[Remember] - Route 111 -

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Há um contraste gritante entre ter a consciência de que algo está para acontecer e o acontecimento propriamente dito: E, bem, é possível que o maior exemplo possível de tal afirmação tenha vindo à tona justamente após as longas horas de caminhada naquele projeto de limbo sem fim, sob o sol escaldante de Shimmer. Quem poderia dizer, sem passar pela situação, que a experiência de se aventurar pelo titã arenoso seria tão exponencialmente mais infernal do que a própria ideia de fazê-lo, que por si só já não era lá muito amistosa?

Por mais incrível que se possa parecer, de qualquer maneira, nem as solas que afundavam no tapete branco-amarelado, ou o calor infernal que agarrava-lhe o corpo e se esforçava ao máximo para fazer-lhe sucumbir e tampouco a solidão fúnebre que parecia assolar todo o bioma eram as coisas que mais a incomodavam, não; Em realidade, o que fazia agitar a alma e tornar inseguro o coração eram palavras e momentos que ecoavam distantes em sua consciência, exigindo reconhecimento e falhando parcialmente em possui-lo - ora, a partir do momento em que juras silenciosas outrora realizadas tentam arrancar singela existência do presente o qual pertence, que se pode fazer para evitá-las, quando toda e qualquer distração parecia ter simplesmente desaparecido do ambiente que a rodeava?

...

Deixemos essa reflexão para outra hora, porém.

O importante para o momento, bem, é o ponto em que a jovem que a acompanhava resolveu, digamos, quebrar a sepulcral atmosfera que bailava sobre as dunas e ondas que se formavam na areia. Inclusive, o canto dos lábios se torceu em discreta diversão com a indignação e as reclamações da loira, que vieram uma após a outra, frases em que as pausas existiam apenas por conta da necessidade de respiração que os pulmões apresentavam.

— ...Bom... — Começou, desacelerando a passada por um instante para que pudesse observar a expressão da monotreinadora - e não chegou a se surpreender diante daquela careta torta e meio mimada. — Com certeza, é quente. Mas, assim... — Então, um sorriso debochado se abriu no rosto, e a ruiva se permitiu empurrar com delicadeza a bochecha da companheira. — É um deserto, né, Shuckle? Ou você ficou ocupada demais pensando no que poderia achar nas ruínas que esquecer esse detalhe? — Brincou, apertando as pálpebras com delicadeza. — Mas, se quiser ver o lado bom... Já ouvi falar que as noites no deserto são congelantes, então acho que 'cê vai ter bastante tempo pra decidir se prefere oito ou oitenta! — Provocou - mas a bola logo quicou de volta para seus braços diante ao comentário preocupado da loira...

Entretanto, não teve muito tempo para pensar a respeito, pois a atenção da monotreinadora foi quase que instantaneamente tragada para algum ponto mais distante da areia. O olhar não demorou de acompanhar o da rocket, e um franzir de cenho veio inevitável: A ruiva chegou a considerar esperar para ver se precisariam tomar alguma atitude mais, hm, drástica, mas digamos que Bley tomou bem rápido essa decisão por si.

— Maravilha. — Murmurou, retirando uma esfera bicolor do bolso e a arremessando no ar quase que instantaneamente. — Fletchling, preciso de uma força sua. — Pediu, apontando na direção da areia que ondulava e movimentava. — Mire naquele pedaço e bata as asas: Tente descobrir o que é isso aí com um Tailwind! — Pediu, simples. Caso se livrassem da terra, não teriam problemas de saber o que é que se aproximava, né? — Fique atrás de Manju. Seu trabalho é só dar suporte, tá bem? — Instruiu a pequena, sem demora.

...
Quanto tempo será que levariam até o primeiro posto de controle?
Huh.

