Spring Day
Talvez Yoshiro não fosse a participante mais desesperada daquele Contest, mas ela com certeza era a pior em esconder isso. Estava totalmente inquieta: ora ficava andando de um lado pro outro do camarim, ora restringia-se a olhar com visível arrependimento para a tela onde as outras apresentações estavam sendo mostradas. Não posso culpá-la por estar tensa, aqueles coordenadores eram mesmo… bem, incríveis. Muito diferentes da minha dona, que nem coordenadora é (e, se Arceus me ouvir, jamais será). Na verdade, ela só fez a inscrição pelo nobre desejo de realizar um sonho de infância e pela não-tão-nobre necessidade financeira - motivações fortes o bastante para fazerem-na ignorar o "leve" risco de passar vergonha em cadeia nacional. Não estou com um bom pressentimento sobre isso...
“Pode parar? Tá me deixando tonto!” Exclamei, um tanto exasperado, depois que a menina já tinha dado umas três voltas ao meu redor numa falha tentativa de se acalmar. Por sorte, ela captou a frustração no meu tom, sentando-se na cadeira mais próxima. E lá ficou, ajeitando a boina sobre sua cabeça repetidas vezes sem a menor necessidade e espanando das roupas uma poeira que só existia na imaginação dela.
- Será que ainda dá tempo de desistir? - Perguntou em um fiapo de voz, com o corpo trêmulo e o olhar fixo no chão. Nunca vi minha dona desse jeito antes, já até me arrependi por ter brigado com ela...
“Com certeza.” Admito, a ideia me agradou mais do que deveria. Entrar nisso aqui com certeza não foi escolha minha. Yoshiro se levantou e nós dois começamos a andar, prontos para sair de fininho pela porta dos fundos. Rozen, que até então estava encolhido num cantinho para se proteger do frio, estranhou nossa atitude e veio me questionar.
“Ué, para onde estão indo? Nossa apresentação é a próxima.”
“Esse é o problema!”
No fim, mal pudemos dar três passos, pois um dos responsáveis pela parte técnica veio falar com Yoshiro, querendo se assegurar de que o timing das caixas de som seria perfeito. Ah sim, tem esse pequeno detalhe… minha humana tinha dado certo trabalho para a equipe, pois estava dependente de recursos sonoros tanto para a narração quanto para outros efeitos durante a peça, e não conseguiria providenciá-los sozinha. Por sorte, era normal que os organizadores fornecessem esse tipo de apoio aos participantes. E, diante de tamanha solicitude, nossos planos de fuga foram arruinados. Yoshiro não podia decepcionar dessa forma depois de todo o empenho que tiveram em ajudá-la.
Após resolver essas questões técnicas, a menina deixou-se cair na cadeira, derrotada, e eu aproveitei para subir no colo dela. Tentei fazer algumas gracinhas para acalmá-la, o que não era muito o meu estilo, mas valia a pena para conseguir arrancar alguns risos dela. Rozen, também querendo ajudar, ergueu-se sobre suas patas traseiras, colocando as outras duas sobre os joelhos da humana. Fechou os olhos e sorriu docemente, colocando nesse simples gesto tanto carinho que até eu achei adorável. Yoshiro, sentimental como é, abraçou o gramídeo e por pouco não começou a chorar ali mesmo. Dessa vez, de alívio.
Por mais tímida que fosse, seu maior medo não era o de subir em um palco, mas o de enfrentar o público sozinha. Bulbasaur, sempre tão tranquilo e amoroso, fez aquela tonta enxergar que não, os olhares e julgamentos não estariam apenas sobre ela. Independente do que fosse acontecer ali, Rozen estaria ao seu lado, e foi na fé dele que Yoshiro pôde se apoiar. Numa mera troca de olhares, os dois pareceram formar um tratado silencioso. Não havia razão para ter medo.
