Um destino rubro

De onde exatamente veio a ideia de colocar um óculos quebrado na cara para ver se algo acontecia, Eris nunca iria descobrir. Ela já tentara fazer isso assim que encontrara as lentes, não é possível que uma mera perna a mais faça alguma diferença, certo? Errado. MUITO errado. Não se sabe como, quando ou porquê, mas ALGUÉM resolveu embutir uma realidade virtual digna de um jogo de computador naqueles óculos, após serem conectados a uma das pernas que faltavam. Sendo dividida em 3 menus principais, um para cada uma das 3 primeiras letras do alfabeto,“A” tinha a resposta para uma das questões que vinha atormentando a ruiva. Sem pensar duas vezes, correu para o equipamento em que haviam vários fios soltos e passou a conectá-los de um a um, seguindo a mesma ordem da imagem que as lentes mostravam. Tinha certeza de que isso desbloquearia algo novo, afinal de contas, tudo aquilo não passava de um grande quebra-cabeça, e quem diria que uma epifania tão súbita lhe daria uma das peças?

Infelizmente, não teve tanta sorte com os outros menus. “B” mostrava papéis de fundo diferentes para uma mesma sala, o que talvez fosse útil para algum aspirante a arquiteto, mas para Eris não tinha nenhum uso imediato. Se a garota achou a seção B decepcionante, quase jogou os óculos no chão quando viu que C estava bloqueada por uma senha, e uma que ela com certeza não tinha. Quem sabe estivesse escondida em algum lugar daquela sala? E quem sabe esse menu guardasse o segredo para sair daquela sala, bem diante dos seus olhos, mas ainda assim fora do seu alcance? Como reclamar não adiantaria de nada, a ruiva voltou sua atenção para o que os fios reordenados tinham a lhe informar - precisava manter-se produtiva, mesmo que fosse a passos lentos. Hora ou outra, ela tinha que achar um jeito de sair dali.

Talvez Eris não devesse ter matado tantas aulas na escola. Com certeza era meio tarde para se lamentar por isso. Seus pais garantiram que ela tivesse uma fina educação em tudo o que era de interesse deles - basicamente, em como lutar bem, como comandar seus Pokémons e como cometer delitos sem ser pega (facilmente) pela polícia. A garota foi criada para ser uma boa agente da Equipe Aqua, mas não necessariamente uma líder, por isso suas habilidades sociais e seu raciocínio lógico-matemático podem ser meio… questionáveis, às vezes. E, depois de todo o estresse ao qual tinha sido submetida naquele dia, não é como se ela estivesse com muita clareza de mente. Estando sozinha, não tinha uma motivação sólida pra controlar seus impulsos - fora ensinada a conter-se na frente dos outros, apenas -, e isso tampouco melhorava sua situação. Ao ver que sua lógica estava bem errada, sua primeira reação foi tentar chutar a máquina. A segunda foi desviar um pouco a trajetória do chute para acertar a parede, pois um pé dolorido era bem melhor do que quebrar aquela coisa por acidente e acabar com as suas chances de sair dali.

Ainda irritada e praguejando contra a mãe que a máquina nem tinha, Eris pôs-se a pensar no que ela podia ter errado. A figura nos óculos era de fato muito semelhante ao painel, mas não havia outro igualmente parecido? No mesmo lugar onde ela achara as lentes, aliás. Claro, aquele não tinha fio nenhum para ser conectado, contudo, talvez não fosse tão improvável dizer que era baseado nele que a figura tinha sido feita. E, por mais parecido que fosse ao painel em que Ericka acabara de mexer, havia uma diferença gritante entre os dois: a numeração. Os números expostos em cada extremidade dos painéis eram os mesmos, entretanto, em uma ordem diferente. Isso significaria que a real ordem dos fios estava seguindo a enumeração do painel falso, e não do verdadeiro…? Não era uma hipótese ruim, valia a pena arriscar. Com certeza melhor que ficar parada esperando outra epifania vir. Então, tentou outra vez conectar os cabos, dessa vez seguindo essa nova lógica, e esperou para ver se algo aconteceria.
3 -> IV
2 -> III
4 -> V
1 -> II
5 -> I

