Disclaimer: Pra quem é sensível com palavras de baixo calão (palavrão, em termos mais simples), esteja avisado que o texto está repleto delas.
Depois do episódio acontecido na casa - ou melhor dizendo, da mansão - de minha amiga Cassandra, eu simplesmente não podia deixar passar. Quem quer que tenha feito eu passar por ladrão de amigo vai ter que se resolver comigo, de um jeito ou de outro. Logo antes de sair da casa dela pude perceber algumas coisas: A janela estava quebrada, portanto não era alguém que tinha alguma forma de acesso dentro da casa, logo podendo excluir todas as pessoas que trabalhavam para Cass. Além disso, nada havia sido realmente roubado, apenas aquilo que estava no meu bolso. Então, certamente alguém havia tentado me ferrar e foi lá apenas para isso. Decidi então fazer uma ligação em um telefone público.
— Alô? — Uma voz feminina calma, séria e até um tanto fria atendia. — Quem é e o que quer?
— Ah, meu bem, não fala assim comigo que eu fico triste... — Apenas por essa forma de falar ela já teria percebido quem era mas, por via das dúvidas, me identifiquei — É o V.. Quanto tempo...
— Ah, oi. — Ela não parecia super empolgada em me ouvir falar. — Então...?
— Preciso de umas infos, pode me ajudar?
— O que tem em mente?
— Sabia que podia contar com você... Bem, tu conhece algum cara do envolvimento que usa máscara? Que anda com um merda de um Hypno? Assaltante de casa, não sei o que mais o bosta faz. Alguém nessa descrição te vem à cabeça?
— Tenho alguns nomes em mentes... Mas por que quer saber de alguém tão especifico, V.? Qual é a da vez?
— Leona, esse cara me fodeu e agora eu virei ladrão de amigo por causa dele, preciso acertar umas contas.
Ela ficava em silêncio por uns segundos e simplesmente desligou na minha cara. Estalei a língua em descontentamento e segui em frente, já que ela não iria me ajudar. Eu estava começando a sentir uma dor de cabeça leve. Teria sido algum efeito daquele Hypno desgraçado? Suspirei enquanto pensava sobre isso, colocando a palma da mão sobre a testa, por cima da sobrancelha esquerda enquanto fechava um dos olhos, por conta da dor. Caminhava pela cidade enquanto tentava pensar neste ocorrido. Leona nunca foi de desligar na cara sem motivos, o que significava que ela poderia ter um envolvimento nisso... Não, Leona não me ferraria, então pode ser que seja alguém próximo a ela... Mas quem próximo a ela me ferraria dessa forma?
Eu não poderia saber tão facilmente. Enquanto seguia caminhando pelas ruas de Saffron, estava prestes a passar em frente ao Ginásio Pokémon, enquanto encarava-o do outro lado da rua, com certo desdém. Muitas pessoas entravam ali para desafiar a líder, esperando terem alguma chance de conseguir um pedaço de metal idiota, que gera um status indevido. Ugh, como isso me irrita. A dor de cabeça se intensificava ainda mais quando eu passava pelo Ginásio, ao ponto que eu precisei parar e encostar-me em algum poste de luz. Colocando ambas as mãos sobre a cabeça, na mesma região de antes, mas agora com muito mais força e agarrando um pouco do cabelo logo acima, apertava as mechas na tentativa de gerar uma outra dor para que essa dor na cabeça fosse momentaneamente esquecida, mas não funcionava de jeito nenhum. Minha visão se turvava, eu não conseguia enxergar mais nada, apenas uma fumaça roxa. Roxo? Espera... De novo? Ah, merda...
Mas, dessa vez, ao abrir os olhos, eu não estava na borda de um precipício. Estava no mesmo local de antes de fechar os olhos. Mas, diferente de antes, a sombra agora estava a minha frente.
— É você, não é? Seu desgraçado. — Perguntei, com um pouco de raiva ao falar.
O Pokémon se virava para me olhar nos olhos e aos poucos ele ia virando de cabeça para baixo — Achou que se livraria de mim com tanta facilidade?
— Filho da puta, é você mesmo! — Exclamava, franzindo o cenho e rangendo os dentes depois de falar. Falava em um tom bem alto, mas sem "gritar". — É por sua causa que eu não durmo, que toda vez que eu durmo eu... Eu... Porra, eu me jogo de algum lugar alto. Cada vez em um lugar diferente. O que tu quer de mim, seu merda?
O Pokémon ficava me encarando em uma expressão séria — Você já matou alguém, Victor?
Congelei por um tempo. A pergunta fora deveras contundente e eu havia ficado um pouco ansioso com ela. Sentia o coração palpitar. Decidi falar a verdade, o que ele poderia fazer pra me atormentar mais do que eu já estou? — Sim. Foi um trabalho. E daí?
