Apesar do ritmo reduzido e de minha preocupação, as coisas iam indo até bem. Bem até demais, diria. Há medida que caminhávamos naquela direção mais vestígios do pássaro de fogo iam surgindo. Penas ao solo, frutas parcialmente comidas, sinais de batalha. Engoli em seco tentando não projetar cenários mais urgentes. Avançando mais um pouco consegui avistar uma cena bem peculiar: um treinador, visivelmente irritado, falando muito alto e socando uma árvore.
Assim como da outra vez, chamei Kinney de volta para próximo de mim e aguardei seu retorno. – Vamos nos aproximar com cuidado. Ele parece bem agitado. – comentei com minha parceira e continuamos no caminho até aquela cena incomum. – Olá. – saudei o treinador, que ostentava roupas de marca – Viu um Fletchling por aqui? – questionei, aguardando sua reação – Meu nome é Galvanis, e estou ajudando o treinado do Fletchling a resgatá-lo. Qualquer informação é bem vinda. – apesar do sorriso no rosto, estava observando cada detalhe da reação do treinador. Nosso corpo fala mais que nossa boca, é o que dizem.
Assim que avistava o treinador transtornado, Galvanis chamava sua Sneasel para perto e seguia o caminho até o treinador para averiguar melhor a situação, quem sabe o mesmo poderia até render algumas informações importantes. Logo Vitale começava a falar, o outro treinador olhava de cima para baixo nosso herói, inclusive olhava com muita atenção para cada um dos seus pokémons, uma atitude um tanto quanto estranha até.
— Um Fletchling? Que porra é essa, moleque... Tá me seguindo? — Disse o treinador franzindo suas sobrancelhas. O aipom que o acompanhava começou a fazer uns barulhos raivosos com a boca. — Já sei... Você deve ser um dos capangas do meu coroa e ele mandou alguém iniciante como eu pra não levantar suspeitas. Que puta história merda foi essa! Um pokémon perdido... Tsc, tala pra ele que não irei voltar pra casa. Tomar no cu, ele não me deixa! — Deu um soco forte na árvore e começou a caminhar em direção da saída da floresta.
Fechei meus punhos com força quando aquele rapaz me encarou. Algo dentro de mim me alertava do perigo, tanto que Kinney logo subiu em meu ombro quando o Aipom começou a rosnar. Ela o encarava friamente, e conseguia ver um leve sorrisinho no canto da boca na felina. Um de minhas sobrancelhas arqueou no momento em que as palavras de baixo calão saíram. Não que seja um santo e não fale aquelas coisas, só não solto palavrões depois de uma saudação. Mas também, pudera. Se o papai daquele guri é do tipo que contrata “capangas”, este deve ser só mais um riquinho mimado que se acha o dono do mundo. E talvez, o papai que mima esse garoto possa ser alguém perigoso.
Puxei da mochila uma poção e apliquei em Kinney. – Fique em prontidão, garota... – sussurrei no ouvido dela, ainda mantendo os olhos no garoto – Não, não estou seguindo você, muito menos sou capanga de alguém. E por favor não use esse linguajar comigo. – havia um tom imperativo em minha voz, como o tom que ouvia o comandante do esquadrão do meu pai usava quando transmitia ordens – Considerando sua resposta, imagino que você tenha tentado capturar o Fletchling. Para onde ele foi? – dessa vez não havia sorriso no rosto, era um comando. Dei alguns passos à frente – Não quero confusão. Mas se é isso que você está atrás... – em um movimento conjunto, apontei o dedo para o garoto, ao mesmo tempo que Kinney saltava do meu ombro e se colocava em modo de combate. Growlithe se esgueirou por entre minhas pernas e rosnava com fervor – Acabou de encontrar, amigo.
