It's a Match!

Seu corpo - e que corpo - me dizia que ele também não estava tão confortável com a situação, o que era bom, por me deixar um pouco menos constrangida. Mas aí ele flexionou o braço, ressaltando o bíceps que eu tanto admirei nas fotos e atraindo meu olhar. Óbvio que não olhei por mais que alguns segundos, antes de desviar depressa para o outro lado, porque chega de constrangimentos por hoje!

Aí ele falou, confessando seu desconcerto e me atraindo dessa vez com aquele sotaque celadense charmoso que eu automaticamente reconhecia como sendo unicamente seu... Pelos deuses! Por que eu tô romantizando até a voz do Ayzen?! E esse sorriso bobo... Não, misericórdia. Não posso mais olhar para ele até isso passar. Togekisses, isso! Vou olhar para os Pokémon! "Kisses", aaaaah!!!

Suspirei e retribuí o sorriso sem jeito - sem olhar -, só para não parecer mal educada enquanto ele tentava consertar todo mal entendido e me deixar um pouco mais confortável. Até me deu vontade de lhe dizer: "Os outros paqueram, é claro, mas não uns com os outros e assim, abertamente!". Pelo menos eu acho, né?! Enfim, não disse. Nem precisei, porque ele emendava para falar de administração... E me convidar para continuar falando disso...

Falar da administração da Requiem normalmente já não era um dos meus assuntos favoritos - sou de humanas, das artes. Falar disso pessoalmente com um cara que entende muito do assunto deveria ser, no mínimo, quase tão constrangedor quanto o que acabamos de passar. Mesmo que seja colidindo nos carrinhos bate-bate! Mas, pronto, eu já estou aqui né?! Se eu não entender, é só sorrir e concordar.

– Que onda bizarra de coincidências, né?! Mas, já que estamos aqui, aceito. – dei de ombros, mas logo me arrependi com receio de causar uma má impressão – Ah, não me entenda mal. Estou muito feliz em ver você. – tentei corrigir, com um sorriso sincero e um contato visual raro, antes de perceber que talvez eu pudesse ter dado a entender uma terceira coisa – Erh... Desculpa. Eu sou boba e ainda tô meio perdida com tudo isso. Hehe! – confessei, finalmente me sentindo um pouco mais à vontade depois disso – Eu adoraria sua companhia nos brinquedos também.

Chega de drama, de nervosismo. É o Ayzen! Não vai virar do nada para me morder ou coisa assim. Fora que ele é um cara muito legal. Talvez seja até mais divertido do que um encontro com um estranho... Ainda que eu não consiga parar de me encantar com aquele sorriso e par de olhos azuis esverdeados.

– Podemos começar com uma pipoca? – dei mais alguns passos até me aproximar mais um pouco, o suficiente para sentir o perfume dele que a brisa carregava até mim... – Pic, vamos! – usava os Pokémon para me distrair de pensamentos inconvenientes. Notas mentais: desinstalar o Timber ainda hoje; biscoitos agora só pelo Pokégram.

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Diferente de mim, o destino havia agido para o reencontro daqueles dois Voadores, que se divertiam lá no alto se bicando, conversando e sorrindo por qualquer coisa. Não sei a origem de Pic, mas vendo este belo exemplar que o Ayzen tem, eu posso presumir que sejam parentes. Fora que ela lhe pertenceu, ainda que por pouco tempo, então não devia ser estranha ao time do meu amigo.

Ai, agora ele me oferece o braço num gesto gentil de cavalheiro. E eu aceito, é claro, não sou boba. Minha mão pousou delicadamente num dos músculos que eu gostaria de descobrir se era real, o bíceps. Real e oficial! Tanto quanto esse perfume, que certamente vai ficar marcado na minha memória olfativa sempre que eu pensar no Ayzen. Ou seja, no mínimo uma vez ao mês nas reuniões da Requiem. Senhor!

Não permaneci naquele toque leve por muito tempo, porque demos uns passos e eu senti que tínhamos ritmos diferentes. Somado ao quase um palmo de diferença entre nossas alturas - sem salto - e considerando o fluxo intenso de pessoas, foi quase automático eu segurá-lo com um pouquinho mais de firmeza e aproximar meu corpo; mais do deveria enquanto ainda houve essa tensão minha na sua presença. Só espero que ele não se incomode se meu peito roçar em seu braço de vez em quando. Quer dizer... Tem muita gente aqui!

Tentei procurar um assunto para falarmos, enquanto me adaptava ao nosso ritmo e ele me conduzia até o pipoqueiro, mas Ayzen foi mais ligeiro e já encontrava algo para quebrar nosso silêncio momentâneo. Que bom que ele não falou do tempo! Porque era uma das minhas opções, e uma das piores.