"Boa sorte, Yo." Quando o nome da minha dona foi anunciado, dei-lhe um último incentivo e corri para a arquibancada, queria um bom lugar para assistir. Alguns humanos me olharam com uma certa estranheza, mas preferi ignorar. Até parece que nunca viram um anfíbio na plateia antes…
Apresentação Visual
Agora mais calma, Yoshiro entrou no palco sem demora. O tempo era um elemento especialmente precioso nessa primeira cena, e ela sabia que não estava em posição de desperdiçá-lo. Mal tinha andado dois metros quando lançou a Pokébola de Rozen para cima, liberando o réptil em seu habitual feixe escarlate. Assim que se viu livre, o filhote encolheu seu corpo e girou-o em uma cambalhota, agitando seu bulbo de forma a liberar um pó de brilho azul claro. O Sleep Powder misturou-se aos resquícios da luz liberada pela esfera bicolor, dando aos esporos um tom arroxeado que combinava curiosamente bem tanto com a decoração cor-de-rosa do Contest Hall quanto com a Pink Scarf que Rozen trazia ao redor do pescoço. Foi um jogo de cores interessante, porém curto: o grass-type logo perdeu altitude e, concluindo a pequena acrobacia, apoiou suas patas no chão com firmeza. Bulbasaur, ainda coberto pelo cintilar do pó sonífero, bradou em alto e bom tom o nome da própria espécie, deixando sua voz ecoar pelo auditório como um clamor corajoso, mas ainda assim brincalhão.
- Boa noite, Lilycove! É uma honra estar aqui hoje. Sou Yoshiro Yakumo, e este é Rozen. - A menina fez uma reverência para o público, gesto que foi imitado pelo meu parceiro de time. Com ambos no centro do palco, era possível observar melhor os ornamentos que traziam, todos cortesia do Workshop. Bulbasaur, além da Pink Scarf, tinha uma Blue Barrette presa à orelha esquerda, fazendo par com o item de mesma cor que Yoshiro trazia no cabelo. Ademais, ostentava uma Beret equilibrada na cabeça, discretamente presa à Scarf para não correr o risco de deixá-la cair.
A humana, por sua vez, não contava com muitos enfeites: com exceção do laço azul, não tinha nada visível além da fantasia. Era uma roupa simples, porém dotada de um charme impossível de se ignorar. A parte mais chamativa consistia basicamente em uma blusa branca de gola alta e mangas compridas, coberta por uma espécie de casaco rosado bem solto no corpo, em especial nos braços. E, sobre seus cabelos escuros, uma boina da mesma cor do casaco, lembrando a de Rozen. No demais, apenas shorts e uma meia-calça, junto a um par de sapatilhas, nada extravagante. Mesmo assim,Yoshiro tinha feito questão de escolher um vestuário que combinasse tanto com a decoração do ambiente quanto com os acessórios que seu Pokémon usava, o que preciso admitir que foi fofo da parte dela.
- Ah sim, a primavera… é uma estação interessante, não é? - Juntou as mãos em frente ao corpo enquanto falava, inclinando de leve a cabeça e direcionando seu olhar na mesma direção, em uma atitude bem despretensiosa. Conhecendo minha dona como conheço, quase comecei a rir ao ver a cena - chegar assim, como quem não quer nada, é uma arte que toda pirralha mimada que se preze domina. E geralmente significa que tem muita coisa tramada por trás daquele olhar inocente. - Nela há tanta vida… a luz, as cores, cortam o branco do inverno com uma aquarela totalmente nova!
Yoshiro fez um ligeiro rodopio, com os braços bem estendidos, só para dar um drama a mais às suas palavras. Rozen, vendo sua deixa, correu ao redor dela, liberando seu Giga Drain em um raio de luz que também começou a circular a garota. Aproveitou-se do comentário sobre cor para liberar seu Toxic no ataque anterior enquanto corria, pintando o feixe branco na coloração tão característica do tipo venenoso, mas que se incorporou ao Giga Drain de forma que seu tom original foi clareado, dando-lhe um aspecto mais delicado. Era bonito, uma pena que não durou muito - alguns instantes, apenas. Assim que a menina parou de girar, Bulbasaur interrompeu seu movimento também.
