Lições de Amizade
Cavalgávamos debaixo do céu repleto de inúmeros cortes luminosos naquela noite. Ah! Que sensação maravilhosa. O vento batendo em meu rosto, os cabelos ao vento e a chuva fresca dando-me um banho. Esse é o sabor da liberdade!
Estávamos no caminho de volta de uma entrega de emergência em Olivine: algumas berries para uma jovem filha de um comerciante que precisava delas para que pudesse viver como uma criança saudável. Dinheiro no bolso, sorriso no rosto, compras na bolsa de sela, hora de voltar para casa.
- Quero ver a cara do papai na hora que ele ver a gorjeta que o Sr. Megumi deu pra gente! Eu ainda pude comprar a geleia de Roseli que mamãe gosta... Vai ficar todo mundo com um sorriso de orelha à orelha, pode apostar! - Comentei, dando um afago na crina de fogo do Pokémon, que relinchava da forma que apenas nós entendíamos. Sim! A crina dos Rapidash não machucam seres humanos amigáveis com eles. Pelo contrário, a sua temperatura é bem agradável por sinal, ao contrário do que muita gente pensa.
Assim como eu, Rapidash é um Pokémon que está acostumado com isso. Ganhamos a nossa vida desse jeito, galopando nessas campinas e entregando nossa orgulhosa colheita para os moradores da região e, com uma quantidade a mais de pagamento, até além.
Esse é meu companheiro desde pequena, quando ainda era um Ponyta. Nasceu da Stormchaser, que era a nossa mais forte e antiga Rapidash, que hoje infelizmente já não está mais entre nós. Arceus a tenha num ótimo lugar! Ganhou esse nome por ser uma égua extremamente ágil, sendo a nossa principal entregadora antes do seu filho poder finalmente tomar o seu lugar e dar-lhe uma aposentadoria tranquila. Como essa região é conhecida pelas suas constantes tempestades, não era raro que ela salvasse meus pais dos raios durante esses dias.
Naquela noite, em nosso caminho, avistamos uma forma estirada no chão. Aparentemente, Rapidash estava concentrado apenas em chegar em casa e não havia percebido a criatura desacordada e encharcada, cheia de lama.
- CUIDADO!
Foi a última coisa que percebi naquela série de situações. Tudo aconteceu rápido demais. O corcel manobrava suas patas dianteiras para desviar e acabava enfiando o casco na lama. Um urro de dor ecoou pela planície e então me vi obrigada a pular da sela caso não quisesse ter outro problema. Rolei um pouco matagal adentro, felizmente apenas com alguns arranhões.
Quando me levantei, Rapidash já estava no chão, agachado e sem forças para levantar. Morri de medo de acontecer o pior. Claramente o Pokémon não estava bem. Nem o outro, pelo que pude ver dali. As berries que eu tinha comigo não seriam suficientes para curá-lo por completo e me vi num enorme problema. Como deixá-lo ali? Poderia acontecer algo terrível. Todo mundo sabe como Pokémon de fogo não se dão bem com água. No meio da estrada era impossível a comunicação, visto que sinal de telefone era uma raridade naquele momento.
Droga! A única coisa que pude fazer era culpar a minha imprudência. Por quê eu nunca pensei que isso pudesse acontecer? Que raiva! Raiva da minha própria incompetência que poderia me custar um amigo. Não só um amigo, mas o meu único amigo.
Depois de um certo tempo, que para mim durou uma eternidade, pude sentir um farol vindo do outro lado. Certamente os deuses haviam me atendido e o ronco do motor indiscutível rapidamente dava-me uma certa tranquilidade. Ia dar tudo certo. Era só confiar.
Ambas as portas se abriam e mamãe dirigia a caminhonete enquanto papai chorava como uma criança. Não pude me conter, também. Desabei.
- Minha filha! Você quase nos mata de preocupação! - Berrou aquele homem enorme, que tinha um coração do mesmo tamanho que ele. Abraçou-me junto à mamãe. Ao ver Rapidash jogado no chão, ele havia logo entendido o que havia acontecido e colocou o cavalo nas costas com a maior facilidade e carinho do mundo, como se já tivesse feito aquilo várias e várias vezes. Enquanto isso, ela levava-me ao banco de trás do carro e voltava para trazer a bolsa de sela cheia de compras.
Assim que papai estendia uma lona acima da área traseira da caminhonete para proteger o Pokémon, finalmente aquele terror inicial havia acabado, mas a preocupação não. Papai também havia trazido o Pokémon perdido em seu colo, entrando no banco de trás comigo e estendendo sobre nós um cobertor velho e felpudo que estávamos acostumados a usar nesse tipo de ocasião. Tinha cheiro de casa. Esse cuidado me faz sentir como uma criança de novo, embora eu tecnicamente ainda seja uma, mas ainda é regenerador.
- Ele vai ficar bem? - Perguntei, pegando uma pequena garrafa térmica com chá de Pecha e bebendo um pouco. Docinho, refrescante e mesmo assim me aquecia e ajudava a respirar fundo.
- Ele e esse campeão aqui. Relaxa, filhota. Isso acontece com todo mundo que tem montarias. Eu já passei por isso, sua mãe também. Até juntos quando ela estava grávida de você. Ficamos mais preocupados em ter acontecido algo com você do que qualquer coisa. Você se machucou? - Disse meu pai, todo cuidadoso.
- Não... Só me arranhei quando caí, porque rolar fez amortecer a queda. Fora isso, acho que eles estão piores do que eu...
- Quando chegarmos em casa, vou examinar o Rapidash e o Shinx e ver se ocorreu algo sério. O que me encuca é que o Shinx não aparece por essas bandas, será que foi abandonado ou só está perdido? - Considerou mamãe, querendo acreditar que a segunda opção fosse mais viável, porém sabia que a primeira era quase certa. O Pokémon estava bem magro, com sinais de maus tratos claros e todo sujo de terra. Complicado...
- Se ele foi abandonado, iremos ficar com ele. Não vamos arriscar que outra pessoa faça isso. Bem que precisávamos mesmo de um Pokémon elétrico pro pastoreio das Mareeps e os Growlithes vão ficar felizes em terem mais um amigo para brincar.
Com a fala mansa do papai, finalmente já tinhamos chegado no rancho. Todo mundo - no caso, os Pokémon - estavam do lado de fora nos esperando com o mesmo zelo. Até mesmo uma das Miltank haviam preparado um leite quentinho para nos aquecermos depois de tomarmos um banho!
Com certeza, esse dia me deu uma lição séria. Apesar de tudo, preciso ser mais cautelosa com todo mundo. Tive sorte disso acontecer perto de casa, senão poderia ter sido muito pior. Me fez valorizar quem eu tenho a minha volta também, afinal todo mundo foi tão carinhoso que pude passar por essa situação sem traumas ainda maiores. Agora, é torcer pela recuperação do Rapidash e acompanhar direitinho as sessões de fisioterapia que mamãe começou a fazer nele para que volte à andar. Enquanto isso, papai cuida de Shinx para que ele possa se tornar um pastor que podemos nos orgulhar e digo pra vocês: ele é um ótimo aluno! Durante esse espaço de tempo entre o acidente e hoje, até tentamos achar o seu treinador, mas ninguém apareceu e decidimos ficar com ele, afinal ele se adaptou muito bem conosco. Espero que dê tudo certo!