— E qual foi a sensação de tirar uma vida com suas próprias mãos? Acabar com algo que poderia ter um futuro brilhante e fazer a diferença mesmo que para uma única pessoa? Você gostou? Gostou, Victor? Gostou de brincar de ser um Deus? — Ele ia ficando cada vez mais próximo de mim, com aqueles olhos arregalados e um sorriso malicioso no rosto.
— Não teve nada a ver com meu prazer e sim da pessoa que me contratou. — Ao menos essa era a forma que meu consciente falava e que eu achava ser a correta. — Mas você, eu mataria e talvez fosse gostar disso. Finalmente teria paz. — De certa forma, era um pouco amedrontadora a presença dele, pois possuía feições que lembram monstruosidades, dentes pontiagudos e um sorriso maquiavélico, junto de olhos enormes e arregalados. Típico cenário de terror, portanto o emocional estava um pouco abalado, principalmente em entender que era esse Pokémon que me empurrava todas as noites em que dormia. Por isso, estava com mais raiva dele do que medo, apesar dos sentimentos coexistirem. — Não existe um deus, por falar nisso.
O Pokémon ficava o encarando e então afastava-se um pouco — Então... Sujou as mãos por uma pessoa que não tinha coragem de matar... Você acha que isso é comum, Victor? Que matar é fácil? Você já parou para pensar que esta alma pode estar assombrando alguém próximo de você assim como eu o assombro? — O Pokémon olhou de relance para os meus pés. — Paz? Acha que terá paz algum dia atuando como atua? Indo a quem paga mais? Sem ter uma lei da vida? Até os ronins possuiam um bushido o qual nunca se quebrava, mas você parece apenas um Rattata que vai onde tem comida... Mas uma hora... Alguém mais forte surge e o pune... Acha que eu te faço cair atoa? Eu estou te mostrando, Victor... Estou te mostrando que, se seguir o mesmo caminho do meu antigo treinador, você vai acabar como ele... E como eu... Assombrando outras pessoas em desespero para que não cometam seus erros...
— Hah, então o quê? Tu é o bom samaritano? Cê acha que eu não sei que esse é um caminho de merda? Que eu vou apenas afastar todo mundo que me ama e cair no fundo do poço? Me conta uma novidade, seu merda. Mas deixa eu te contar uma: Eu não sei fazer outra coisa e ninguém jamais vai me dar a oportunidade de fazer outra coisa. Por isso eu vou me tornar o melhor no que eu sei fazer. Se isso não te agrada, mete o pé. Eu vou na igreja do e vão te exorcizar pra tu sair do meu cangote, seu filho da puta. É isso que tu quer? Eu não ligo. Sempre estive sozinho, mesmo. Quando dava por mim, sentia o rosto molhado em uma linha reta que partia do olho e descia até o queixo. O que? Eu, chorando? Nessa altura do campeonato? Irônico.
— Quem te ama, Victor? A única pessoa que te deu atenção tem medo de você a trair a ponto de achar que você foi pago para roubá-la. A outra que você dá em cima de forma incansável sequer te ajuda em um momento de desespero. É isso o que você chama de ser amado? Deplorável a sua situação, você é apenas um humano patético com pensamentos primitivos cujo os quais sequer foram desenvolvidos. Imagino o porque agora de sua mãe nunca ter sequer lhe feito uma ligação, você se tornou apenas mais um numero entre milhões. Vá, vá ao padre e peça para que ele te exorcize, Volte a sua vidinha patética rodeada de pessoas que ou o temem ou não ligam para o que vai acontecer com você, leve outro soco de outro Pokémon e vá correndo para sua amiga te curar... Ah, opa... ela não confia mais em você.
Na verdade, o pior de tudo é que o filho da puta ta certo. Mas eu, dar o braço a torcer? Nem fudendo. — Vai te fuder, caralho. E tu tá fazendo o que seguindo por aí um, como você diz, humano patético que nem eu? Isso não te faz tão merda quanto? Tá achando o quê? Que só porque tu tem razão que eu vou seguir teu conselho e mudar de vida? Não tem vida pra mim, entende isso de uma vez. Pelo menos... Não uma vida normal. Essa sociedade de merda só te considera alguém se tu tem um Pokémon com você, se tu consegue deixar esse Pokémon superpoderoso de forma que ninguém vai ter as bolas pra te enfrentar numa batalha a sério. Pode olhar pra essa líder de ginásio daqui. Com esses Pokémon esquisitos ela tem uma vida perfeita, é rica, se veste bem, comanda a porra de um ginásio. Eu não quero essa merda pra mim, não quero depender de vocês, quero fazer meus próprios corres. Talvez eu esteja errado mas é como eu quero viver... — E assim, parava de falar.
