Lá e de volta outra vez

Inspire, expire… inspire, expire. Uma coisa de cada vez, uma emoção à cada parte. Essa é a melhor forma para evitar decisões precipitadas ou, no caso, acabar revivendo experiências traumáticas. Era curioso a forma como as coisas funcionam: nada era absolutamente algo, totalmente unilateral e unidimensional. Até os tons de cinza existem variedades, nada é tão preto que não possa ter algo de branco, ou vice-versa. No caso da manhã maluca de Kiki, ela trazia consigo sentimentos estranhos por aquela agente de outra dimensão. Seria empatia? Solidariedade? Os flertes da grunt tocaram em solo fértil? Bom, isso era entre Kiki e seus botões, e talvez, só talvez, a criadora quisesse guardar isso em um potinho no fundo da prateleira de sentimentos, lidar com eles com tempo. É aquele tipo de coisa que precisa ser maturada, conversada internamente, aceita, para só depois ser compreendida.

Assim, ela tentava organizar os pensamentos dentro de sua cabeça enquanto ia de encontro a seus fiéis parceiros alados. Sim, o cadáver do RR já estava em posse da polícia lá atrás, então não era um problema. O que havia no horizonte para a jovem agora era simplesmente voltar para a casa e ter um almoço caprichado com seus parceiros. E assim ela fez, montando no gigante de pedra e alçando os céus, indo em direção de sua propriedade, seu refúgio do mundo e de suas questões complexas.

Logo que chegou, tratou de ir para a cozinha preparar os alimentos. Ainda não sei o que estava presente no cardápio, mas uma coisa era certa: o sol começava seu processo de descendimento, a tarde tomava conta e o primeiro terço do dia se passou. Quem diria que tantas coisas poderiam entrar em erupção apenas em uma manhã, não é?          
         

Era uma cena até bonitinha: Kiki descia de seu Aerodactyl e recolhia seus voadores, indo na direção da casa principal da propriedade. Logo atrás dela vinha exatamente a escadinha vegetal: Oddish, Belossom, Gloom e Vileplume! Claro que elas seriam a companhia da criadora naquele momento de almoço. Uma refeição leve, saudável e nutritiva era a escolha.

Oddish já tinha superado a despedida de seu amigo terrestre e aprontava das suas com Belossom. Vileplume por outro lado, procura ajudar sua mestra do melhor modo possível. Gloom preferiu tirar um cochilo recostado no sofá. Era uma conclusão de manhã e início de tarde bem tranquilo, apesar dos mantras repetidos mentalmente para não pensar muito sobre a charmosa invasora que cruzou seu caminho.

Almoço finalizado, cozinha arrumada, era hora de la siesta! A boa e velha cadeira de balanço com um delicioso chá, Aos poucos, as pálpebras da criadora foram pesando, e como um acalanto pacífico, ela adormeceu. Seus sonhos foram invadidos por uma sensação estranha, um misto de sentimentos tão complexos e tumultuados. O desfecho da situação com o Ayzen de outra dimensão, os acontecimentos desencadeados, o sentimento de ser observada a todo momento. Em um vislumbre, Kiki estava em pé, em um dos canteiros de sua fazenda. O clima estava agradável, haviam nuvens no céu deixando o sol menos castigante. Seus Pokémon estavam felizes, brincando ou cuidando dos canteiros e bosques. Então, uma figura sombria e encapuzada surge no campo de visão de Kiki. Ela se aproxima, pouco a pouco. Os Pokémon de Kiki não conseguem vê-la, algumas até passavam por dentro dela. Na velocidade dos batimentos de coração da criadora, a figura vinha, mais e mais perto, até fica diante da jovem. Retirando seu capuz, a revelação: aquela era a mesma versão de Kiki mais velha que a confrontou nos eventos com Celebi. Parada, olhando nos olhos de Kiki, com o rosto e mãos marcadas pelo tempo, a versão mais velha da criadora sussurra uma única palavra: “Eixo”

Acordando, assustada ou não, Kiki notaria que adormeceu por um tempo considerável. O sol, antes descendente de seu ponto a pino, agora estava mais próximo do horizonte. O Rotom Phone entregava: eram quase 16 horas. Um sono merecido, mas atormentado por alguma sensação, algum… gatilho.          
         

Algumas coisas devem ficar enterradas, para uma boa saúde mental. Outras deveriam ser confrontadas, para o mesmo fim. Para Kiki, essa relação de invasores e traumas estava longe de ser algo de fácil confronto, mesmo que essa frase seja legitimamente contraditória. Sim, sessões e mais sessões de terapia são um ótimo tipo de pá de cal para apagar incêndios, certo? Bom, dizem que parar se apagar um sonho, basta ocupar sua mente com algo imediatamente após o despertar, assim a recordação volta para os fundos de seu subconsciente, o local de origem dos sonhos, e se torna apenas uma sensação ou uma memória distorcida… a menos, é claro, que esse sonho se torne algo recorrente, como forma de “metáfora lúdica” de algo que nosso subconsciente entende por “problema” e usa-o como alerta. Mas talvez seja só mesmo um sonho… né?

