(010) — hidden springs/call it what you want

Não é nem preciso dizer o quão atormentada eu estava depois dessa situação toda. O que antes era motivo para provocações e consequentemente diversão e prazer do meu próprio sadismo, agora me deixava extremamente receosa de sequer encostar em Daisuke direito. Não era culpa dele, claro que não, mas e se eu não souber exatamente onde é o limite de, sei lá, me relacionar ou algo assim? Tudo que bem que eu estava instigando de próposito, mas e quando tudo estiver fluindo naturalmente? Não gostaria de vê-lo desmaiar mais uma vez, ainda mais por minha culpa.

...

Fiquei muda pelo menos por alguns segundos após o ruivo despertar, ignorando a maioria das pessoas que tentaram ajudar e que a pobre narradora teve todo o trabalho de pensar e descrever. Recebi o beijo no rosto e as palavras do Ranger ecoaram dentro do meu consciente muitas e muitas vezes: "pega mais leve."Tudo bem, instigar eu já não vou mais, mas... Sei lá. Pisar em ovos não é lá minha especialiadade, ainda mais sendo bruta do jeito que sou. De que outra maneira eu deixaria o Ranger confortável para conversar comigo sobre isso?

... Que merda, eu tinha que estragar tudo, né?

— Não precisa se desculpar. — levantei com a ajuda de Daisuke e o abracei, afastando um pouco meu corpo do dele; DESCULPA MAS NAO SEI VAI QUE ELE DESMAIA DE NOVO — É... melhor deixarmos pra lá mesmo. Mas me desculpa de qualquer jeito.

Com um sorriso sem graça dei um único passo para trás, me afastando do abraço da forma mais disfarçada possível. Voltei minha atenção para a fila e juntei ambas as mãos na frente do meu corpo, ajeitando a barra do vestido. Por um único momento esqueci que não poderia fazer força com a esquerda, mas... Até que não doeu tanto. Talvez esse fosse o assunto perfeito para quebrar aquele clima esquisito que havia se instaurado.

— Ah, olha! Nem tá doendo mais tanto ass- — ergui a mão machucada para mostrar a Daisuke, mas logo era interrompida por uma voz que surgia à nossa direita — ...? — primeiro o garoto que possuía uma mochila gigantesca falava com o Ranger, mas logo perguntava para nós dois se não queríamos furar a fila; ha, claro que quero, mas tudo estava muuuito esquisito — Depende. — cruzei os braços, avaliando com o olhar a figura da criança — Hm. — peguei o cardápio, abrindo-o — Eu compro dois desse Pewter Crunchies e um Big Malasada se você me explicar como vai fazer para a gente furar a fila. Sem enrolação. Se não você fica sem seu dinheiro e a gente fica por aqui mesmo. — virei o rosto e, bom, quando ia me aproximar de Daisuke para falar algo em seu ouvido, lembrei do que havia acabado de acontecer; respirei fundo e somente coloquei minha mão na frente da boca para que a criança comerciante não conseguisse ver — O que acha? — sussurrei para o Ranger — Vamos?

Caso a resposta de Daisuke fosse positiva, independente do que o garoto falasse ou não, seguiríamos com ele para furar a fila. Com um Joltik atrás da orelha, claro, mas fazer o quê?

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Tudo bem, talvez eu estivesse exagerando um pouco me afastando tanto assim fisicamente de Daisuke. Mas... Como eu vou saber qual o limite entre ele estar bem e desmaiar de nervoso se, bom, ele não me falar? Sou uma monotreinadora de psíquicos mas ainda não tenho uma bola de cristal e não sei ler pensamentos também. Isso era algo que começava a me incomodar um pouco, mas não posso querer trazer o assunto à tona sem deixá-lo desconfortável. Aliás, também não sei a reação que ele teria, ainda mais depois que pediu para deixarmos isso pra lá... Se não posso mais instigar, vou fazer que nem ele: implicar. Moderadamente, claro.

— Tudo bem, eu vou na frente. — sussurrei de volta, tomando todo cuidado do mundo para não falar tão perto assim do seu ouvido — Pelo menos se eu não tiver aqui não tem chance de você desmaiar de nervoso, né? — dei uma risada, apertando a bochecha de Daisuke e aproximando meu rosto do dele — Posso ou você vai cair pra trás de novo? — gargalhei, dando um beijo no canto da boca do ruivo — Ok, vamos lá. Mas sem gracinhas, hein? — voltei minha atenção para o adolescente, acompanhando-o — Se tudo der certo, no final eu ainda compro mais dois doces contigo.