Pelo visto, a ruiva ainda tinha alguns neurônios funcionais. Ênfase no ainda. Sua lógica tinha finalmente se mostrado correta, e ela podia respirar aliviada pela primeira vez no dia. Claro que ainda havia outras partes da sala que ela estava longe de desvendar - o gancho, os potes brilhantes e sabe-se lá o que mais -, porém os cabos lhe deram uma pista clara de qual era o próximo passo. Sem enrolações, sem informações desconexas, ela finalmente tinha diante dos olhos uma resposta tão clara quanto o dia, e isso sim melhora o humor de alguém! Após alguns instantes decorando as cores, correu para os tanques e garantiu que todos estivessem voltados para a direção correta. Azul - North, Verde - East, Rosa - West, Vermelho - South East… Ha, quem disse que inglês não seria útil na formação de um criminoso!? Tirando o fato de que todos os ataques dos Pokémons são nessa língua, claro, e todos preferem não se perguntar a qual região ela pertence. Tem certas coisas que são melhores quando você não gasta muita energia pensando a respeito. Mas eu devaneio. O fato é que a ordem foi dada, e a ruiva tinha bastante certeza de que sua dedução estava correta. O que viria agora?

Dizem por aí que são em momentos de crise que você mais descobre coisas novas sobre si. Os recentes eventos comprovaram sem sombra de dúvida que esse ditado está certo, e Eris sairia daquele lugar tendo aprendido uma valiosa lição sobre si mesma: ela era cega. Podia sair da base subterrânea direto pra um oftalmologista. De algum jeito o S tinha escapado TOTALMENTE da sua visão, seriam seus circuitos neurais já começando a pifar!? Rezemos para que não, pois esse com certeza é apenas o primeiro de muitos desafios que a menina terá que enfrentar nesse jogo de vida ou morte. De qualquer modo, ela logo consertou o erro, e algo bem peculiar aconteceu assim que todos os tanques apontaram na direção correta. Um outro tanque, preto e bem maior que os anteriores, emergiu de uma plataforma numa cena digna de um filme de ficção. Ele parecia funcionar da mesma forma que os outros 4, nenhuma novidade aí, mas Eris não estava muito disposta a ficar girando a barra de qualquer jeito até dar sorte e acertar. Afinal de contas, por que fazer isso quando havia outra pista literalmente brilhando na sua frente?

O tanque não foi a única alteração na sala: um dos monitores ligou, mostrando a imagem de uns cilindros bem familiares. Os mesmos que a ruiva tinha analisado não muitos minutos atrás. E, como já tinha percebido que eles brilhavam e só estava esperando para descobrir a ordem correta… não poderia continuar a ignorá-los, agora que a resposta tão encarecidamente fora dada, não é? Ao contrário dos fios, parecia uma resposta bem direta e Eris não viu espaço para pegadinhas, então resolveu seguir à risca a ordem que estava sendo mostrada no monitor. Não que ver estivesse sendo um dos seus pontos fortes naquele dia, mas pelo menos dessa vez esperava estar certa.

Mais uma cartela de números encontrada, e mais uma vez Eris se perguntava se realmente precisava encontrar todas antes de elas começarem a fazer sentido ou se apenas devia ter prestado mais atenção às aulas de matemática. Desnecessário dizer que ela preferia depositar sua confiança na primeira opção. 541114186123107… o único lugar em que ela queria ver tantos números juntos era a sua conta bancária. E não importava como organizasse-os, não havia nenhum significado aparente. Portanto, preferiu ignorá-los por mais um tempinho, assim como o grande tanque que continuava inalterado e sem muita utilidade no momento. Logo, focou sua atenção na única descoberta relevante que fizera: a última perna dos óculos, ou o fone de ouvido mais fora de moda da existência? Parecia uma mistura dos dois. Tentou juntar a peça às outras duas que já possuía, torcendo para que isso fosse o bastante para desbloquear a zona “C” do menu. Voltou a colocar os óculos, encaixando também o fone, e quem sabe pudesse enfim achar um jeito de sair dali.