas eu decidi poupar esforços. Quando eu tiver uma oportunidade vou me juntar aos Rocket e destruir os planos deles de dentro. E vou procurar os arquivos daquele ano, talvez eles ainda guardem registros das ações em Johto.

Era perigoso me envolver. Era perigoso mencionar a organização criminosa. Era perigoso planejar tudo o que vinha tramando, mas eu não faria aquilo se não tivesse certeza absoluta que poderia lidar com qualquer problema se tivesse bons amigos do meu lado.