— Você acha que ainda não existem chances nesse mundo? Você conhece os bandidos como ninguém, porque não agora começar a ser um mercenário do bem? Ajudar a encontrar ladrões, assassinos, ajudar a fazer a diferença com o conhecimento criminal que você tem. Você quer saber porque eu te assombro? Porque eu vejo que, apesar do cérebro de Caterpie, você pode se tornar um Butterfree, e eu uso o "free" no duplo sentido da palavra.
Do modo mais tsundere possível, cruzei os braços e evitei contato visual com o Pokémon. O desgraçado me ganhou no argumento e com fatos. — Eu nunca pretendi ajudar apenas os bandidos. As coisas apenas acabaram seguindo pra esse rumo. Já aceitei alguns trampos pra polícia logo depois que saí da prisão, mas depois nunca mais me chamaram pra nada. Só o outro lado que quer algo de mim... Os Rockets principalmente. Eu não vejo chance pra mim, meu 'parcero'. Não sei como você vê. — Sim, estava me fazendo um pouco de vítima mas era um sentimento real e provavelmente o Pokémon era capaz de sentir isso. Suspirei. — Eu... Vou pensar no que você disse. Posso te pedir algo em troca?
A nuvem roxa ficou me olhando — Sabe por que não o chamaram? Porque a partir do momento que você ajudou o inimigo, deixaram de confiar em você. Quem confia em uma pessoa resfriada para lhe fazer o almoço? — Ele ouvia minha perguntar e ficava o encarando — Sim, peça.
— Considerando minhas habilidades culinárias eu confiaria... Mas sei que tua metáfora não significa isso. Mantinha o 'humor' mesmo naquela situação. Suspirava, pensando no que iria pedir ao Pokémon. Que engraçado, depois de anos rejeitando o sistema, um Pokémon quase me convence... — É um pedido bobo, mas eu quero dormir. Direito. Como um ato de boa fé. — Me sentia até um pouco envergonhado em fazer um pedido assim mas oito meses me privando do sono sempre que possível tinha acabado comigo. Talvez fosse um bom começo, conseguir ter uma noite de sono com as energias renovadas.
O Pokémon dava uma risada alta com o pedido dele, o rodeando e parando atrás dele — Você sempre pôde dormir... Era só sair de perto da merda do penhasco... Faça uma coisa assim que puder: Vá até a Sabrina. Eu preciso dela para uma coisa, e você também precisa. — Ele ria e então eu me senti puxado de maneira forte contra o meu próprio corpo, acordando no chão daquela mesma rua.
Eu sentia alguém me cutucando no rosto. Abri meus olhos vagarosamente enquanto ia recobrando a consciência. Era uma garota, pálida, com cabelos escuros, com um corpo deveras maravilhoso, na minha opinião, e com um olhar frio e parecia estar lendo a minha mente.
— Eu... Apaguei aqui?
— Sim, e um pouco mais do que isso. Venha comigo, por favor.
Ela me levava até o Ginásio. Quando adentrávamos ao local, todas as pessoas que pareciam trabalhar ali a cumprimentavam com grande respeito. Ela parecia ser até mesmo mais nova que eu e, mesmo assim, tinha tamanho respeito das pessoas. Isso era algo que eu queria para mim, fiquei pensando nisso enquanto a seguia.
— A sua... Conversa... Com aquele Gastly... Foi bastante intrigante. Não se preocupe, aquilo durou apenas um minuto, você desmaiou e toda a conversa aconteceu... Na sua mente.
— Quê? Como assim? — Realmente estava confuso, não entendia nada do que a garota estava falando.
— Aquilo que você viu... Aquela sombra... É um Pokémon. Ele quer ser seu. Ele quer que você o treine e que melhore sua vida. Ele quer te ajudar a ser uma pessoa melhor. Melhor que seu antigo treinador. Eu... Me vejo numa situação parecida e... Quero te ajudar, também. Sei que você quer ser respeitado, ter um nome que as pessoas reconheçam e respeitem... Com o Gastly, você poderá obter isso.
— E me render à porra do sistema...
— Sim. Mas isso não é algo ruim. Aceite-o, aceite o Gastly e veja como o mundo Pokémon não é tão ruim quanto você pensa. Aqui, pegue isto. — Ela oferecia uma Pokébola pra mim.
— Tá. Eu não prometo nada. — Pegava a Pokébola e guardava no bolso, ainda muito relutante em cogitar a ideia de ter um Pokémon, depois de tantos anos trabalhando sozinho.
Tudo isso tinha acontecido há dois anos, um pouco antes da grande inundação.