Não sabia muito bem o que ele faria, mas se desse para furar toda essa fila estaria ótimo. Não estava lá muito animada para contar com a sorte já que Galar basicamente me traumatizou nessa questão, porém não tendo mais um Pokémon gigantesco para enfrentar no final já estava de bom tamanho -- minha cota do ano já deu com o gorilão gigante e o golem de pedra.  

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Não só o pequeno vendedor ignorou completamente que queríamos ir um de cada vez para evitar suspeitas, como também saiu nos puxando na direção da barraca. Ah, furar fila não é algo que me incomode ou me envergonhe, mas não estava lá com muita paciência se o povo que tava lá há horas começasse a reclamar por conta disso. Aliás, me pergunto se esse negócio dos ambulantes não dá um lucro bem legal para eles... Se parar para pensar, se cada pessoa que quer furar fila comprar dois ou três doces, no final da noite ambos estarão milionários; isto é, se não tiver mais gente envolvida nessa máfia dos docinhos. Talvez seja uma boa ideia contar para a ER sobre esse negócio -- não porque quero que eles ganhem dinheiro em cima disso, mas sim que eu seja recompensada. Também está mais do que na hora de ajudá-los ou mais um deles vai aparecer pra me enfiar uma seringa venenosa.

— É isso aí. — concordei com tudo que Daisuke dizia, aproveitando para esticar os braços e observar em volta para ver se alguém tinha reparado em alguma coisa — Ah, me vê mais um Crunchie aí, é sempre bom ter de snack pra quando Mochi fica mal humorado. — comentei comigo mesma, revirando os olhos; aproveitei para pegar a quantia exata e entregar para o adolescente — Se alguém reclamar dá pra eu fingir alguma coisa, não sei. — comentei com Daisuke, bufando logo em seguida — Vamos ver o que esse lugar tão movimentado tem pra nos oferecer.

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... ... ...

Admito que demorei para ligar uma coisa com a outra, permanecendo em silêncio até estarmos em um lugar mais tranquilo para conversar. Não me entenda mal, eu amo a emoção de fazer coisas erradas — apesar de que furar fila é um dos mais simples e bobos pecados sociais que existem — mas precisava me organizar para compreender de fato o que estava acontecendo, até para o caso de sermos expostos e eu ter uma carta na manga para nos livrar da situação. Aliás, a tenda era um pouco esquisita, mas somente consenti e dei a mão para Daisuke para entrarmos em uma das salas.

— ... Comida? — trouxe o assunto de volta, agora observando o interior da branca sala que mais parecia um hospício — Ah! Mochi é o nome do meu Gallade. — dei uma leve risada, coçando a nuca logo em seguida — Já achou que eu tava ficando maluca, né? — bufei, passando a mão na barriga igual Gloom fez quando eu quase morri de rir — É que igual o Brave eu também gosto muito de comer, aí todos meus pequenos tem nome de comida. — dei de ombros, erguendo ambas as mãos — Fazer o quê se cabe muita comida dentro desse corpinho lindo e esbelto. — dei uma voltinha, gargalhando no processo — ...

Ao voltar meu olhar para Daisuke, apesar dele ter rido da minha brincadeira abobalhada, dava para ler no seu semblante o nervosismo tomando conta da sua expressão. Até que entendo o quão diferente do resto do parque essa sala é, mas tinha certeza que não se tratava de nada demais -- quer dizer, basta ver a grande quantidade de pessoas aqui, se algo estivesse errado sem dúvidas alguém já teria feito um escândalo. Além disso, tudo tem uma primeira vez, né? Eles não me conhecem surtada. Suspirei, apertando a mão do Ranger:

— Calma, acho que alguém vai vir explicar direitinho o que é pra fazer. — pisquei, abrindo um meio sorriso — Não vi ninguém, mas já já aparece... Espero. — voltei meu olhar para os armários — Acho que devemos guardar nossos pertences ali, deve ser para evitar que roubem as coisas. — balancei a cabeça negativamente com uma expressão reprovatória estampada no rosto — Apesar de que quem faria uma coisa dessas, né? Roubar é uma coisa tão feia... Tsc, tsc.

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