[Remember] - Route 111 -

Compreenda: São raras as vezes que uma pessoa consegue lidar com infindável pressão exterior sem que seu comportamento ceda à frustração acumulada. Levando isso em consideração, não é lá muito surpreendente a situação que o psicológico se encontrava - e muito menos o fato de que a garganta se permitiu 'descensurar' alguns pensamentos que já entalavam, pouco ao pouco, no fundo de sua distorcida consciência. Mesmo assim, não pôde deixar de sentir um gosto amargo na boca ao ouvir as palavras do famigerado "Tio Sombra", quando a criatura comentou sobre seu chefe e algoz: Inevitavelmente, uma culpa silenciosa deslizou por sua coluna, em baile sensual com seus não-tão-adormecidos demônios.

Naquele momento, não achou justo abordá-lo mais uma vez.

— Absolutamente não sei do que você está falando. — Retrucou para Karinna, à respeito do "revoltada". Não é como se não estivesse, mas não fazia mal bancar a sonsa de vez em quando, huh? De qualquer jeito, válido dizer que foi de maneira desconfiada que a jovem observou a companheira quando a reverência tomou conta de sua postura; Chegou a erguer uma das sobrancelhas, mas restou-lhe apenas a gargalhada divertida diante da ousadia de Bley. — Quero só ver, daqui a pouco vai sair arrastando um tapete com um monte de moeda em cima e vai ficar reclamando como não fazem mais bolsas como antigamente. — Debochou, balançando a cabeça em negativa e utilizando a provocação para não precisar mencionar quão saudosa estava daquele jeito juvenil, por assim dizer, da monotreinadora.

Então, outra questão: Como abririam aquela bendita porta, considerando que a dita cuja não parecia muito disposta a fazer o favor de agilizar as coisas. Enquanto a loira reclamava, a ruiva tirou um pequeno momento para respirar fundo, se acalmar e, principalmente, analisar o obstáculo que encontraram à frente; O código numérico indicava que precisariam de uma senha - duh -, mas não tinha certeza de onde achariam. Em realidade, não sabia sequer se já haviam passado pela peça do quebra cabeça que estava ali mas, huh, duvidava (a menos que a senha estivesse na cabana do cômodo anterior, mas não botava fé nessa possibilidade, sinceramente), afinal, tinham revirado as coisas relativamente bem, por assim dizer...

Focou-se, daí, nos detalhes: Observou o espaço para os três números, a trava do cofre, seu puxador - mas, principalmente, o que lhe chamou a atenção foi a pequena figura de ímã desenhada próximo ao local onde estaria o número do cômodo. Vê-la tão displicentemente retratada ali fê-la pensar que, huh, talvez não estivesse ali à toa e, então, recordou o fato de que também precisou de uma senha para acessar os ovos anteriormente recuperados e, naquela ocasião, necessitou do auxílio de sua pokédex para conseguir destrancar o armário - simples e somente, questionou-se se poderia ter a mesma chance com aquela porta.

— ...Acho que eu sei o que a gente pode tentar. — Murmurou, antes de recuperar a pokédex e se aproximar da porta. Levou algum tempo revirando os dados do aparelho eletrônico, em busca da única linha evolutiva que conseguia pensar com a imagem do ímã retratada: Magnemite. Sem pressa, arriscou os números 081, 082 e 462: Caso não fosse, ainda teria a chance de tentar ver o ambiente como um verdadeiro número de apartamentos e, considerando as salas que tinham em volta, as únicas possibilidades (achava) seriam 002 ou 003.

— Nem pensa nisso. Aposto qualquer coisa que vai estar esperando pra comer nossa bunda assim que formos destrancar o salão principal. — Comentou, com um dar de ombros inquieto. Queria tentar abrir a bendita porta mas, se nenhuma das senhas acabasse funcionando, precisaria tirar mais um tempo pra pensar a respeito. Enfim, qualquer das maneiras, isso não era um problema. Pareciam que tinham todo o tempo do mundo por ali, huh?