Estava chovendo. Muito. O vento estava forte, era quase impossível caminhar sem ser carregado por ele. Eu precisava ir ver minha mãe. A água já estava se acumulando nas ruas e eu sabia que nossa casa não aguentaria uma coisa assim. Eu tinha que ir ver se ela está bem. Lutando contra a força da natureza, fui me esgueirando pela cidade, passando sempre ao lado dos grandes prédios, evitando a maior parte da força do vendaval e evitando o grosso da chuva. Todo ensopado, bati na porta, mas ninguém respondeu. A porta estava trancada. Merda...
A sombra retornava. Eu não tinha capturado o Gastly ainda. Ele sussurrava em meu ouvido.
— Precisamos sair daqui. Vamos morrer se ficarmos aqui.
— Eu não vou abandonar minha mãe, esquece.
Apesar dos meus esforços, nunca consegui encontrar minha mãe. Ela poderia estar no trabalho, certamente, mas com todo esse temporal não consegui ir até lá. A inundação estava aumentando e o alerta em Saffron já havia sido tocado há muito tempo. A polícia estava orientando as pessoas a saírem da região temporariamente.
Enquanto eu tentava apenas sobreviver, a chuva piorou muito e a água já estava no nível do meu joelho. Um trovão atingiu uma arvore e um pedaço enorme dela caiu sobre a minha cabeça, me deixando inconsciente imediatamente. Acordei depois, muito depois. Já não havia mais chuva, apesar do tempo estar nublado. Eu sentia um balanço forte, ouvia o som de um motor e sentia uma vibração nas minhas costas. Estava em um barco a motor, deitado nele.
A pessoa que pilotava, uma mulher muito forte fisicamente, me olhava de relance. — Finalmente cê acordou, garoto. Achei que cê tinha morrido aí.
— Onde que eu tô? — Perguntei, ainda desnorteado.
— Cê tá no James Roger. Meu barco. Bem... Se tu queria saber da região, estamos à caminho de Hoenn.
— Hoenn? Por que? ESPERE! Eu... Eu tenho que voltar!
— Não tem nada lá, garoto. Kanto tá inundada, tá todo mundo fazendo o mesmo que a gente.
— Como você me achou?
— Teu Pokémon me achou, na verdade. Ele parecia desesperado e eu vi que ele queria me mostrar alguma coisa, então eu segui ele e aí eu te vi.
— Meu...? — Olhando para meu abdômen, via uma bolota arroxeada que exalava um gás em cima de mim. Como ele não tinha peso algum, sequer havia notado. O Gastly estava dormindo.
— É, ué. Esse aí não é teu Pokémon?
Fiquei pensativo por um tempo. Respondia a mulher com uma incerteza. — É... É, sim.
Foi o primeiro momento que cogitei aceitá-lo como meu Pokémon. Ele, então, havia acordado. Eu acabei puxando a Pokébola, no impulso. Gastly me encarou fixamente com os olhos arregalados dele. Eu estendi a Pokébola na direção dele, lentamente, com receio. Ele então se moveu e bateu com a testa na Pokébola, entrando nela imediatamente, sem nenhum tipo de resistência.
Depois de um longo tempo de viagem, atraquei em Slateport. Eu não fazia ideia do que eu tinha de fazer. Resolvi perguntar à moça do barco.
— Onde posso achar o Professor Pokémon da região?
— Vish, garoto. É longe daqui a pé. Eu vou te levar até perto de lá. Vamos atracar no pequeno cais da casa do Sr. Briney, dali eu te explico.
Depois de mais uma longa viagem, atracando próximo a Petalburg, fui instruído em como poderia chegar à Littleroot Town, que era onde estava localizado o Laboratório do Professor Birch. Ao chegar lá, ele não estava. Os assistentes me disseram que ele sempre estava fora, que odiava ficar no laboratório e preferia fazer as pesquisas de campo. De toda forma, me deram um amparo com algumas dicas iniciais e me ofereceram o que oferecem aos treinadores iniciantes: Um Pokémon, uma Pokédex, e outros equipamentos extras. No entanto, quando viram que eu já possuía um Pokémon, fiquei apenas com os equipamentos. A partir daí... Eu não fazia ideia de onde ir. Eu ainda precisava encontrar minha mãe.
Durante esses dois anos de inundação em Kanto, eu estive em Hoenn, procurando por minha mãe. Até agora não a encontrei. Gastly andava comigo mas eu nunca tinha utilizado-o em uma batalha, pois sequer havia me envolvido em uma. Eu não entrava nas florestas ou corria qualquer risco de esbarrar com um Pokémon selvagem. Na verdade, durante todo esse tempo, mal passei de Petalburg novamente, porque precisaria entrar na Petalburg Woods. Era hora de mudar as coisas.