O garoto em questão já tinha até passado pelos nosso heróis, quando Galvanis decidia confrontar o mesmo. Vitale fechou os seus punhos com força e falava em um tom mais sério, parecendo um comandante do esquadrão de seu pai; claramente não estava nada satisfeito com a forma que foi tratado. O treinador desconhecido e sua Aipom se viravam para trás rapidamente, o macaquinho ainda debochava abrindo sua boca, fingindo que estava espantado.
— Mas que porra é essa? — Perguntou surpreso. — Você é um policial pra falar desse jeito, por acaso? Então que se apresentava como um antes. — Abriu seus braços, em mais uma de suas ações debochadas. — Não precisa ficar irritadinho... Você não sabe o que eu passo com o meu pai, só porque ele é um empresário de merda, ele acha que pode me obrigar a trabalhar na empresa fodida dele! Enfim, estava tentando capturar o Fletchling. Se quer mais informações, vai ter que fazer melhor que isso. Sabe como é... Quem quer rir, tem que fazer rir. — Fez uma movimentação de esfregar seu polegar no indicador, sinalizando dinheiro.
O aipom soltava umas risadelas por causa da ação de seu treinador. Porém, o pokémon acabava engolindo a seco quando via a movimentação por parte da Sneasel e do Growlithe, que ficava rosnando com raiva, afinal o canino queria mais que tudo encontrar seus outros companheiros.
— Pera lá, amigão... Assim você não irá conseguir nada! Dá pra ver que você teve uma batalha recente, seu Growlithe está com alguns hematomas e paralisado. Tenho um Hawlucha que daria conta facilmente de seu Sneasel, então é melhor repensar suas ações. — Deu um risinho de canto de boca. — Se não tiver grana, eu aceito esse Budew como pagamento. Seria um bom companheiro pra você né, Aipom?
Um socorrista deve sempre esperar o inesperado, é quase uma regra de ouro na carreira. No entanto, de modo algum poderia esperar cruzar com um delinquente juvenil metido a valentão, que pelo visto gostava de extorquir as pessoas. No entanto, ele tinha um ponto a seu favor. Growlithe estava sofrendo com a paralisia, e se realmente tivesse outro Pokémon, aquela luta seria complicada. Porém havia algo errado nessa história. Eu sentia que mesmo se deixasse aquele babaca seguir adiante, sem pagar pela informação, ele poderia causar mais problemas. E claro a forma com que ele falava me incomodava bastante. Já tive minha cota de delinquentes, e possivelmente este não seria o primeiro que encontraria durante minha aventura.
Assim que ele terminou de falar, suspirei profundamente e fiz uma expressão de desapontamento. – É, acho que isso se configura em obstrução da missão – balancei a cabeça lentamente, dando de ombros. Retirei lentamente a Pokébola da Budew do meu cinto – Me desculpe, coleguinha. Mas é melhor que você fique aqui dentro por enquanto. – rapidamente a luz vermelha atraiu o bebê para o interior da bola e voltei a encarar o garoto. – Muito papo, pouca ação. Típico. – encarei o garoto com seriedade – Não vou te pagar nada, muito menos entregar o Budew. – conclui mantendo os olhos no rapaz. Kinney sorria para Aipom e estalava as garras, já Growlithe mantinha a posição de ataque e rosnava mais forte. Acho que estávamos os três de acordo de que aquele moleque não era boa coisa. Deveria priorizar a missão e o bem estar dos meus Pokémon, é o certo a se fazer. No entanto, não poderia simplesmente dar as costas e seguir. Ele não era do tipo que jogava limpo, e talvez eu devesse estar pronto para “medidas drásticas”, caso a situação piorasse.
Galvanis ficava refletindo a situação em que se encontrava; dava de cara com um deliquente e que se exibia demais, é claro que não deixaria aquele rapaz sair impune sem falar a respeito do pokémon perdido. Vitale mudava sua expressão totalmente para uma mais séria, ele continuava confrontando diretamente seu alvo e não ligava para as possíveis consequencias que poderia acontecer, talvez estivesse apostando em um blefe. Já o valentão em questão, até tentava ameaçar apontando uma pokébola na direção de Galvanis, mas o nervosismo era óbvio em sua feição... Ficava mordendo seus lábios, o suor começava a escorrer da sua testa e claramente olhando para todas as direções pensando no que poderia fazer. Bem, não tinha mais escapatória.