Particularmente, não foi exatamente muito surpreendente quando um espécime aparentemente selvagem foi expulso para fora da terra pelos consecutivos ataques - fossem ofensivos, ou simplesmente responsáveis por agitar o terreno ao redor - realizados pelas companheiras arremessadas em campo. Para falar a verdade, até o esperava: Não só pela movimentação bizarra da areia, como também pelo desejo de que alguma coisa aparecesse naquela imensidão desértica sem fim. Quer dizer, a partir do momento que apenas o nada, nada e mais nada se desenrola como crescente paisagística, como se pode evitar a ânsia por algum tipo de ação qualquer?

— Fletchling, se necessário, use Ember! — Instruiu, veloz, quando enxergou o monte de areia sendo arremessado na direção de seus pequeninos - e momentos antes de se dar conta de que a agressividade do animal não era tão banhada em ira assim. Chegou a considerar a interrompê-la mas, oras, a quem iria querer enganar? As ordens já haviam sido dadas e, com um breve olhar de rabo de olho, pôde perceber também o brilho nos olhos de Karinna pelo anseio da batalha e de seu fim, tal como o fez ao reparar a esfera bicolor pronta para a captura nas mãos da loira: E não considerou se opor à sua tentativa. Era um mundo de treinadores, no fim das contas, e o confronto já havia sido iniciado. — ...Você acha... — Perguntou, a atenção se voltando na direção da companheira, momentos antes da finalização iminente daquele combate. — Que estamos no caminho certo? — Quis saber, os orbes acinzentados se desviando e passeando de um lado a outro naquele oceano de areia.

Veja: Não é como se estivessem dando piruetas pelo caminho, afinal, não teriam forças para fazê-lo nem se muito quisessem. E, apesar de não ter estrada ou marcação, um simples olhar para o céu já denunciava que estavam andando há horas, e sabe-se lá quantas - não havia parado para descobrir ainda e, sinceramente, não tinha certeza se seria uma boa ideia tentar fazê-lo. Poderia atrair algum tipo de azar e, bem, má sorte era a última coisa que poderiam querer quando cruzando e passeando por Shimmer, à procura de ruínas supostamente amaldiçoadas.

— ...Quer dizer, será que é tão longe assim? Não devíamos pelo menos estar enxergando o primeiro posto de controle? — Perguntou, pressionando com discrição o lábio inferior, os ombros se encolhendo com delicadeza enquanto o peito subia e descia, acompanhando fielmente a respiração. — ...E se a gente, sei lá, se perdeu? — Vocalizou um temor que crescia, não lá muito sereno, dentro de seu coração. Entretanto, concedeu-se o luxo de balançar a cabeça em negativa e puxar ar, sem pressa, para que pudesse tranquilizar a si mesma. — Devíamos ter perguntado se o Oliver não tinha um carro ou uma bicicleta, também. Ia ser mais fácil. — Brincou.

...
Só esperava que não tivessem de lidar com alguma porcaria parecida com aquelas benditas masmorras de certo lendário, como há um tempo já haviam feito...

Apesar da concordância aparentemente segura de Karinna - a qual teve lá suas dúvidas, e não existiu medo algum ao lançar um olhar desconfiado na direção da monotreinadora para evidenciar o fato -, era incapaz de evitar uma certa insegurança que se acomodava, relaxada (ironicamente), sobre seus ombros tesos. Tentou se distrair, de certa forma, ao observar a inquieta esfera bicolor que sacudiu de um lado para o outro, até que repousasse e cintilasse no prateado tão conhecido por qualquer treinador que já tivesse tido sua primeira captura - a respiração veio e foi, silenciosa e lenta, enquanto as pálpebras caíam e as pupilas se desviavam diante do desaparecer do aparelho responsável por tomar a "posse" dos selvagens aos treinadores, passeando pelo infinito véu amarelado que recobria as planícies.