– Ah, vai tudo bastante agitado, como sempre. Voando de um lado pra outro. Dando aquele toque mágico que transforma qualquer treino num trabalho pra mais de mês... Hoje que eu resolvi me dar uma folga e vir aqui. – eu o vi se distrair com os Togekiss e acabei fazendo o mesmo – Eu acho que nunca vou conseguir te agradecer o suficiente pela Togepic. É um dos meus Pokémon favoritos, além de estar sendo uma das minhas aliadas mais poderosas! Então, mais uma vez, obrigada por isso! Me faz muito feliz desde aquele dia. – tinha um sorriso bobo, carregado de boas lembranças da minha pequena.

Na distração eu automaticamente levei a mão até a pipoca, que era uma só, grande, para compartilharmos. Me assustei ao sentir que a mão dele também estava lá e nós nos tocamos. No pequeno susto, baixei os olhos das fadas em tempo de surpreendê-lo olhando para algum ponto abaixo... Minhas pernas?!

Eu poderia ter empalidecido naquele segundo, mas não sei dizer se isso aconteceu. Só sei que me virei com sutileza, discretamente, para olhar entre as pernas... Não era possível que aquele tipo de acidente feminino tivesse acontecido. Quer dizer, eu não tô nesse período, hoje... É, não, nada de acidentes; tudo sob controle. Então para onde ele tava olhando?! Será...?! Bem, não posso condenar, me vesti para mostrá-las!

– Mas e você? Me conta. – não consegui esconder o sorriso maroto quando o cutuquei de leve com o ombro – Como tem sido o período de férias, barra, reclusão do mundo? Deu pra ficar bem zen? – gente, tô fazendo piadinhas; de repente estou mesmo mais confortável com a situação – Uhm, aliás, parando pra pensar. Agora realmente faz sentido que não sabemos como gente normal se diverte. – dei uma gargalhada espontânea com a conclusão boba.

É, parabéns, Kiki. Você conseguiu driblar suas inseguranças e tensões, só porque descobriu que elas são mútuas - ou é o que parece. Bem, realmente fica mais fácil de lidar desse jeito. Que bom que estou sempre bem hidratada.

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Achei tão bonito o jeito que ele falou de ter se dedicado aos estudos. Era um lado novo pra mim, que o via mais como um grande aventureiro. Confesso até que fiquei curiosa em saber como ele mantinha aquele corpo, e como tinha ganhado as cicatrizes das fotos... Não são coisas comuns à treinadores. Menos ainda a estudiosos como ele dava a entender que era. Vou tentar lembrar de perguntar depois. Agora preciso admirar o brilho que surgiu nos olhos esverdeados dele, quando tentou me explicar alguma coisa de seus planos e seu gosto pelos Pokémon.

– Sei bem o que quer dizer. – mentira, na verdade não tinha entendido o que seria uma carreira alternativa para ele, mas não vou ser indelicada de perguntar agora – Eu mesma nem sei ainda o que quero de carreira, mas intenção e opção não faltam! Como os Contests, por exemplo. – isso era verdade, eu ainda tô só descobrindo o que quero em muitos aspectos – Eu acho que temos mais em comum do que imaginei... Minha mãe também é cientista, apesar de não ser criadora. Ela sempre me inspirou a estudar. Somei isso ao meu gosto pelos Voadores e foi assim que virei especialista. Mas eu sinto que preciso ir além. Aprendiz, Pesquisadora, Ranger, Coordenadora... Uma hora eu descubro o que é pra mim! – dei um sorriso meio torto, fazendo piada com minha própria confusão.

Acho que nossas fadas cansaram de brincar no ar e agora pousavam, fazendo a gente parar por um instante. Era um sinal para que nós pelo menos traçássemos um novo rumo, já que até aqui só andamos aleatoriamente comendo pipoca. Ayzen parece que leu a minha mente, ou teve a mesma impressão, porque se adiantava na pergunta.

Do jeito que ele fez o convite eu voltei a ficar meio desconcertada. Sei que, muito provavelmente, eu é que tava criando impressões inadequadas sobre o "tá afim de se divertir comigo". Ele continuava sendo gentil, somos amigos e foi uma frase inocente. Eu é que sigo sensível à sua presença. Uma hora eu acostumo...

– Como eles se divertem? Nem. Sou toda sua! – QUE?! O que eu acabei de dizer? CORRIGE! CORRIGE! – Digo, vamos lá! Diversão anormal com Ayzen e Kiki, hahahaha! – ri de nervoso e comecei a enfiar pipocas na boca só para me calar; quase me engasguei.

A noite mal começou e eu já tô pondo em risco minha reputação, minha amizade e minha relação profissional... Maldito Timber! Vou deletar esse troço assim que puder!  

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Que bom que ele relevou minha gafe e não ficou um (outro) climão entre nós. E também foi uma sorte eu já ter terminado de engolir as últimas pipocas, senão aí com certeza eu ia me engasgar porque ele simplesmente saiu me puxando pelo braço, correndo. Eu não entendi nada, mas ri pela loucura e pelo jeito como Ayzen parecia estar se divertindo com aquilo. Acho que ele me levou à sério e pensou que não precisava nem me dizer o que tava fazendo comigo.