- Por isso, viemos aqui hoje contar uma pequena história em sua homenagem. - A humana sentou com as pernas cruzadas no chão do palco, por mais atípico que aquilo fosse, e tirou um livro de dentro da manga. Rozen se aproximou para farejar o objeto, curioso, e por uns segundos o cabelo da garota nos impediu de vê-lo com clareza. Yoshiro aproveitou-se disso para atrair a atenção da plateia, assim Bulbasaur estaria livre para terminar seu truque. - Ela começa com dois amigos brincando na floresta, comemorando a chegada do Equinócio… e com um juramento antigo que, por uma ingênua ambição, não pôde ser mantido. - Ao concluir sua fala, terminou de abrir o livro, revelando uma pequena esfera de energia sobre as folhas, formada pelo Giga Drain concentrado em um único ponto. A menina sorriu docemente para Rozen, que encarava aquela centelha com um encantamento tão impecável que nem parecia ter sido ele o responsável por aquilo.
- Sabe, Rozen… ignorar uma prece não é fácil. Principalmente quando você tem o poder de atendê-la. - Enquanto a menina falava, a luz do refletores começou a enfraquecer, lançando penumbra sobre o ambiente e destacando ainda mais aquele ponto luminoso que pulsava sobre as páginas. - Mas o preço para realizar um milagre… realmente vale a pena pagá-lo? Mesmo que seja caro demais para algo tão simples… - Yoshiro ergueu o livro acima de sua cabeça, impulsionando a esfera para cima. Ela subiu alguns metros, instigando os espectadores a seguirem-na com os olhos. Era como se, ao abrir o livro, um mundo novo tivesse se desprendido das palavras… representado bem ali, por aquela pseudo-estrela que em poucos instantes cativou a atenção de todos. Naquele momento, já tinha se tornado a única iluminação do cenário.
- …Mesmo que seja muito a se dar por um mero dia de primavera? - No topo da trajetória, a esfera não conseguiu permanecer íntegra - o Giga Drain consumiu a si mesmo, liberando faíscas luminosas enquanto se desmanchava no ar. Quando a luz sumiu, todo o palco foi mergulhado no escuro.
Apresentação Artística
“A natureza sempre foi regida por um delicado equilíbrio. Cada estação conhece o seu momento e a ele deve respeito, sem jamais sobrepor-se ao reinado da outra. Como prova desse acordo mútuo, elas cederam aos mortais um presente: uma rosa mística que nasce apenas nos solstícios e equinócios, pois são os momentos de transição entre os seus governos. ‘Enquanto ela estiver intacta, manteremos nosso juramento’, foi o que avisaram. No entanto, tantos anos se passaram… que essa promessa acabou caindo no esquecimento.”
A escuridão foi cortada por um brilho intenso, um pouco atordoante no início, mas assim que meus olhos se acostumaram pude contemplar o quão bela aquela luz era. Uma forma luminescente, tão majestosa quanto uma estrela, ergueu-se no campo, ficando vários metros acima deste e iluminando o palco ainda melhor do que os refletores haviam feito (Sunny Day). Não importa o quanto os humanos tentem imitá-la… há na luz natural uma deslumbrância que suas lâmpadas e lanternas jamais poderão obter.
Sob o sol em miniatura, duas figuras brincavam. Meu colega de time, geralmente tão pacato, havia incorporado bem o seu papel: saltava alegremente, girando seu corpo com precisão e, ao tocar as patas no solo, realizava uma sequência de passos que tanto simulavam uma dança quanto serviam de impulso para o próximo pulo. Enquanto ele girava no ar, um brilho verde apoderou-se do corpo do Pokémon, expandindo-se em anéis luminosos que se espalharam pelo campo, fazendo grama, flores e até alguns cogumelos crescerem como em um passe de mágica (Grassy Terrain).
Yoshiro, encantada pela vegetação que havia surgido ali, também entrou na brincadeira: corria e rodava ao redor do Bulbasaur, por vezes imitando seus saltos, mas sem jamais tentar roubar o foco da cena para si. Era uma cena fofa de se ver, e eles estavam mesmo se divertindo… como duas crianças brincando. Sorri comigo mesmo ao ver o quanto se deixaram levar pelos seus papéis, Yoshiro estava tão entretida que até pareceu esquecer do público que a fitava. Enfim, estava mais relaxada… para o seu azar, o jogo logo foi interrompido por vozes que ecoaram no palco, como sussurros trazidos pelo vento. Chamavam o nome da garota, e pareciam preocupadas. O sorriso em seu rosto se desfez e ela direcionou um olhar tristonho ao Bulbasaur.