Depois do episódio acontecido na casa - ou melhor dizendo, da mansão - de minha amiga Cassandra, eu simplesmente não podia deixar passar. Quem quer que tenha feito eu passar por ladrão de amigo vai ter que se resolver comigo, de um jeito ou de outro. Logo antes de sair da casa dela pude perceber algumas coisas: A janela estava quebrada, portanto não era alguém que tinha alguma forma de acesso dentro da casa, logo podendo excluir todas as pessoas que trabalhavam para Cass. Além disso, nada havia sido realmente roubado, apenas aquilo que estava no meu bolso. Então, certamente alguém havia tentado me ferrar e foi lá apenas para isso. Decidi então fazer uma ligação em um telefone público.
— Alô? — Uma voz feminina calma, séria e até um tanto fria atendia. — Quem é e o que quer?
— Ah, meu bem, não fala assim comigo que eu fico triste... — Apenas por essa forma de falar ela já teria percebido quem era mas, por via das dúvidas, me identifiquei — É o V.. Quanto tempo...
— Ah, oi. — Ela não parecia super empolgada em me ouvir falar. — Então...?
— Preciso de umas infos, pode me ajudar?
— O que tem em mente?
— Sabia que podia contar com você... Bem, tu conhece algum cara do envolvimento que usa máscara? Que anda com um merda de um Hypno? Assaltante de casa, não sei o que mais o bosta faz. Alguém nessa descrição te vem à cabeça?
— Tenho alguns nomes em mentes... Mas por que quer saber de alguém tão especifico, V.? Qual é a da vez?
— Leona, esse cara me fodeu e agora eu virei ladrão de amigo por causa dele, preciso acertar umas contas.
Ela ficava em silêncio por uns segundos e simplesmente desligou na minha cara. Estalei a língua em descontentamento e segui em frente, já que ela não iria me ajudar. Eu estava começando a sentir uma dor de cabeça leve. Teria sido algum efeito daquele Hypno desgraçado? Suspirei enquanto pensava sobre isso, colocando a palma da mão sobre a testa, por cima da sobrancelha esquerda enquanto fechava um dos olhos, por conta da dor. Caminhava pela cidade enquanto tentava pensar neste ocorrido. Leona nunca foi de desligar na cara sem motivos, o que significava que ela poderia ter um envolvimento nisso... Não, Leona não me ferraria, então pode ser que seja alguém próximo a ela... Mas quem próximo a ela me ferraria dessa forma?
Eu não poderia saber tão facilmente. Enquanto seguia caminhando pelas ruas de Saffron, estava prestes a passar em frente ao Ginásio Pokémon, enquanto encarava-o do outro lado da rua, com certo desdém. Muitas pessoas entravam ali para desafiar a líder, esperando terem alguma chance de conseguir um pedaço de metal idiota, que gera um status indevido. Ugh, como isso me irrita. A dor de cabeça se intensificava ainda mais quando eu passava pelo Ginásio, ao ponto que eu precisei parar e encostar-me em algum poste de luz. Colocando ambas as mãos sobre a cabeça, na mesma região de antes, mas agora com muito mais força e agarrando um pouco do cabelo logo acima, apertava as mechas na tentativa de gerar uma outra dor para que essa dor na cabeça fosse momentaneamente esquecida, mas não funcionava de jeito nenhum. Minha visão se turvava, eu não conseguia enxergar mais nada, apenas uma fumaça roxa. Roxo? Espera... De novo? Ah, merda...
Mas, dessa vez, ao abrir os olhos, eu não estava na borda de um precipício. Estava no mesmo local de antes de fechar os olhos. Mas, diferente de antes, a sombra agora estava a minha frente.
— É você, não é? Seu desgraçado. — Perguntei, com um pouco de raiva ao falar.
O Pokémon se virava para me olhar nos olhos e aos poucos ele ia virando de cabeça para baixo — Achou que se livraria de mim com tanta facilidade?
— Filho da puta, é você mesmo! — Exclamava, franzindo o cenho e rangendo os dentes depois de falar. Falava em um tom bem alto, mas sem "gritar". — É por sua causa que eu não durmo, que toda vez que eu durmo eu... Eu... Porra, eu me jogo de algum lugar alto. Cada vez em um lugar diferente. O que tu quer de mim, seu merda?
O Pokémon ficava me encarando em uma expressão séria — Você já matou alguém, Victor?
Congelei por um tempo. A pergunta fora deveras contundente e eu havia ficado um pouco ansioso com ela. Sentia o coração palpitar. Decidi falar a verdade, o que ele poderia fazer pra me atormentar mais do que eu já estou? — Sim. Foi um trabalho. E daí?
