SHIMMER RUINS DUNGEON #1 - KB & SHIANNY

Admitia que somente quando os orbes foram surpreendidos pela presença repentina de Alakazam no combate que a moça compreendeu, com certo alívio, que a aspirante à especialista aparentemente tinha tido uma linha de raciocínio extremamente compatível com a própria - bem, sim, talvez a consciência não houvesse processado por inteiro as palavras entrecortadas ditas pela loira, mas era fato que a criminosa, mesmo em seu estado sofrido por conta da pura e nada singela dor causada pelo grotesco ferimento aberto pelos dentes de Luana, havia se dado conta da necessidade gritante de impor o poder destrutivo de seus pokémons contra o golem colossal que as adversava.

Chase respirou uma, duas, três vezes; As unhas se apertaram com discrição contra a própria palma, e as pálpebras copiaram o movimento dos dígitos, os ombros se retesando em reação praticamente involuntária diante da ideia de que qualquer passo em falso podia custar-lhes não só a batalha, como também poderia ditar como seus túmulos o coração das ruínas da cidade perdida no deserto. Durante um curtíssimo instante, a ruiva se deu ao luxo de afastar um pouco a máscara do rosto, aproveitando o breve instante ensolarado para respirar fundo, puxando ar com gosto, pouco antes de cobrir a face com o tecido mais uma vez, libertando as pupilas da camada de derme e observando o lendário inexpressivo que, em seu ritmo relativamente vagaroso (detalhe que dava graças aos céus, pois não acreditava que teriam chance se, além de ser um projeto de tanque de guerra, o pedregulho também se revelasse veloz.

— ...Ah, é? — Perguntou, de repente, quando a consciência se volveu para a risonha monotreinadora em atitude quase instantânea; Ora, não é mentira que tão bem tentou ocultar o sobressalto que a atingiu, mas também não acreditou que seria necessário fazê-lo. De quem esconderia tal situação, além de um software aparentemente sem dependência de um corpo humano? — ...Vai patentear, Bley? — Retrucou, um sorriso discreto pincelando pelos lábios enquanto as mãos de apoiavam sobre seus ombros, em uma tentativa desesperada, embora silenciosa, de manter a companheira desperta e consigo. — Vile, Solar Beam e Giga Drain. Ariel, duplo Waterfall; Acompanhe com Taunt e Night Daze, Joker! Se não acertar a provocação, repita! — Instruiu, enquando considerava se seria ou não uma boa ideia a de alocar o fantasma pra o difícil embate à frente - num primeiro momento, porém, optou por não fazê-lo.

Restou-lhe esperar pelo melhor.

Visceral - talvez aquela fosse uma das melhores palavras para definir a inesperada batalha que havia se iniciado e se seguia, já há alguns turnos, nas entranhas daquele salão dourado. Não necessariamente pelos movimentos utilizados em si, mas sim pela necessidade de subjugar o oponente: Desespero e determinação cintilando de um lado, inexpressividade e violência do outro. O coração pulsava dentro do peito, não apenas por reação natural, mas por se encontrar sofrido diante do temor pela ideia do que aconteceria caso seus pokémons não fossem capazes de sustentar o embate e interromper o desejo gutural de avanço que parecia dominar cada pedaço do corpo do espécime e, acima de tudo, por conta da dor diante das palavras hesitantes e pausadas de Karinna.

Diga, Arceus, a que altura exatamente seus olhos pousaram sobre os ombros dessa dupla quebrada, qual motivação exatamente reverberou em su'alma para latejar o ódio diante de tão frágeis existências? Ora, veja, não é como se em algum momento qualquer uma das duas houvesse deliciado-se em protagonizar algum acontecimento especial de fato, superior ao de todos os outros, não; Tratavam-se apenas de jovens perdidas, de alma amaldiçoada e consciência fragmentada, onde na mente pulsa nada mais, nada menos, que um desejo inconstante pela sobrevivência e superação.

...Diga, é pecado almejar vitória?

