Big TV _White Lies

Já devia estar dando... oito da noite?! E Ayzen queria um café?! Ah, mas eu nunca vou entender policiais. Rosquinhas e café, né?! É o que os filmes mostram sempre... será verdade? Sei lá, eu não gosto muito de café, mas eu preciso ser bem sincera... um Chocolate Quente cairia perfeitamente bem.

Um chocolate quente, daquele meio-amargo, grosso, com chantili e canela por cima... ah, é isso mesmo que eu quero! Precisei sorrir para responder minha memória com dignidade. Por fora eu (estranhamente) me tornei radiante, quase que indo em saltitares até o lado oposto ao que me direcionei:
- Eu passei por um Starmiebuck quando estava voltando do centro e acho que ele fica logo ali - Apontei para o Leste, seguindo o sentido contrário dos carros da via - Um pouquinho mais para cima... vamos, vamos, vamos andar mais rápido. A cidade anda tendo piques de energia e eu não gostaria de ficar no escuro com mais uma creche... ainda mais indo para um Café, você já sabe que fim que essa história da, né?!

As brincadeiras ficaram ainda mais pesadas. Se desta vez Ayzen correspondeu minha fala com um flerte-sério, agora eu já pegava um tanto quanto pesado. Apesar de soar cômica, ficara óbvio para mim que aquela era uma questão séria; eu realmente tinha certo medo de passar por isso mais uma vez. E mais uma... e então uma outra, e mais uma... sei lá, ta ficando chato ser a menina indefesa. No mais, voltei ao assunto durante o caminho, o respondendo com algo singelo:
- Oh, então quer dizer que veio me ver mas... bem... não veio ME ver, mas me ver, se é que entendo bem - Confuso, paradoxal mas, ainda assim, bastante claro em minha cabeça.

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Eu não sei te dizer se estava extremamente feliz ou extremamente triste por ouvir Ayzen falar sobre sociedade... uma coisa era fato: estava em algum extremo. Como não gosto de extremos, tentei fugir do assunto, mas nada o impedira de soltar os fatos. Aquela horta! Arg, ela seria um problema logo mais; ao menos se pagaria, mas teríamos sérios problemas em mantê-la em Tohjo:
- O Tião... bem, eu não conheço ele, mas foi muito bem recomendado, né?! - Fora outro desvio de assunto dentro do desvio de assunto? É... parece que sim. Recomponha-se Winnie, aceite que, ao fundar uma sociedade, você terá que falar sobre ela - Ai... depois de entregar o Egg do Juan, ir para Tohjo e agora parar em Mossdeep fazendo missão, eu tenho reparado como sociedade é uma coisa trabalhosa... mas ao menos é prazeroso. Viu que a gente conseguiu comprar uma base?? Com a volta de Tohjo, ficou bem baratinho um terreno por lá e Cerulean recomendou bem nosso nome graças a você, Kathryne e Lukas... foi bem fácil.

Ok eu finalmente entrei no assunto mas... para onde ele iria nos levar? Chegava próxima do ponto que enfim pensava ter visto um café e de fato o achava. Apontava em sua direção e chamava Ayzen para entrar comigo. Ainda havia luz! Isso era um bom sinal, né?! Ao menos os problemas estavam se resolvendo... sem mim, é claro. Caso se resolva sem minha intervenção, provável que perca minha missão...
- E eu acho que você não entendeu a piada... eu quis dizer que você veio ME ver, mas que veio ME ver para tratar de sociedade, e não puramente para me ver, entendeu? - Explicar isso tornou todo o contexto ridículo, me fazendo voltar atrás - Mas foi só uma piada, não me leve muito a sério...

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- Seria o meu sonho? - Falei, num meme bastante sincero, rindo no final da frase - Ai, parece idiota, mas desde pequena meu sonho é sair do planeta... não é tipo ir para outro pais ou continente específico e difícil... é literalmente sair do planeta. Deixei minha mãe MALUCA com isso. Bem, não tornou uma coisa boa, né, acabei decidindo andar pelo planeta inteiro, já que não sei nem como ir para outro... MAS IMAGINA QUE LEGAL SERIA?

Sinceramente? Eu não tinha medo. Eu não tinha medo algum! Se fosse para morrer de alguma forma, que fosse tentando sair da terra. Talvez este fosse meu objetivo mais ambicioso e mais desastroso também; é tão incrédulo que nunca o segui. Sempre ouvi o quanto isso é absurdo mas, apesar dos absurdos que pensa, devo admitir uma certa paixão por isso.

E fora com essa paixão que eu acabei com o assunto da sociedade. Isso é bom? Fora a melhor das saídas? Acho que não... é melhor eu providenciar um retorno. Eu preciso assumir: também há coisas que quero falar:
- Acho que estamos muito bem para um início. A Virtuum, quando eu estava lá, demorou muito monetizar, sabe? A gente ao menos ganhou um lucrozinho já, pode não ter sido muito esperto da nossa parte investir em um continente que vai ser largado por nós daqui a pouco, mas ao menos ganhamos experiência... né?! Sei lá, eu não tenho planos, acho que vou continuar em ginásio e, depois deles, ir para Johto. Eu não fui para minha cidadezinha ainda, com medo dela estar muito mal... quero ver ela reerguida! Eu nunca nem fui em Cerulean, mas sempre idealizei a Misty como algum tipo de modelo a seguir... sabe? Apesar de Falker ser o líder da minha cidade, eu quase nunca o referencio pra nada...