- Tenho que voltar para casa agora… te vejo de novo amanhã? - Perguntou muito à contragosto, com um suspiro decepcionado por não poder brincar mais. O réptil, sentindo isso, correu até a menina e jogou-se nos braços dela, dando um último abraço antes de por fim se despedirem. Yoshiro começou a caminhar em uma direção e Rozen correu para o lado oposto, sumindo em meio às plantas que ele mesmo havia convocado. Entretanto, assim que o pequeno saiu de vista, a humana parou, sua atenção tinha sido atraída por algo em meio à grama. - Uma… rosa…?
Aproximou-se em passos cautelosos da referida flor, fascinada pela sua beleza. Os telões centraram-se nela, revelando a cor vívida e os traços tão delicados daquela rosa vermelha, a qual tanto se destacava em meio às demais plantas. Não parecia uma flor normal, era algo a mais que isso… sua beleza deslumbrava até os olhos mais frígidos, e mesmo eu, que já a tinha visto durante os ensaios, peguei-me outra vez encantado com ela. Parecia quase… mágica.
“Não é apenas da maldade que nascem as tragédias… não, mesmo os corações mais dóceis podem ser dominados pela ganância. É simplesmente parte da natureza humana… são incapazes de ver um tesouro sem querê-lo para si.”
Conforme Yoshiro se abaixava para tocar a flor, o ar no Contest Hall pareceu ficar mais pesado, como um prenúncio de que algo ali não acabaria bem. Acho que não foi só impressão minha, pois notei que alguns humanos ao meu redor pareciam mais tensos. Minha treinadora hesitou por um instante, mas a tentação era forte demais: colheu a flor em um único e brusco movimento, admirando aquele belo tesouro que agora era sua posse…. sem notar que, logo atrás dela, a grama começou a farfalhar.
“E, assim… todo o equilíbrio foi rompido.”
Nesse instante, a vegetação recém-formada agitou-se violentamente, como se estivesse sendo balançada por um forte vendaval. A razão logo se tornou clara: uma enorme tempestade de folhas ergueu-se sobre o campo, girando em espirais caóticas enquanto se expandia, consumindo tudo em seu caminho (Leaf Storm). Yoshiro se virou a tempo de vê-la vindo, e seu radiante sorriso distorceu-se em um medo tão realista que até em mim causou calafrios. A grama e as plantas foram cortadas e destruídas, tamanho era o poder daquela tormenta, e nem mesmo o sol escapou impune. Sua luz foi bloqueada pelas folhas, impedindo-nos de ver o palco e deixando a escuridão outra vez dominar o ambiente.
***
Doubt
Os segundos que se seguiram pareceram uma eternidade para mim. Eu sabia que minha treinadora estaria bem, que Rozen jamais deixaria seu Leaf Storm machucá-la… mesmo assim, foi só quando todas as folhas sumiram que pude suspirar aliviado. Aquele poderoso ataque se desfez aos poucos, dando tempo suficiente para que meu companheiro de time fizesse uma pequena… mudança de cenário, por assim dizer. Quando pudemos visualizar novamente o campo, ele estava coberto por um pó azul-esbranquiçado (Sleep Powder), que cintilava sob os raios do Sunny Day. Entretanto, algo parecia…. diferente… a luz estava visivelmente mais pálida. Aquele pseudo-disco solar agora apresentava manchas escuras por toda a sua extensão, que drenavam-lhe a vitalidade como um veneno (Toxic).