— ...C-Cala a boca, Shuckle. — As palavras saltaram da garganta, verdadeiramente trêmulas pela primeira vez em toda aquela longa expedição. Os dedos de uma mão se apertaram, delicados, sobre as roupas da loira, o maxilar se pressionando sobre a outrora belíssima cascata dourada, que agora nada mais era do que um nicho sujo e desgrenhado por conta das constantes saraivadas de areia e poeira que a açoitavam. — ...Você... V-Você só quer ficar porque... Porque tá vendo todo... Todo esse lugar b-brilhando, de ouro. — Atrapalhou-se nas próprias sílabas, tropeçando nas letras e nos espaços que separavam uma perna d'outra. — Tá... T-Tá achando que... Que engana quem? — Murmurou, o timbre em queda constante, afetando não só a mente, a garganta - mas o próprio coração.

De toda a expedição, foi a primeira vez que teve de se preocupar com o borrado aguado que começou a interferir em sua visão, ocupando espaço gradual nos óculos de lentes escuras emprestados já há sabe-se lá quanto tempo - seca, a garganta titubeou, incerta se por desejo do líquido puro que impedia desidratação, ou se simplesmente porque aquele era um dos momentos que não poderia se dar ao luxo de se sentir presenteada pelo dom da fala.

Não tinha jeito, porém.

— De novo! — Gritou, as cordas vocais latejando em protesto. — De novo! Vileplume, Sunny Day! — Berrou, forçando a garganta que há pouco não tinha problema algum em se impor e pronunciar naquela circunstância caótica. Os dedos se apertaram mais uma vez contra o corpo da aspirante à especialista, a inconsciência trabalhando para que pudesse trazê-la mais para si, em gesto automático, protetor. — Solar Beam! Joker, Night Daze e Taunt! Ariel, duplo Crunch! — Ordenou, sem parar para pensar um único instante. Foi só então que mais uma vez a atenção volveu na direção da monotreinadora, se permitindo virar novamente o cantil sobre seus lábios, na tentativa de umedecer sua garganta como anteriormente requisitado.

Precisavam sair dali.
Tinham que conseguir.

Extremamente instintiva foi a reação do corpo quando, entre as tantas idas e vindas entre embate e companheira, os orbes acinzentados captaram o movimento estranhamente veloz do inexpressivo colosso quando este lançou-se em direção aos céus - mas foi impedido de seguir caminho, talvez até pelo próprio peso, e sua indignação resultou em uma descida violenta contra o tapete dourado, emitindo pulsos de energia alaranjada que provocavam explosões nas dunas de areia que subiam e desciam pelo salão onde o trono de Oirar't repousava, agora vazio após a destruição de seu rei pelos punhos maciços de Regirock. Os braços tragaram a loira para mais perto do próprio torso, apertando-a em abraço medroso e trêmulo; Tão protetora quanto protegida, o corpo se inclinou contra o da companheira, as pálpebras se apertando por um breve instante quando sentiu o solavanco do tapete dourado abaixo de si, impulsionando-as alguns centímetros para cima mas, felizmente, a distância havia sido suficiente para que a força do movimento as alcançasse tão furiosa quanto ondas curtas que se quebraram antes de atingir o ápice.

— ...V-Vai. Você vai. — Foi o que conseguiu gaguejar, aconchegando a companheira contra si como se dependesse disso para sobreviver. — E... E você vai sentar no t... Trono. Tá vendo? Vamos aproveitar que ele tá vazio, agora. — Sussurrou, esforçando-se para evitar que a mandíbula se trincasse com força o suficiente para que não fosse mais capaz de abri-la. — E-E a gente vai fazer tudo isso enquanto sapateia nos restos de barro de todos esses bichos que entraram no nosso caminho. Vo-... Você vai ver só. — Acrescentou, os dígitos se enterrando nos tecidos sujos das roupas da aspirante à especialista, cada célula nervosa tomando para si o trabalho de manter a moça próxima, como se isso por si só fosse capaz de ancorar também a sua consciência.