Quando ele parou eu já tava um pouco ofegante. Não da corrida, mas de rir. Olhei para trás e vi os Togekisses feito um par de patinhos correndo no chão com as asas para trás, rebolando as bundinhas com a pressa, o que só me fez rir mais ainda. A essa altura eu mal me importava com o que Ayzen tinha achado pra gente fazer, mas percebi que ele tava realmente muito animado.

Seus olhos brilhavam de novo, me tirando o fôlego, quando ele se aproximou da barraca de tiro ao alvo. A disposição para aquilo era tanta que ele foi primeiro e... Uau! Ele atira até que muito bem! Para um treinador, estudioso, amante de Pokémon... Aquilo realmente era um talento que me surpreendia.

– Ah sim, juuura?! Já tô me sentindo bem humilhada, obrigada! – falei rindo, brincando com o fato de ele estar me oferecendo a vez, depois de ter derrubado tudo com precisão; ainda assim me aproximei para pegar a arma – Olha isso! Como você consegue ser perfeito até nisso? – não me dei conta da ênfase no que disse, mas também não me importei em corrigir – E não sei de onde você tirou que eu posso ser no mínimo interessante nessa coisa. Não é porque eu treino algumas aves que tenho a visão delas... Ai ai. – reprimia uma gargalhada.

Comecei a me concentrar e umedeci os lábios, antes de transformá-los num biquinho sutil enquanto estreitava os olhos e os piscava alternadamente, sem saber exatamente como mirar. Já tinha a arma erguida à minha frente quando fiz um teste de puxar o gatilho e acertei o nada.

– Hahahaha! Tá vendo só? Socorro, eu sou péssima nisso. Achei que você já tava satisfeito em me ver pagando mico hoje. – foi inevitável olhá-lo nos olhos, naquela minha já habitual forma de comunicar e expressar as coisas não só pelas palavras; queria que ele visse que eu dizia tudo brincando, me divertindo, zoando a gente... Mas aqueles olhos esverdeados e brilhantes, com aquele sorriso de canto, maroto por ter conseguido me impressionar... Caramba, senti uma fraqueza nas pernas de novo.

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Acho que sustentei o olhar por mais minutos do que deveria, mas por algum motivo não sinto necessidade de corrigir isso mais. Deve ser porque comecei a ficar mais à vontade, finalmente. Só que meu conforto estava com os segundos contados...

No meu momento de distração eu quase não pude perceber Ayzen se aproximar por trás e pegar meu braço direito, que carregava a arma. Ele tinha o toque seguro, firme, e eu pude sentir meu rosto esquentar mais uma vez, enquanto eu reprimia a súbita vontade de virar para olhá-lo assim, tão próximo.

Não tive tempo de esboçar nenhuma reação porque quando eu senti os pés dele nos meus, afastando-os, paralisei. Precisei entreabrir os lábios para aliviar o peito que arfava numa respiração ofegante. Aí ele sussurrou no meu ouvido e eu arrepiei, a ponto de ver meus folículos do braço contra a luz... E, pelos deuses, espero que ele não tenha percebido também, nem isso nem minhas mãos nervosas.

Falar em mão. Precisava por essa mão aí? Quer dizer, não tô reclamando. Só que eu quase desabo com essa pegada na minha cintura, corrigindo minha postura e me deixando ainda mais próximo do seu corpo. Nós contrastávamos não só na habilidade no tiro, mas na altura e na segurança também. Enquanto seus toques eram firmes, eu poderia desmanchar a qualquer instante. Poderia; não posso. Não é justo. Ele tá sendo gentil e inocente, um bom amigo, e eu aqui fantasiando várias coisas sem sentido...

Sua ordem sussurrada mais uma vez não era só para acionarmos o gatilho da arma, mas também o gatilho de mais um arrepio que me percorreu o corpo inteiro. Corpo esse que sentia, em cada centímetro, a proximidade com o de Ayzen. Seu calor, seu perfume, seu suspiro, meu suspiro, meu tiro, meu riso, meu impulso para trás na surpresa de ter acertado um mísero alvo...

– Eu acertei?! Eu acertei! – sim, eu estava bastante surpresa, mesmo que o alvo derrubado tenha sido uma coisinha leve e grande qualquer – Não, pera. Como que... Que tipo de mágica... Como você fez isso? Eu sou terrível nesse tipo de coisa! Se deixar eu erro uma Pokébola mirando um Snorlax! – acho que na dupla excitação eu de repente fiquei tagarela – Ah não, a gente vai fazer isso de novo, vai. não era uma pergunta, e eu nem mesmo ousei sair da posição – Ainda tenho duas tentativas, né moço? – perguntei ao homem da barraca, que concordou com um aceno – Vai, a última eu tento sozinha. Preciso entender direito como funciona.

Sim, eu tava mesmo animada com a brincadeira, a ponto de passar por cima das inseguranças bobas, pegar a mão do Ayzen e encostar na minha, o suficiente para sinalizar que eu tava pronta para a aula. Dessa vez vou prestar atenção, prometo! É que eu sou ambiciosa, então o jogo só começou.

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