— E qual foi a sensação de tirar uma vida com suas próprias mãos? Acabar com algo que poderia ter um futuro brilhante e fazer a diferença mesmo que para uma única pessoa? Você gostou? Gostou, Victor? Gostou de brincar de ser um Deus? — Ele ia ficando cada vez mais próximo de mim, com aqueles olhos arregalados e um sorriso malicioso no rosto.
— Não teve nada a ver com meu prazer e sim da pessoa que me contratou. — Ao menos essa era a forma que meu consciente falava e que eu achava ser a correta. — Mas você, eu mataria e talvez fosse gostar disso. Finalmente teria paz. — De certa forma, era um pouco amedrontadora a presença dele, pois possuía feições que lembram monstruosidades, dentes pontiagudos e um sorriso maquiavélico, junto de olhos enormes e arregalados. Típico cenário de terror, portanto o emocional estava um pouco abalado, principalmente em entender que era esse Pokémon que me empurrava todas as noites em que dormia. Por isso, estava com mais raiva dele do que medo, apesar dos sentimentos coexistirem. — Não existe um deus, por falar nisso.
O Pokémon ficava o encarando e então afastava-se um pouco — Então... Sujou as mãos por uma pessoa que não tinha coragem de matar... Você acha que isso é comum, Victor? Que matar é fácil? Você já parou para pensar que esta alma pode estar assombrando alguém próximo de você assim como eu o assombro? — O Pokémon olhou de relance para os meus pés. — Paz? Acha que terá paz algum dia atuando como atua? Indo a quem paga mais? Sem ter uma lei da vida? Até os ronins possuiam um bushido o qual nunca se quebrava, mas você parece apenas um Rattata que vai onde tem comida... Mas uma hora... Alguém mais forte surge e o pune... Acha que eu te faço cair atoa? Eu estou te mostrando, Victor... Estou te mostrando que, se seguir o mesmo caminho do meu antigo treinador, você vai acabar como ele... E como eu... Assombrando outras pessoas em desespero para que não cometam seus erros...
— Hah, então o quê? Tu é o bom samaritano? Cê acha que eu não sei que esse é um caminho de merda? Que eu vou apenas afastar todo mundo que me ama e cair no fundo do poço? Me conta uma novidade, seu merda. Mas deixa eu te contar uma: Eu não sei fazer outra coisa e ninguém jamais vai me dar a oportunidade de fazer outra coisa. Por isso eu vou me tornar o melhor no que eu sei fazer. Se isso não te agrada, mete o pé. Eu vou na igreja do e vão te exorcizar pra tu sair do meu cangote, seu filho da puta. É isso que tu quer? Eu não ligo. Sempre estive sozinho, mesmo. Quando dava por mim, sentia o rosto molhado em uma linha reta que partia do olho e descia até o queixo. O que? Eu, chorando? Nessa altura do campeonato? Irônico.
— Quem te ama, Victor? A única pessoa que te deu atenção tem medo de você a trair a ponto de achar que você foi pago para roubá-la. A outra que você dá em cima de forma incansável sequer te ajuda em um momento de desespero. É isso o que você chama de ser amado? Deplorável a sua situação, você é apenas um humano patético com pensamentos primitivos cujo os quais sequer foram desenvolvidos. Imagino o porque agora de sua mãe nunca ter sequer lhe feito uma ligação, você se tornou apenas mais um numero entre milhões. Vá, vá ao padre e peça para que ele te exorcize, Volte a sua vidinha patética rodeada de pessoas que ou o temem ou não ligam para o que vai acontecer com você, leve outro soco de outro Pokémon e vá correndo para sua amiga te curar... Ah, opa... ela não confia mais em você.
Na verdade, o pior de tudo é que o filho da puta ta certo. Mas eu, dar o braço a torcer? Nem fudendo. — Vai te fuder, caralho. E tu tá fazendo o que seguindo por aí um, como você diz, humano patético que nem eu? Isso não te faz tão merda quanto? Tá achando o quê? Que só porque tu tem razão que eu vou seguir teu conselho e mudar de vida? Não tem vida pra mim, entende isso de uma vez. Pelo menos... Não uma vida normal. Essa sociedade de merda só te considera alguém se tu tem um Pokémon com você, se tu consegue deixar esse Pokémon superpoderoso de forma que ninguém vai ter as bolas pra te enfrentar numa batalha a sério. Pode olhar pra essa líder de ginásio daqui. Com esses Pokémon esquisitos ela tem uma vida perfeita, é rica, se veste bem, comanda a porra de um ginásio. Eu não quero essa merda pra mim, não quero depender de vocês, quero fazer meus próprios corres. Talvez eu esteja errado mas é como eu quero viver... — E assim, parava de falar.