Já seca, não muito melhor se sentiu a garganta quando, outra vez, o lutador psíquico foi arremessado em nocaute pelo maldito lendário. Foi nesse momento também que a ruiva apercebeu-se da maneira como o pedregulho avançava, dessa vez mais confiante, em sua direção; Os músculos se retesaram, e o corpo todo tremeu em temor ao destino que se tornaria iminente caso não prestasse atenção ao embate que era travado com ferocidade logo à sua frente e, no âmago de seu peito, algo lhe dizia que aquela era a última chance que teria de evitar o destino que o rochoso invasor preparava para si.

Foi por isso, e apenas por, que o olhar abandonou a imagem de Karinna, o queixo erguendo-se para focar nos segundos finais daquele confronto desesperador - e o sobressalto veio a seguir com a cantiga baixa cantarolada pela monotreinadora. Conforto: Arrisco dizer que é uma boa palavra para descrever a sensação que as notas mudas traziam ao seu músculo cardíaco, amaciando a consciência para uma sina que há muito lhes pertencia. Fosse para proteger à própria sanidade ou por coincidência fortuita, o cérebro não associou de imediato a melodia com um desfecho que se aproximava de maneira perigosa, exponencial; Os orbes acinzentados se mantiveram voltados para a arena, e uma carga de adrenalina pulsou por cada uma de suas veias, espalhando-se pelo corpo mas, ao contrário do que poderia ocorrer em outras circunstâncias, seu resultado se afunilou em uma única atitude:

— Vamos acabar com isso. Vai dar certo, Shuckle. Espera só. — Disse, estreitando o olhar mareado com discrição na direção da enorme estátua bicolor, uma determinação anômala pulsando por cada uma de suas células - pois, provavelmente não teria outra chance da fazê-lo. — Vile, resista mais um pouco! Use seu Solar Beam, repita se não acertar, do contrário, Giga Drain! — Pediu, volvendo a atenção para o sol artificial que brilhava na abóbada do salão. Toda aquela batalha havia sido marcada por uma violenta luta climática, e a moça tinha certeza que não seria diferente daquela vez. — Joker, duplo Night Daze! — Instruiu, impondo a dualidade entre a luminosidade e a escuridão. — Ariel, duplo Crunch! — Orquestrou, engolindo saliva enquanto, focados, os orbes aguardavam pelo desfecho final.

Era a última chance.
Precisava dar certo.

Não seria exagero afirmar que a queda do espécime colossal de rocha havia sido, para dizer o mínimo, uma das (senão a) cenas mais prazerosas que tivera a capacidade de testemunhar e desfrutar por toda a sua passagem pelas ruínas da cidade de Oirar't. Chase assistiu, de maneira um pouco embasbacada (e com invejável sentimento de superioridade repentinamente invadindo-lhe o peito) enquanto o caído pedregulho se arrastava pelas dunas de areia, a energia rubra se esvaindo de seu corpo ferido até se dissipar em uma explosão minúscula já conhecida por si, quando o bípede foi capaz de atravessar pela mesma fenda que havia criado ao adentrar o salão. Antes de seu sumiço, porém, a moça ainda encontrou um tempo curtíssimo para tentar verificar o lendário pela lente fosca de sua Pokédex, em uma vã esperança de manter consigo uma prova diminuta e menos vaga de que não havia perdido por completo sua sanidade.

— ...Conseguimos. — Foi o que sussurrou ao vento, sílabas que se perderam por detrás da máscara, escorregando pelo meio das milhares de partículas de areia que rodopiavam na ala principal, em fuga desesperada para evitar que o criador ouvisse aquele ousado projeto silencioso de comemoração. O sorriso quase languido se desenhou no rosto, os braços afrouxando o aperto ao redor do corpo da criminosa e o olhar finalmente volvendo em sua direção, a testa se encostando com carinho genuíno contra a sua, em ternura que há muito não era capaz de compartilhar com outro alguém. — Acabou, Shuckle. Nós vamos poder ir embora daqui. — Segredou à moça, as gotas salgadas escorrendo das pálpebras e umedecendo a parte interior dos óculos de proteção. Não por muito tempo se permitiu aquele relaxo, pois o sol artificial invocado por Vileplume começava a falhar e até mesmo o próprio Sushi intercedeu em seu pequeno momento de tranquilidade, tomando para si o controle do corpo da loira, movimentando-a como se fosse marionete - e uma agressividade até ameaçou escapar pela expressão de Chase, que se amenizou ao dar-se conta de que o responsável por tal era o inicial da monotreinadora.

