Centro Pokémon - Slateport

Slateport era um dos meus locais favoritos.

Quer dizer, não que eu tenha algum apreço às cidades de Hoenn, mas ao menos a cidade dos portos já trazia um panorama melhor do que de onde eu estava anteriormente... Lavaridge era esquisita, quente e os moradores não eram lá tão simpáticos. Montada em Teriyaki, sobrevoei próximo ao Centro Pokémon, mas decidi indicar para o psíquico continuar adiante. Passamos algumas horas sobre a imensidão aquática que abraçava a cidade, observando o nascer-do-sol e sentindo o calor crescente aquecer minha alva pele e incomodar o olho tão acostumado com a penumbra do salão dourado de Shimmer do voador. O que parecia tão simples, um crepúsculo como qualquer outro, para mim era libertador: as imagens das ruínas — com todo aquele sangue e o pavor da morte que tanto desejei me alcançando — começavam a surgir como flashs, mas dessa vez estava livre para extravasar a plenos pulmões a felicidade que, talvez pela segunda vez em vinte e um anos, sentia em estar viva. E assim o fiz, bravejando para todos os Pelipper e Wingull que passavam por nós o êxtase que era estar presenciando mais um nascer da estrela central que rege o nosso tempo. Se alguém perguntasse, jamais assumiria que era eu gritando feito uma doida de manhã cedo no céu.

Com um cry levemente fino, Teriyaki me deixava ciente que estava ficando cansado. Abri um sorriso e acariciei sua barriga desenhada, sinalizando para que fosse na direção do Centro Pokémon. Talvez por estar com pressa para poder descansar, o psíquico desceu em rasante, aproveitando que não havia lá muitas pessoas caminhando pelas ruas e poderia fazer um pouso forçado. Desci e sinalizei para que Sigilyph me acompanhasse, deixando claro com meu olhar que não gostei muito da experiência.

— Filho, se o sol estava te incomodando, era só ter reclamado antes. Mas tá tudo bem. — tornei a acariciar sua barriga, aproveitando para adentrarmos juntos o Centro Pokémon; no processo, observei meu reflexo nas portas de vidro, com meus longos cabelos emaranhados como se tivesse saído de uma guerra — Senta aí um pouquinho, vou ver uma coisa. — respirei fundo, trazendo a mão enfaixada próxima ao peito; por um único segundo esqueci que não podia movimentá-la e tentei fechar os dedos, causando uma dor quase que descomunal que por muito pouco não me desmaiou ali mesmo — Argh... — aproximei-me do balcão, observando os itens ali dispostos para compra; para ser bem sincera, estava disfarçando: queria pedir por alguns analgésicos, mas não queria parecer uma pedinte viciada em drogas — ... — quer dizer, quem em sã consciência aparece de manhã cedo toda descabelada atrás de remédios? além disso, não é como se eu possuísse alguma receita já que quem cuidou de mim enquanto estava em coma foram os Rockets. — Er... — fiquei vermelha, observando de canto de olho a enfermeira me olhando curiosa para saber o que eu ia pedir — Nada. Deixa! — virei de costas para o balcão, observando quem que estava ali pelo Centro Pokémon poderia me ajudar; para o meu azar, não havia ninguém muito amigável... a não ser pelo loiro rapaz que acabou de entrar no edifício — Vai ter que ser ele mesmo. — disse para mim mesma com a voz quase sussurrante, buscando coragem para falar com ele — ... Oi? — caminhei em longos passos até o garoto, quase que esbarrando e impedindo-o de prosseguir para onde estava indo — Será que você pode me ajudar?

Ao longe, Teriyaki me observava sentado, balançando sua fina cabeça negativamente diversas vezes, claramente envergonhado. Honestamente, eu também estava, mas era melhor do que conseguir os remédios e depois acabar sendo alva de alguma investigação anti-drogas por aí... Imagina o esporro que eu tomaria da Organização se isso acontecesse? Claro, eu poderia simplesmente pentear o cabelo e ajeitar minhas roupas, mas com somente uma mão funcional, tudo isso toma muito, muito tempo. E eu ainda tinha que me preparar para encontrar o Daisuke no Festival. Inferno.