— Você acha que ainda não existem chances nesse mundo? Você conhece os bandidos como ninguém, porque não agora começar a ser um mercenário do bem? Ajudar a encontrar ladrões, assassinos, ajudar a fazer a diferença com o conhecimento criminal que você tem. Você quer saber porque eu te assombro? Porque eu vejo que, apesar do cérebro de Caterpie, você pode se tornar um Butterfree, e eu uso o "free" no duplo sentido da palavra.
Do modo mais tsundere possível, cruzei os braços e evitei contato visual com o Pokémon. O desgraçado me ganhou no argumento e com fatos. — Eu nunca pretendi ajudar apenas os bandidos. As coisas apenas acabaram seguindo pra esse rumo. Já aceitei alguns trampos pra polícia logo depois que saí da prisão, mas depois nunca mais me chamaram pra nada. Só o outro lado que quer algo de mim... Os Rockets principalmente. Eu não vejo chance pra mim, meu 'parcero'. Não sei como você vê. — Sim, estava me fazendo um pouco de vítima mas era um sentimento real e provavelmente o Pokémon era capaz de sentir isso. Suspirei. — Eu... Vou pensar no que você disse. Posso te pedir algo em troca?
A nuvem roxa ficou me olhando — Sabe por que não o chamaram? Porque a partir do momento que você ajudou o inimigo, deixaram de confiar em você. Quem confia em uma pessoa resfriada para lhe fazer o almoço? — Ele ouvia minha perguntar e ficava o encarando — Sim, peça.
— Considerando minhas habilidades culinárias eu confiaria... Mas sei que tua metáfora não significa isso. Mantinha o 'humor' mesmo naquela situação. Suspirava, pensando no que iria pedir ao Pokémon. Que engraçado, depois de anos rejeitando o sistema, um Pokémon quase me convence... — É um pedido bobo, mas eu quero dormir. Direito. Como um ato de boa fé. — Me sentia até um pouco envergonhado em fazer um pedido assim mas oito meses me privando do sono sempre que possível tinha acabado comigo. Talvez fosse um bom começo, conseguir ter uma noite de sono com as energias renovadas.
O Pokémon dava uma risada alta com o pedido dele, o rodeando e parando atrás dele — Você sempre pôde dormir... Era só sair de perto da merda do penhasco... Faça uma coisa assim que puder: Vá até a Sabrina. Eu preciso dela para uma coisa, e você também precisa. — Ele ria e então eu me senti puxado de maneira forte contra o meu próprio corpo, acordando no chão daquela mesma rua.
Eu sentia alguém me cutucando no rosto. Abri meus olhos vagarosamente enquanto ia recobrando a consciência. Era uma garota, pálida, com cabelos escuros, com um corpo deveras maravilhoso, na minha opinião, e com um olhar frio e parecia estar lendo a minha mente.
— Eu... Apaguei aqui?
— Sim, e um pouco mais do que isso. Venha comigo, por favor.
Ela me levava até o Ginásio. Quando adentrávamos ao local, todas as pessoas que pareciam trabalhar ali a cumprimentavam com grande respeito. Ela parecia ser até mesmo mais nova que eu e, mesmo assim, tinha tamanho respeito das pessoas. Isso era algo que eu queria para mim, fiquei pensando nisso enquanto a seguia.
— A sua... Conversa... Com aquele Gastly... Foi bastante intrigante. Não se preocupe, aquilo durou apenas um minuto, você desmaiou e toda a conversa aconteceu... Na sua mente.
— Quê? Como assim? — Realmente estava confuso, não entendia nada do que a garota estava falando.
— Aquilo que você viu... Aquela sombra... É um Pokémon. Ele quer ser seu. Ele quer que você o treine e que melhore sua vida. Ele quer te ajudar a ser uma pessoa melhor. Melhor que seu antigo treinador. Eu... Me vejo numa situação parecida e... Quero te ajudar, também. Sei que você quer ser respeitado, ter um nome que as pessoas reconheçam e respeitem... Com o Gastly, você poderá obter isso.
— E me render à porra do sistema...
— Sim. Mas isso não é algo ruim. Aceite-o, aceite o Gastly e veja como o mundo Pokémon não é tão ruim quanto você pensa. Aqui, pegue isto. — Ela oferecia uma Pokébola pra mim.
— Tá. Eu não prometo nada. — Pegava a Pokébola e guardava no bolso, ainda muito relutante em cogitar a ideia de ter um Pokémon, depois de tantos anos trabalhando sozinho.
Tudo isso tinha acontecido há dois anos, um pouco antes da grande inundação.