— Tsc, que merda. Você é mesmo irritante, cara! — Olhou pra baixo e deu um chute numa pedra próxima. — Pensei que minha mentirinha ia dá certo, você é mais esperto que imaginei... — Guardou na cintura a pokébola que estava segurando. — Tá, tá... O fletchling está na próxima esquerda. O problema é que um casal de Swellows "adotou" ele. — Disse fazendo sinais de aspas com as mãos. — Devem tá achando que é um filho perdido, ou qualquer merda do tipo. Por isso desisti de capturar ele, não tenho a mínima chance. — Suspirou. — Agora pare de encher a porra do meu saco! — Virou as costas e voltou a caminhar em direção a saída da floresta. — Boa sorte! HAHAHA — Claramente o pedido foi ironico e deu para notar principalmente por causa da gargalhada no final. Ainda teve o Aipom que se virou e fez uma espécie de careta, com a língua de fora, para nosso herói.
Como imaginei, aquele garoto era mais papo que atitude. Típico de pessoas que sempre tiveram tudo na vida e nunca precisaram lutar por nada. Na verdade, parecia que ele parecia estar lutando contra o controle de seu pai ou algo do tipo. Mas definitivamente aquilo não era da minha conta, muito menos do meu interesse. Ainda de braços cruzados, ouvi sua última troça e balancei a cabeça negativamente. Kiinney deu uma cuspida no chão quando viu a careta do Aipom. – Nada disso garota. – adverti a Sneasel no momento que a dupla de fanfarrões saiu de nosso campo de visão – Eles eram uns babacas, mas não podemos nos rebaixar ao nível deles. Além disso, vamos falar a verdade... – olhei tanto para Kinney quanto para o Growlithe – Eles nem chegavam a ser um desafio, certo? – sorri depois da fazer a piada. Kinney voltou a sorrir e deu de ombros, já Growlithe pareceu ter gostado da piada. De qualquer modo valia a pena seguir aquela pista, mesmo que fosse falsa.
Já imaginando o cenário caótico que se aproximava, mantive Kinney e Growlithe perto de mim. Se realmente se tratava de um ninho de Swallows, aquele seria um combate fora de nossa alçada, logo era preciso uma aproximação mais cautelosa e nada agressiva. Se tratando de Pokémon adultos, todo cuidado era pouco. – Vem, vamos seguir adiante. Pode ser que aquele garoto tenha falado a verdade. Kinney, fique de olho no alto, mas não vá para as árvores. Growlithe, olhos e focinho atentos, garoto! – comandei meus dois parceiros de busca, além de liberar o pequeno Budew da Pokébola. Havia prometido que levaria ele no colo, afinal de contas.
Sneasel vendo aquela dupla de arruaceiros embora ficava um pouco incomodada, cuspindo no chão e fazendo uma cara de irritada. Galvanis tratou de tranquilizar a felina, principalmente quando questionava o nível deprimente deles. Aquilo nem um desafio seria! O canino também gostava da frase do treinador, soltava um latidinho e balançava seu rabo.
Sem mais delongas, o grupo decidia averiguar aquela pista, mesmo sabendo que poderia ser mais uma mentira por parte daquele garoto. Galvanis elaborava seu plano e novamente sensato, seguia com seus dois pokémons lado a lado e cada um prestando atenção numa parte; Sneasel ficava olhando para alto, enquanto Growlithe tentava farejar o seu alvo pelo chão e adjacencias. O jovem também contava com o Budew em seu colo, o broto exalava alegria quando saía da esfera bicolor e se acomodava no colo do mesmo, parece que essa criaturinha será eternamente grata por ter sido salva.