— Blake. Blake McBride... De onde eu conheço esse nome? — pensei, sozinha, levantando a cabeça aos poucos para olhar diretamente pro rosto do rapaz que, bom, era bem mais alto do que eu imaginava — ... — antes mesmo de responder a pergunta do suposto treinador, tornei a observá-lo, agora com um semblante curioso; de repente, a vergonha desaparecia e um meio sorriso despontava do rosto — Você... — a voz quase não saía; tentava buscar na memória de onde o conhecia conforme o gentil rapaz me acompanhava até um dos bancos do Centro Pokémon — ... Obrigada. — foi tudo que consegui dizer quando Blake saiu para buscar meu copo d'água — Ah, já sei! — exclamei, agora sozinha, feito uma desesperada; se antes a enfermeira já poderia estar suspeita, agora tinha toda razão do mundo de desconfiar de mim — Argh. — tornei a segurar a mão enfaixada, agora contra a barriga, na intenção de contar um pouco da dor constante que machucava os dígitos — ...

Não demorou muito e o rapaz retornava com o copo d'água. Gentilmente, o busquei, dando uma ou duas goladas para ainda ter o suficiente caso tivesse que tomar o analgésico depois. Suspirei, encostando a cabeça nas costas do banco, tornando a observar o rapaz. Agora lembrava perfeitamente de onde já tinha visto esse nome e esse rosto.

— Blake... Você já foi da Virtuu- — interrompi a mim mesma, me corrigindo — Antiga Circulus, né? — sorri, ainda tentando esconder um pouco da dor que assolava a enfaixada mão esquerda — Lembro de ver algo sobre você nos registros de lá, tinha foto e tudo. — voltei meu olhar brevemente para Teriyaki, que agora dormia todo torto encostado em uma mesa — Só um minuto. — busquei rapidamente a diferenciada esfera de pedra do psíquico, retornando-o — Me chamo Karinna! Muito prazer, faço parte da Virtuum, a nova, repaginada e, bom, melhor Circulus Virtutum. — guardando a Stone Ball de volta na bolsa, estendi a mão direita para Blake apertar — Obrigada pela ajuda, você é muito gentil. — até demais, eu diria, mas suas intenções pareciam bem genuínas — Desculpa o semblante de maluca dona de 20 Meowth... — dei uma risada sem graça — Meu Sigilyph ainda não sabe pousar muito bem e, pra completar, estou bem machucada. — ergui levemente a mão enfaixada, mostrando-a para o rapaz, um pouco envergonhada da situação que havia acabado de passar — Eu queria alguns analgésicos, mas com essa cara de doida, pensei que a enfermeira fosse me mandar diretamente pro manicômio de Lavander. Fiquei envergonhada. — respirei fundo, bufando no mesmo processo — Geralmente não sou assim, mas não estou muito boa da cabeça. Fiquei muito tempo perdida no deserto. — tornei a apertar a mão contra o corpo — V-Você disse que mora por aqui... É pescador?

Conforme Blake falava sobre a sociedade, somente concordei com a cabeça. A dor começava a me incomodar bastante e, para não ficar falando fazendo caretas, preferi somente consentir. Em determinado momento, o rapaz seguia até o balcão, buscando a cartela de remédio e entregando um deles para eu poder tomar. Sorri, colocando o comprimido na boca e bebendo o restante da água quase que de imediato. Torcia para o efeito ser rápido, mas enquanto isso, não ia ficar só sinalizando com a cabeça igual uma boneca motorizada. Ao ver a aproximação de Blastoise, aproveitei para sorrir para o Pokémon, mesmo com o loiro acreditando que poderia me incomodar.

— Não se preocupa. — sorri, me esticando para colocar o copo de água em cima da mesa de centro e voltando minha atenção para o Pokémon de Blake — Você é um garotão muito bonito, Sheldon! — disse com uma voz infantilizada, esticando a mão direita com certo receio para acariciá-lo, afinal, uma mordida do aquático e ficaria com ambas as mãos não-funcionais — Bem forte! Deve vencer muitas batalhas! — fiz alguns carinhos no queixo do Pokémon, dando uma gargalhada ao ver que seu rabinho balançava de um lado pro outro em felicidade; quer dizer, ao menos era o dava a impressão, poderia estar completamente errada — Er... — voltava minha atenção para Blake, tornando a deixar a voz no tom normalizado, ainda mais quando o rapaz perguntou sobre o deserto — Foi lá sim... Encontrei algumas ruínas com minha melhor amiga e acabamos ficando presas. Se eu te contasse o que aconteceu, você com certeza me acharia maluca. Eu mesma duvido da minha sanidade durante aquele período. — devaneei por alguns segundos ao fitar o machucado — Mas, enfim. Já passou... Com certeza vai deixar algumas cicatrizes, mas, tive sorte. Sei que nunca mais ponho meus pés por lá. — sorri, respirando fundo logo em seguida — Um criador? Que legal! — começava a sentir o analgésico fazer efeito, o que fez com que eu relaxasse os ombros e não ficasse mais tensa por conta da dor — Queria eu ter a paciência de cuidar de uma fazendinha... Acho uma graça. — parei para pensar, imaginando que seu comentário sobre os ovos talvez explicasse um pouco de sua especialidade — Você tem algum psíquico por lá? Podemos trocar... Eu tenho alguns Pokémon que não pretendo treinar. Acho triste deixá-los guardados.