Nunca achou que sentiria tanta falta de seu amável Zuby quanto como aconteceu quando a porta do cofre se moveu para revelar um gigantesco projeto de "colméia" de Magnemites e suas respectivas evoluções flutuando de um lado para o outro, criando o cenário do que parecia ser uma verdadeira agência de banco que, ironicamente, era conduzida por pokémons. Quer dizer: Tinha consciência que o poderoso terremoto do venenoso não faria lá muita coisa contra os monstrinhos aprisionados (majoritariamente) em sua levitação eterna mas, bem, pelo menos ele seria um ótimo escudo para se usar contra toda uma horda, não é verdade?

— Bem, melhor guardar as risadas pra depois. — Aconselhou, em baixo tom, segurando um riso nervoso na garganta. Sua situação não melhorou muito quando, acima de tudo, sua presença foi percebida pelo último estágio evolutivo do espécime metálico - ora, se de uma coisa tinha consciência, era que muito provavelmente sofreriam bastante se tivessem que lidar com uma batalha contra o magnético, mas... Bem, deve ser fácil entender o motivo de tal ideia ter se dissipado de sua mente quando, sem mais nem menos, o pokémon falou.

E, sabe a melhor parte?
Foi a iniciativa de Karinna de assumir a situação.

Um tremor inquieto correu por sua coluna diante do fato - e, sentindo uma tensão conhecida e discreta pesando não só nos próprios ombros, mas também sobre os de Bley, se manteve em silêncio enquanto a monotreinadora tentava dar sua cartada de encenação para poder sair por cima daquele circo esquizofrênico: Inteligente, com certeza! Não teria sido capaz de pensar em tal jogo de palavras para tentar a sorte com uma enganação e, bem, mesmo que não funcionasse, a tentativa por si só já era mais que válida.

— ...Pois sim. — Tentou enrolar, ainda que pega meio desprevenida - naquele momento, ínfimo e discreto, compreendeu o motivo de sua companheira se alistar à organização criminosa dos antigos continentes, considerando sua desenvoltura ao armar e seguir com um caô desse tamanho. — Nós já estamos atrasadas, inclusive. — Resmungou, olhando em volta em busca de um relógio pra sustentar seu bobo comentário. — Tanto bicho aqui, e nenhum foi avisado? — Reclamou, tomando para si uma razão que não lhe pertencia, balançando a cabeça em negação e cruzando os braços, antes de enfim enlaçar um deles com o da amiga, se apoiando tranquilamente em seu ombro. — O que será que pode acontecer aqui se ele esperar demais?

O sangue correu frio e a saliva ressecou na garganta quando não só o metálico fez "mímica" que indicava querer alguma coisa antes de entregar o tal tesouro (seja lá o que o bendito fosse) do "boss" daquele universo esquizofrênico, mas principalmente quando a percepção de que não seria capaz de entender as palavras do pokémon a atingiram em pancada violenta. Os dedos, trêmulos, se apertaram com discrição sobre o braço da loura e, fixos em seu antagonista, os orbes cinzentos se afogaram em imagem psicodélica criada pela própria consciência, em lembranças distantes, na tentativa de resgatar uma explicação e uma saída que já parecia fora de seu alcance.

— ...Como é? — A pergunta pulou da garganta, antes que pudesse sequer pensar em fazê-la. Enquanto Bley se desenroscava e começava a vasculhar a mochila lotada dos furtos que havia feito ao longo do "passeio" pelo casarão, a ruiva cruzou os braços, com um riso nervoso, e bateu a ponta do pé no chão pra poder disfarçar o motivo do sentimento com impaciência. — Era só o que faltava, não tem nem um tradutorzinho pra vir falar com a gente. Você acha que ele fez de sacanagem? Parece que ele adora ficar jogando enigma pra gente, ninguém merece. — Perguntou pra companheira, balançando a cabeça em negativa e respirando profundamente. — Tenho as chaves... — Comentou, dispersa, mas só deu de ombros. — Mas são só da porta, ué. — Suspirou, e encarou o Magnezone à sua frente. Não poderia entregar as chaves para o pokémon, e disso tinha certeza - que garantia poderia ter que não perderiam a única chance de ir embora daquela dimensão maldita? — Oh parceiro, dá uma ajuda aí pra gente. A gente não fala linguagem de estática não, pô. — Reclamou, gesticulando exageradamente ao redor para tentar provar seu ponto.

Esperava que levassem na conversa ou, do contrário, poderiam estar em sérios apuros.