— Imagina que divertido se a gente atravessar o deserto todo sem encontrar nenhum posto de controle? — Comentou, com certa ironia, afundando os sapatos na areia mais uma vez quando recomeçou a caminhar - com um breve assobio, chamou a pequena ave para o próprio ombro, e foi com um sorriso breve que a cumprimentou quando, após um breve instante de hesitação, a voadora bateu as asas para que pudesse se acomodar ao lado de sua cabeça, olhando curiosamente para os novos horizontes que se abriam diante de si. — Apesar de que, acho que provavelmente a gente fica no meio do caminho, se isso acontecer. — Acrescentou, com um riso até meio nervoso. Talvez devesse ter perguntado para Oliver, acima de tudo, quanto tempo levaria até alcançar o primeiro posto, o que com certeza riscaria a maior parte dos temores da lista... O único problema, bem, é que agora já era tarde demais para fazê-lo. — Tenho que lembrar de pedir em particular pra ninguém mencionar mais ruínas no meio de um deserto perto de você. — Brincou, jogando para a loira uma culpa que tinha consciência pertencer às duas. Ela não se aventuraria sozinha se não tivesse dado o aval - quer dizer, pelo menos não naquele momento em específico, huh?

Apesar de permitir que Fletchling a acompanhasse nos primeiros momentos de caminhada, distraindo-se com eventual cantoria da Normal e com seus pequenos voos de cabeça em cabeça, se viu obrigada a retorná-la após alguns longos minutos. Era bom deixar que o pássaro curtisse um pouco o ambiente, mas também sabia que o espécime não era adepto ao clima árido do deserto e expô-la ao sol escaldante por um grande período não era exatamente a melhor de suas escolhas.

Segundos, minutos, horas - mais uma vez, o tempo era apenas uma ideia que não conhecia e tampouco tinha afinidade. Irritava-lhe ter que atravessar aquela paisagem sem fim, que não tinha prova alguma não se tratar de um loop esquisito no qual estavam aprisionadas; A única consciência que tinha era que em breve seria noite, e poderiam acabar tendo problemas reais se houvessem, de fato, se desviado do caminho traçado pelo mapa do lenhador. Essas preocupações, porém, não vocalizou: Não tinha vontade de entregar tal ansiedade nos braços da monotreinadora pois, apesar de tudo, não adiantaria de muita coisa fazê-lo.

— ...Você já ouviu falar que existem jacarés no deserto? — Comentou, para passar o tempo, após sabe-se lá quanto em silêncio: Veja, não que fosse realmente desconfortável. Era só que... Era normal, considerando que tinham que armazenar energias até que pudessem verdadeiramente descansar. Entretanto, porém, contudo e todavia, acabou interrompida por uma longa e frustrada "reclamação"/confissão da aspirante à especialista e, apesar do olhar se desviar inicialmente com certo ar de "eu já sabia", um sorriso condescente acabou se formando no rosto. — ...Relaxa. Uma hora ou outra a gente vai acabar chegando em algum lugar, né? Quer dizer, pelo menos eu- — ...outra interrupção. Dessa vez, porém, as pupilas se desviaram, velozes, na direção apontada pela jovem - que mais parecia uma criança levada. Os pés pararam por um instante, doloridos, e um sorriso involuntário brilhou no rosto quando enxergou o delinear da estrutura, distante, finalmente aparecendo no horizonte. — ...Finalmente! — Deixou escapar. Uma carga de adrenalina foi injetada nas veias ao saborear a ideia de poder deitar, sentar, sei lá, qualquer coisa, por um momento que fosse e, sem calcular quaisquer riscos, as pernas se moveram sozinhas, disparando na direção da cabana. — Quem chegar por último é a mulher do padre! — Gritou, deixando-a para trás por um breve espaço de tempo. Não confiava muito que permaneceria na dianteira por muitos segundos a mais mas, bem, precisava de alguma coisa pra expulsar do corpo aquela letargia irritante.

...O inconsciente, porém, distante e quase inaudível, se precaveu: E rezou para que não fosse uma miragem.
Não podia ser, não é?