Com uma risada e um leve suspiro deixei que o assunto sobre o deserto morresse. Blake realmente tinha um coração muito bom, conversando bastante comigo que acabara de conhecer sobre suas experiências e mostrando até mesmo uma pedra misteriosa que encontrou, por coincidência semelhante à que Regirock deixou cair nas ruínas. Sua generosidade era visível... Talvez essa gana de ajudar e confortar os outros já tenha o colocado em muitas situações desagradáveis. Não que eu saiba o que é isso: sinceramente, é quase como se eu estivesse no outro extremo oposto do espectro nessa e muitas outras questões. Lawful Good e Chaotic Evil, sabe?

— Então, é assim que é ser uma boa pessoa? — pensei, devaneando enquanto praticamente encarava o rosto loiro por alguns segundos; se ele reparasse, ia ser bem esquisito — ... — Blake continuava falando sobre alguma coisa, mas eu continuava perdida nos meus próprios pensamentos, pensando se tomasse uma postura mais generosa se minha vida não seria mais fácil; quer dizer, não é como se eu tivesse muita escolha sendo Rocket, mas dá pra ser menos filha da puta com os outros, né? — ... AI QUE GRACINHA! — o que me despertou do transe foi a liberação da Raichu, mas essa um tanto quanto diferenciada; ela.... SURFAVA NO PRÓPRIO RABINHO — MEU DEUS QUE VONTADE DE TE APERTAR TODA, PUKA! — brinquei, me controlando enquanto dava algumas risadas do meu próprio surto de fofura — Blake, eu nem sei se tenho algo bom que valha a pena uma gracinha dessas. — pensei com alguns segundos — Hm. Talvez eu tenha algo sim. — levantei rapidamente, indo até o PC e pedindo a transferência de um ovo Pokémon; nunca vou entender como essas coisas funcionam, já que não faz sentido algum ovos transitarem digitalmente — Ai, Blakezinho, cê pode me ajudar? — abusada, já dando até mesmo apelidos, virei para trás e pedi para que o loiro me ajudasse a pegar o ovinho; com uma única mão funcional, poderia acabar caindo e quebrando — Esse aqui é um neném desses, ó. — com Blake segurando o ovo, consegui buscar a Pokédex e mostrar a entrada de Grookey — É de Galar. Eu não gostei muito de lá, não... Mas pelo menos me deu ele. — respirei fundo — Batalhei contra a última evolução, só que gigantesca... Do tamanho de um prédio. Ele tem um tambor, acredita? Muito engraçado. Quer dizer, ri depois que derrotei, né? Daquele tamanho eu tava apavorada que fosse me esmagar. — dei uma risada, já para brincar com Blake e medindo sua altura com a mão direita — Grandão, sabe? Acho que só um pouquinho maior do que você. — só o fato de já estar brincando com o criador dizia que no meu âmago já nos considerávamos amigos — Tô brincando, tá? Cuidado pra não pisar em mim. — dei uma gargalhada da própria piada idiota — O que me diz?

— Então está feito! — entreguei o ovo do gramíneo para Blake, recebendo com certa dificuldade o da elétrica e já guardando-o dentro da bolsa — Muito obrigada pela ajuda, gigantão. — brinquei, retribuindo o abraço e o beijo na bochecha; logo em seguida, terminava de trocar nossos contatos — Vou ficar mais alguns minutos aqui ajeitando minha equipe, mas vai lá! — acenei, já observando o rapaz se dirigir à saída — E ó, um dia quero conhecer a fazendinha! Vou cobrar!

Após a despedida, terminaria de ajeitar algumas coisas na minha equipe, liberando Teriyaki logo em seguida para voar para Rustboro.