Não demoravam muito para chegar até o local e pelo jeito o playboy falava a verdade. Kinney rapidamente sinalizava para o treinador o ninho de Swellows numa árvore com altura mediana, galhos grossos e bastante folhas para proteção. E lá no ninho estava ele, o Fletchling perdido! Por via das dúvidas, Growlithe tratava de confirmar que era realmente o pássaro. Infelizmente, o casal de Swellows também estava junto e um deles ficava dando carinho com seu bico no Fletchling.
Em outra árvore, essa bem maior que a anterior e galhos mais finos, possuía outro ninho com um casal de Taillow e aparentemente sem nenhum filhote. Pelo visto, seria uma tarefa complicada para nosso protagonista.
Pelo visto aquele moleque não estava mentindo, de fato ali estava o ninho de Swellows com o Fletchling! Kinney foi a primeira a perceber e me alertar. – Olhos sempre afiados, garota! Excelente trabalho! – fiz uma calorosa carícia na cabeça da minha Sneasel e fitei o ninho. Era uma situação muito complexa. Pokémons costumam ser bem agressivos ao proteger seus filhotes, mesmo os postiços como era aquele caso. Minha única chance de abordagem segura era chamar a atenção do Fletchling. Porém, havia algo curioso. Do outro lado, havia um ninho com dois Tailows, aparentemente sem filhotes.
- Ei, pequenino! Olha, é seu amigo ali! – mostrei para Budew a direção do ninho, e assim que reconheceu o pássaro o bebê começou a gritar – Você também Growlithe, chame por seu amigo! – disse para o canino, que imediatamente começou a latir – Ei, Swellows! Não queremos machucá-los nem oferecer nenhum risco! Os amigos desse Fletchling que está ai com vocês estão preocupados com ele! Se tiver alguma forma de ajudá-los a encontrar seu filhote perdido, por favor, nos permita fazê-lo! – falei alto o bastante de modo que os dois Pokémon no ninho pudessem ouvir. Também deveria ficar atento para reagir a qualquer ação agressiva e, acima de tudo, deveria proteger meus companheiros, especialmente o pequeno Budew, que era o mais indefeso.
A Sneasel fazia um bom trabalho até agora, acabava encontrando duas vezes o Fletchling em questão. Com isso, o sentimento entre o treinador e o felino aumentava ainda mais.
Voltando para a cena, Galvanis sabia da situação complicada em que se encontrava, ficava analisando o ninho por um tempo e pensando em qual seria a melhor decisão a ser tomada. Decidindo então em chamar atenção do Fletchling, que poderia ser o melhor aliado naquela situação. O treinador tratava de mostrar para Budew o amigo perdido, que começava a gritar de emoção e era seguido por Growlithe que soltava também uns latidos. É claro que não foi a decisão mais sensata a se fazer, o casal de pássaros se assustava e um dos Swellows saía do ninho dando um rasante em Growlithe, que por pouco conseguia se esquivar. A velocidade que tudo acontecia era tão absurda que uma pequena pena azulada caía sobre o corpo do canino. O Swellow pousava no chão e ficava encarando os nossos heróis, inclusive era seguido pelos dois Taillows. Budew se tremia de medo e se encolhia entre os braços do treinador, não soltando mais nenhum pio.
Logo Vitale tentava dialogar e conseguia fazer com que os pássaros recuassem um pouco. Já Fletchling finalmente reconhecia seus amigos e tentava dialogar com o Swellow que permaneceu no ninho. Ao termino do diálogo, o outro Swellow descia do ninho e falava com o Swellow que estava no chão. Seja lá o que a ave de fogo tinha falado, parece que tinha surtido efeito... O casal de Swellow acenava com a cabeça positivamente, como se tivesse dando aval para o nosso herói ir atrás do Taillow perdido e voltavam para o ninho, ficando a frente de Fletchling. Pelo jeito não iriam liberar a criaturinha tão facilmente, temendo que fossem enganados.
