#001 - Primeiro Ato....

A enxurrada de memórias paralisou Erik por um momento. A simples visão da Rota 29 frustrou os esforços do rapaz de afastar as lembranças de sua mente. Ele reconhecia cada detalhe daquela estradinha de terra, repleta de árvores e terrenos gramados que escondiam as mais variadas espécies de pokémons. Lembrou-se da empolgação de Leon com a chance de encontrar um monstrinho raro. Lembrou-se do susto que Lucy levou quando o primeiro Rattata pulou do mato alto na direção do trio. Os garotos insistiram que ela fosse a primeira a batalhar. Ela era ótima, mesmo sem nunca ter batalhado...

Erik apertou a cruz em seu colar com tanta força que, se o fizesse com sua mão mecânica, certamente teria entortado o pingente. A cada mergulho no passado o treinador se afogava na memória do dia que tudo acabou. Mesmo assim, por maior que fosse a dor e o medo que o atingissem, aquilo o incentivava a continuar. O que ele sofreu naquele dia não é nada em comparação ao que Lucy pode ter enfrentado nos últimos anos. Erik nunca aceitou a “morte” de sua amiga, tentando a cada dia se convencer de que ela havia partido para sempre.

Mas ela está viva. Perdida, pelos últimos três anos. E pensar em tudo que pode ter acontecido durante esse tempo... Era o motivo pelo qual o treinador não tinha o direito de hesitar nem fraquejar.

Primeiro, seria ótimo se o rapaz conseguisse desvincular a Rota 29 das lembranças de sua jornada anterior. “Vamos lá... Muita coisa mudou de três anos para cá.” A diferença mais óbvia, claro, era no próprio Erik. O céu escuro e nebuloso desta manhã também era completamente oposto ao clima ameno e ensolarado daquele dia. E não havia nenhum parceiro ao seu lado. Ao menos, nenhum parceiro humano...

- Sabia que estava esquecendo algo... – o treinador revirou sua bolsa até que seus dedos encontrassem a esfera metálica que o Professor Elm lhe entregara. Ainda não fora apresentado à criaturinha enclausurada naquela pokébola. De certa forma, o destino dos dois estaria ligado a partir daquele ponto. – Vejamos qual vai ser minha companhia dessa vez.

Erik arremessou a pokébola. Um pequeno pokémon materializou-se quando o objeto se abriu. Um pássaro negro, de olhos vermelhos e levemente desanimados. Após encarar o treinador por alguns segundos, abriu suas asas e voou ao redor do rapaz, como se estudasse cada detalhe do desconhecido. Ao se dar por satisfeito, pousou no mesmo lugar onde estava antes, encarou Erik novamente e soltou um curto grasnado. O rapaz esperava que aquilo fosse um tipo de cumprimento.

- Murkrow – reconheceu Erik. O Pokémon simplesmente deu as costas para seu treinador, como se buscasse algo mais interessante na paisagem a sua frente – Muito bem, meu nome é Erik e eu serei seu treinador. E por falar em nomes, você também vai precisar de um. O que acha de... Igniz? – A ave virou o bico na direção de Erik novamente, com um olhar um pouco mais interessado. Mas logo voltou a se entreter encarando o nada – Bom, quem cala consente. Agora, vamos andando. Ou voando, no seu caso. De qualquer forma, você vai ter muito tempo para apreciar a paisagem durante o caminho.

Igniz não dava atenção a seu treinador, mas aparentemente havia escutado tudo o que Erik disse. O Pokémon planava ao lado de seu treinador, que mantinha um caminhar compassado. Juntos, prosseguiram na estrada da Rota 29.

Aparentemente, Erik encontrava-se prestes a enfrentar a segunda primeira batalha de sua jornada. Uma pequena criatura marrom e arredondada fazia sua refeição logo adiante, completamente alheia à aproximação do rapaz e sua ave.

- Um Sentret, então. Bom, acho que serve como um começo... Ok, Igniz, vamos tentar uma aproximação discreta. Comece sobrevoando o Sentret, fora do alcance de qualquer golpe dele. Espere ele reagir e...

O treinador ficou em silêncio ao perceber que seu parceiro não lhe dava muita atenção naquele momento. O Murkrow já voava metros adiante, ignorando completamente o pokémon selvagem – e o próprio Erik. O corvo, pelo visto, não considerou o adversário “desafiador” o suficiente.

- Convencido... – o rapaz decidiu tentar convencer seu parceiro da forma mais óbvia possível. Apenas levantou a voz, para garantir que seria ouvido – Tem razão Igniz, esse Sentret deve ser forte demais para você. Vamos procurar uma batalha mais fácil para começar.

A ave congelou no ar ao som das palavras “forte demais”. Virou-se e, após lançar um olhar ameaçador a seu treinador, voou na direção do pequeno esquilo. Não era difícil imaginar o que Igniz pensava: ”eu vou bater nesse Sentret, mas não porque você mandou”.

- Espere o Sentret fazer o primeiro movimento – orientou o rapaz, enquanto apontava sua Pokédex na direção dos combatentes – Caso ele consiga te atacar, defenda-se com Peck.

O treinador percebeu que Igniz não era o único Pokémon desinteressado na batalha. O Sentret não esboçava qualquer resposta à aproximação da sobra negra que pairava sobre o pequeno esquilo. Decididamente havia algo errado naquilo.

- Muito bem, parece que nós mesmos vamos ter que iniciar essa partida. Igniz, use Astonish para chamar a atenção do Sentret, depois use Peck quando ele reagir. Avance com cautela – completou Erik, duvidando seriamente que seu Murkrow daria ouvidos à última frase.

Erik sabia que encontraria surpresas durante sua jornada. Uma equipe de filmagens, entretanto, era algo além de qualquer expectativa. E, definitivamente, não era o tipo de atraso que o treinador gostaria de enfrentar.

- Olha, desculpe por atrapalhar o trabalho de vocês, mas eu não sei se meu Murkrow poderia...

Igniz interrompeu o rapaz com um grasnado. Pousou à frente do homem gorducho e, de peito estufado e asas abertas, grasnou de forma desafiadora. A tentativa de Erik de driblar a proposta de filmagem acabou gerando o efeito oposto. O Murkrow sentiu-se desafiado, o que significa que ele não sairia daquele set enquanto não provasse seus “dotes artísticos”.

- Ok... – o rapaz suspirou e olhou para o alto por alguns instantes. Depois, prosseguiu – Muito bem, vamos fazer isso. Meu nome é Erik, o exibido aí na frente se chama Igniz. Acho que podemos dar uma mãozinha, se não levar muito tempo.

E se houver algum pagamento, acrescentou mentalmente.

Enquanto o diretor gritava ordens e inflava o ego de Igniz, o treinador tentava medir o tamanho da confusão que tudo aquilo lhe causaria. A cabeça do rapaz doía só de pensar em como isso iria terminar – e no trabalho que teria para aturar seu Murkrow depois de toda aquela palhaçada.

- Ok, Igniz, faça o que o moço disse. E, senhor Polaroid... – Erik fechou os olhos, esfregou a têmpora esquerda e respirou fundo – Será que poderia, por favor, reduzir os elogios? Não acho que esses paparicos sejam saudáveis para o Igniz.

Ao menos, eu tenho certeza de que não serão para mim, pensou o treinador, sem falar nada. Nem para você, gorducho, se continuar com este circo.