Levantou-se, então. Por um instante, o olhar se desviou na direção do corpo largado de Luana, o canto dos lábios se torcendo em desgosto ao aperceber-se que, não fosse sua hesitação e relaxo de não ter que precisar conduzir uma breve explicação de toda a situação, muito provavelmente nada daquilo estaria acontecendo, tanto com a moça, quanto com Bley - e eis ali mais um dos muitos fantasmas que provavelmente a assombrariam nas noites solitárias que a perseguiriam por sabe-se lá mais quanto tempo ao longo de sua jornada distorcida pelo universo do amaldiçoado Arceus. Com uma atitude meio inútil, Natalie chamou pelo seu fantasma elétrico, estendendo para ele o colar no qual pendia o pingente da estatueta que carregava e pediu, de maneira quieta, para que o colocasse em torno do pescoço da arqueologista. Talvez de nada valesse, mas também não faria mal algum uma tentativa final.

A partir daí, limitou-se a retornar praticamente todos os seus pokémons, com exceção da máquina de lavar, que se retirou rapidamente apenas para cumprir seu desejo. Juntando-se ao de Karinna em uma precaução para dar-lhe suporte se assim fosse necessário, a ruiva caminhou na direção do trono solitário daquele salão, se permitindo olhar algumas vezes em volta como uma precaução silenciosa de que não teria de lidar com nenhum perigo a mais após todo o caos que tivera de suportar durante a presença de Regirock. O clima não auxiliava muito e, bem, foi com certa dificuldade que atravessaram as dunas de areia até alcançar um altar próximo mas, oh, valera a pena - e como valera. A primeira coisa que a treinadora reparou, óbvio, havia sido a esfera acinzentada que haviam encontrado para capturar os Unowns antes do portão que ocultava todo aquele universo abandonado; Quando a Rocket a clamou para si, porém, não reclamou - fosse para agradá-la ou pelo fato de que o coração só queria qualquer motivo que fizesse o brilho da existência se manter aceso nos seus olhos, oh, tanto fazia. A segunda, admito que se tratava da pedra que guardava dentro de si um universo multicolor: Não demorou de recordar daquela que o encontro com Zapdos havia resultado em conquista, e considerou explicar do que se tratava, mas acreditou que aquele não era o melhor dos momentos para iniciar uma rajada de novas informações para cima da aspirante à especialista que já estava somente semi-consciente.

Então, tomou para si os itens que restavam; Uma das sobrancelhas se ergueu diante do comentário de que deveria devolver a rocha fosca caso houvesse nela algum valor, e um sorriso manso desenhou na face quando o cérebro processou a informação, balançando a cabeça em uma negativa tranquila, o consciente encontrando naquelas palavras o conforto de que a companheira resistiria àquelas adversidades.

O sorriso também estava ali por saber que, independente do "tom de brincadeira" que decorava aquela afirmação impensada, a loira estava falando sério.

— Eu não sei. — Respondeu, então, apertando as pálpebras e olhando de um lado para o outro, uma incerteza inquieta se apossando de seu coração. A moça respirou com profundidade, aproximando-se da Rocket e fechando os dígitos sobre seu pulso, como uma garantia para si própria de que não se separariam naquela caótica tormenta de silica. — ...Mas a gente dá um jeito. Nem que seja escalando e saindo por cima. — Afirmou, sem um pingo de dúvida da voz.

Se os louros por saírem vitoriosas daquela exploração tão parecidos eram com aqueles recebidos durante sua travessia por todo o cemitério vertical, à encontro do temido pássaro elétrico lendário, ora...
Por acaso teria algum mal de assumir que o fim também seria igual?