Estava chovendo. Muito. O vento estava forte, era quase impossível caminhar sem ser carregado por ele. Eu precisava ir ver minha mãe. A água já estava se acumulando nas ruas e eu sabia que nossa casa não aguentaria uma coisa assim. Eu tinha que ir ver se ela está bem. Lutando contra a força da natureza, fui me esgueirando pela cidade, passando sempre ao lado dos grandes prédios, evitando a maior parte da força do vendaval e evitando o grosso da chuva. Todo ensopado, bati na porta, mas ninguém respondeu. A porta estava trancada. Merda...
A sombra retornava. Eu não tinha capturado o Gastly ainda. Ele sussurrava em meu ouvido.
— Precisamos sair daqui. Vamos morrer se ficarmos aqui.
— Eu não vou abandonar minha mãe, esquece.
Apesar dos meus esforços, nunca consegui encontrar minha mãe. Ela poderia estar no trabalho, certamente, mas com todo esse temporal não consegui ir até lá. A inundação estava aumentando e o alerta em Saffron já havia sido tocado há muito tempo. A polícia estava orientando as pessoas a saírem da região temporariamente.
Enquanto eu tentava apenas sobreviver, a chuva piorou muito e a água já estava no nível do meu joelho. Um trovão atingiu uma arvore e um pedaço enorme dela caiu sobre a minha cabeça, me deixando inconsciente imediatamente. Acordei depois, muito depois. Já não havia mais chuva, apesar do tempo estar nublado. Eu sentia um balanço forte, ouvia o som de um motor e sentia uma vibração nas minhas costas. Estava em um barco a motor, deitado nele.
A pessoa que pilotava, uma mulher muito forte fisicamente, me olhava de relance. — Finalmente cê acordou, garoto. Achei que cê tinha morrido aí.
— Onde que eu tô? — Perguntei, ainda desnorteado.
— Cê tá no James Roger. Meu barco. Bem... Se tu queria saber da região, estamos à caminho de Hoenn.
— Hoenn? Por que? ESPERE! Eu... Eu tenho que voltar!
— Não tem nada lá, garoto. Kanto tá inundada, tá todo mundo fazendo o mesmo que a gente.
— Como você me achou?
— Teu Pokémon me achou, na verdade. Ele parecia desesperado e eu vi que ele queria me mostrar alguma coisa, então eu segui ele e aí eu te vi.
— Meu...? — Olhando para meu abdômen, via uma bolota arroxeada que exalava um gás em cima de mim. Como ele não tinha peso algum, sequer havia notado. O Gastly estava dormindo.
— É, ué. Esse aí não é teu Pokémon?
Fiquei pensativo por um tempo. Respondia a mulher com uma incerteza. — É... É, sim.
Foi o primeiro momento que cogitei aceitá-lo como meu Pokémon. Ele, então, havia acordado. Eu acabei puxando a Pokébola, no impulso. Gastly me encarou fixamente com os olhos arregalados dele. Eu estendi a Pokébola na direção dele, lentamente, com receio. Ele então se moveu e bateu com a testa na Pokébola, entrando nela imediatamente, sem nenhum tipo de resistência.
Depois de um longo tempo de viagem, atraquei em Slateport. Eu não fazia ideia do que eu tinha de fazer. Resolvi perguntar à moça do barco.
— Onde posso achar o Professor Pokémon da região?
— Vish, garoto. É longe daqui a pé. Eu vou te levar até perto de lá. Vamos atracar no pequeno cais da casa do Sr. Briney, dali eu te explico.
Depois de mais uma longa viagem, atracando próximo a Petalburg, fui instruído em como poderia chegar à Littleroot Town, que era onde estava localizado o Laboratório do Professor Birch. Ao chegar lá, ele não estava. Os assistentes me disseram que ele sempre estava fora, que odiava ficar no laboratório e preferia fazer as pesquisas de campo. De toda forma, me deram um amparo com algumas dicas iniciais e me ofereceram o que oferecem aos treinadores iniciantes: Um Pokémon, uma Pokédex, e outros equipamentos extras. No entanto, quando viram que eu já possuía um Pokémon, fiquei apenas com os equipamentos. A partir daí... Eu não fazia ideia de onde ir. Eu ainda precisava encontrar minha mãe.
Durante esses dois anos de inundação em Kanto, eu estive em Hoenn, procurando por minha mãe. Até agora não a encontrei. Gastly andava comigo mas eu nunca tinha utilizado-o em uma batalha, pois sequer havia me envolvido em uma. Eu não entrava nas florestas ou corria qualquer risco de esbarrar com um Pokémon selvagem. Na verdade, durante todo esse tempo, mal passei de Petalburg novamente, porque precisaria entrar na Petalburg Woods. Era hora de mudar as coisas.