Perdi-me no discurso; nem reparei no fato de Ayzen estar pagando para mim a bebida... veja bem, se ele me devolveu o dinheiro tão cedo, acredito que esteja bem, né?! Não questionarei ou estranharei isso... quando possível, tomei nas mãos o copo quente e aproximei-o do rosto. Eu já não estava mais com tanto frio, mas é sempre bom a sensação do calor em noites frias... né?!

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Fora ao desocupar minha boca de palavras, que pude apreciar melhor o que tinha em mãos. Acomodei a caneca entre meus dedos-longos o abracei-a com os polegares, num círculo quase que perfeito. Sim... eu segurei com as duas mãos. Era a forma mais confortável de me afundar dentro de meu próprio casaco, encolhendo as articulações e cabendo dentro de um simples pacote-de-pano que, popularmente, é chamada de moletom. Com apenas as pontas dos dedos para fora e um pedaço curto da nuca, enquanto me inclinava para frente numa posição que (aparentemente) era desconfortável mas, paradoxalmente, me aquecia e ninava.

Levei a caneca para bem rente da boca. Suspirei e, ao fim do ato, inspirei um pouco daquele aroma quente e doce. Doce! Porque se tem algo que aprendi em toda minha vida, é que cheiro é volúvel e nada tem a ver com o gosto. Café tem cheiro doce, tendo açúcar ou não; a canela seguia a mesma lógica. O chocolate quente? Também.

Ouvi Ayzen com certa falta de olhares diretos. Pulei no banco circular que contornava a mesa e cheguei até seu lado sem levantar e nem por as mãos em móvel nenhum. Ora ou outra, entre meus pulinhos, o líquido saia do estado inerte e ia para o alto, esparramando gotículas amarronzadas em minhas mangas, mas eu simplesmente não me importava. Ouvi-lo, sentir o calor e aproveitar o enredo calmo de uma cafeteria-noturna após um dia desagradável era mais do que o suficiente para mim.

Deixei-o falar mais um pouco e, quando acabou, o silêncio prevaleceu. Aquilo era... constrangedor? Provável que para ele sim, mas não para mim. Por algum motivo, eu estava concentrada demais em qualquer estimulo; e estímulos são indiretamente proporcionais a atos. O que é completamente irônico, já que para quebrar o silêncio eu cometi um ato que... me estimulasse? Não sei ao certo se aquilo me estimularia, mas certamente traria uma resposta esquisita de Ayzen.

Uma resposta que eu não imaginava ou esboçava qual era, mas certamente queria saber.

Agora, ao seu lado, me inclinei. Tombei de leve em sua direção e aos poucos minha cabeça fora tocando seu ombro, arranjando encaixe e enfim repousando. Uma certa nostalgia me tomou já quando segurei aquela caneca, e quando ele disse da irmã? Aquilo só piorou a sensação que era até gostosa... arg, eu tinha que apoiar-me nele e, se ele bem quisesse, que apoiasse de volta.

Somos amigos? Sim, somos amigos. Somos amigos a esse ponto? Acho que não; mas se não formos, teremos que virar agora.
Eu queria muito falar algo, mas a vontade de silêncio me venceu, então apenas deixei que suas palavras fossem as últimas e pairassem no ar.

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Eu sabia que a reação de Ayzen seria completamente paradoxal, mas não esperava que fosse tanto. Sorri para frente, como quem queria sorrir-para-ele mas não havia como colocá-lo no campo de visão por hora. Para simbolizar o carinho, apenas suspirei ao ouvir o estalo do singelo beijo e comentei em voz baixa, tentando fazer o comentário ser ouvido, mas talvez não escutado:
- Da tempo de desistir de tudo mais não? - Era uma pergunta que definitivamente não era a Ayzen, mas a mim mesma. E ela tinha complemento - Johto voltou, imagina só voltar pra casa e fazer uma faculdade.......

Que tal Winnie? Voltar a morar com os pais? Qualquer faculdade te aceitaria com esse currículo de treinadora; você conseguiria ser uma pessoa normal, não sentiria esse vazio-de-pessoas e nem a irresponsabilidade-ética. Teria uma casa para voltar, pessoas que amam para conversar, família para se importar e poderia pensar em casar, ter filhos, se formar... conseguir amigos comuns, juntar a sua rotina com a de alguém... que tal Winnie? Que tal só desistir? Que tal só parar, voltar para casa?Da tempo ainda? Acho que você consegue aprender a fazer outra coisa... né?

Outra coisa que não seja ba-ta-lhar... você pode ser boa nisso. Você pode muito bem conseguir sair disso e -
Ayzen, você ta me chamando para uma batalha agora? Arg... era inevitável revirar os olhos. Felizmente o fiz sem tirar minha cabeça de seus ombros, então ele não viu meu desapontamento. Digo apenas: homens! Nunca entendem nada, né?! Parece que falta contexto... ritmo... parece que nunca sabem o tempo certo. Ai, ai, vamos lá né, o que você não pede chorando que eu não faço sorrido, Ayzen?
- Ah... pode ser - Confirmei, sem muita euforia na voz. Esperava que ele não percebesse que era por culpa da batalha; eu já estava melancólica antes, talvez ele não reparasse no motivo - Mas vamos daqui a pouco? Eu quero outro chocolate.

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