Sobressaltada como estava, Kiki foi logo para o banheiro lavar o rosto e, quem sabe, bebericar um pouco de chá ou café, para dar aquele ânimo. O estrago feito por Diglett nem era assim tão problemático, mas como todo pequeno percalço, se não resolvido em tempo, vira um elefante na sala. Assim sendo, a criadora estava pronta para fazer aquilo que deveria ter feito antes se não tivesse tido uma manhã tão atípica! Ao todo eram quatro buracos, sendo o maior deles onde encontrou o Diglett brincalhão pela primeira vez. Os outros eram menores em extensão ou somente ligações de em um túneis, alguns deles sendo formados durante a brincadeira com Oddish. Nada muito problemático, como disso, uma boa atividade para manter a mente longe de certas… coisas.            
         

Nada como o otimismo para lidar situações adversas, não é mesmo? A ideia de um treino passou pela cabeça da jovem, mas pelo horário/tempo de luz natural juntamente com o frio que atingia a região à noite, talvez fosse melhor deixar para algum outro momento.

De qualquer modo, o trabalho começava a ser distribuído entre os voadores da especialista, entre pequenos e grandão. Aerodactyl começava a buscar pedras e, com sua poderosa mandíbula, quebrá-las em fragmentos menores dentro da cratera. Juntamente com a ajuda de Yanma, ele recolhia os elementos de trabalho e já começava a dar conta da tarefa. Archen também estava se saindo bem, meio que se divertindo com aquela tarefa, ele recolhia terra com a cauda e asas e ia fazendo montinhos, até ter o bastante para depositá-los dentro dos buracos.

Enquanto isso, a fazendeira dava uma volta pela propriedade para ver como iam as coisas e seus outros parceiros de vida rural! Passando pelo bosque, as Blisseys logo que a avistaram correram em sua direção, para dar e receber carinhos e matar a saudade. Uma dela, inclusive, pega a garota pela mão e leva até uma parte do local, onde havia uma grande árvore. E na metade do tronco, ela aponta toda animada para um Kakuna! Talvez a Blissey tenha acompanhado o crescimento daquele Pokémon, e quem sabe depois da crisálida se romper ela não ganha um amigo Beedrill?

Chegando no apiário, bem, era uma cacofonia! De um lado Fearow grasnando de alegria, do outro Pidgeotto. Swellow veio voando na direção de Kiki assim que a viu, como Blissey fez anteriormente, mas… e Xatu? O pássaro estava de pé, encarando o sol, de asas abertas, e ocasionalmente soltava um “XA-TU!” bem alto, como uma espécie de saudação ao astro rei!

Já no lago, a situação era um pouco diferente. O casal de Shellders estavam aproveitando o sol mais ameno para dar uma namorada sobre uma rocha e o Basculin saltava da água de vez em quando. Bem, pelo visto estava tudo ordem na fazenda, certo? Bom, é, tirando o fato de que o céu começou a ficar um pouco mais escuro, com uma movimentação maior de nuvens escuras… chuva?

Ainda não estava naquele ambiente de chuva iminente, mas o olhar aguçado de uma habitante do campo sabia quando o clima poderia mudar. Sabe aquele matuto do mato, que o sol pode tá rachando a terra, mas ele abre a janela de casa, puxa o ar pelo nariz e solta “VAI CHOVER”, e num passe de mágica o tempo fecha, começando o segundo Dilúvio? Ou quando o cenário é o mesmo, e você vai sair de casa e sua mãe grita “LEVA GUARDA CHUVA QUE VAI CHOVER!”, daí Poseidon rasga o céu a o sertão vira mar? Então, é algo parecido. Em algum momento em que a temperatura der uma caída, essa água vai descer. Confia!

E Kiki estava certa, seus Pokémon já buscavam se abrir do clima eminente, o bom e velho instinto de sobrevivência dos animais, o mesmo instinto que os humanos foram perdendo, com o tempo, junto do advento da tecnologia. Enfim, a moça voltava para onde estava seus pré-históricos e observava o trabalho.

Aerodactyl estava em um ritmo bom, porém havia muito entulho e pouca terra. Já Archen cobria alguns buracos com certa eficácia, mas ainda restavam alguns. Não dá para saber ao certo se eles terminariam antes da chuva, mas o trabalho estava indo...