Sob a luz enfraquecida, o Sleep Powder ganhava uma nova feição - seu cintilar natural era realçado, contudo, tornou-se um brilho abatido. Por mais deslumbrante que fosse o cenário, havia nele uma melancolia que beleza nenhuma era capaz de disfarçar. Regiões de penumbra formaram-se nas extremidades do campo, e nelas Rozen havia se escondido. Não era possível ver o Bulbasaur. Yoshiro, por outro lado, estava sentada em um cantinho, abraçando as próprias pernas e mantendo a cabeça baixa. Os esporos que caíam sobre seu corpo não lhe causavam sono - estavam atenuados, seu efeito era visual. Apenas uma tentativa de simular o inverno através das duas cores que melhor o representam: azul e branco.
“Com a retirada da rosa, o inverno sentiu-se no direito de subjugar a estação seguinte. Era um desejo que ele nutria há muito tempo… e agora, finalmente, tinha uma desculpa para realizá-lo. Pelos meses seguintes, a primavera não apareceu.”
- Isso… não vai acabar, não é…? -Yoshiro ergueu a cabeça, fitando tristemente a rosa que ainda trazia na mão. Agora desprendida de todo o seu encanto, estava pálida e murcha - morta, talvez. - Por quê…? Colher uma mísera flor é um pecado tão grande assim? Já faz tanto tempo...
Ela mantinha o olhar baixo, sem encarar o público, enquanto compunha seu monólogo com a voz trêmula e abatida. Uma boa atriz, tenho que admitir. A menina levantou e correu até o centro do palco, permitindo-se cair de joelhos ali. Então, encostou a rosa no solo, como se tentasse replantá-la. - Se há mesmo algo especial em você… por favor, me deixe ver a primavera outra vez… nem que seja só por um dia… - Yoshiro curvou-se, quase encostando seu rosto no palco, e entoou baixinho uma prece que só pudemos ouvir devido ao microfone. Nesse momento, Rozen saiu de seu esconderijo, fitando com melancolia aquela menina que, tempos atrás, ele tinha visto tão alegre e cheia de vida.
“Dia após dia, ela continuava voltando àquele local, mesmo sabendo que era inútil. Com sua vida ceifada, o presente devoluto não tinha valor - e uma substituta não poderia nascer em um mundo onde o inverno não cede espaço ao equinócio. No entanto, as orações da garota não foram vãs…”
Bulbasaur sentou-se ao lado da menina, esfregando seu rosto com carinho no dela e, assim, secando algumas lágrimas que teimavam em escorrer. Ela… de fato conseguia atuar a esse ponto? Ou aquele choro silencioso era apenas sua ansiedade enfim começando a extravasar? Não consigo dizer… todavia, fosse o que fosse, se encaixou muito bem na cena.
- Você é um filho da floresta, não é? Pode… m-me mostrar a grama e o sol outra vez? Por favor... - Sua voz estava falhando um pouco, porém ainda audível. Mesmo sabendo que era só uma peça, senti meu coração apertar ao vê-la assim. Boba ou não, atrapalhada ou não, Yoshiro ainda é a minha humana, eu faria qualquer coisa para que ela não precisasse mais chorar… e acho que Rozen também. Um olhar determinado surgiu no rosto do Pokémon, e ele assentiu em resposta ao pedido.
Anéis de energia, coloridos em um forte tom esverdeado, circularam o corpo do filhote ao mesmo tempo em que o corrompido Sunny Day teve fim. O palco teria escurecido, se não fosse por aquele brilho que girava ao redor de Bulbasaur como órbitas planetárias, expandindo-se pelo resto do campo logo em seguida. A luz não era suficiente para vermos a grama formada pelo Grassy Terrain, apenas os resquícios do cintilar típico desse ataque… mas não por muito tempo. Rozen aproveitou-se do ligeiro escuro para invocar outro Leaf Storm, este muito mais fraco que o anterior, para dispersar parte do Sleep Powder. Dessa forma, quando o segundo Sunny Day se ergueu sobre o palco, os esporos já não eram tão predominantes, como se o inverno estivesse começando a ceder.
Yoshiro olhou ao redor, deslumbrada, e um sorriso radiante se formou nos seus lábios. Ergueu-se em um pulo e começou a brincar em meio ao cenário, cada gesto seu extravasando a alegria que sentia por aquele pequeno milagre. Os movimentos dela eram bem familiares - os mesmos que Rozen tinha feito no início da peça, curiosa mistura de uma coreografia ensaiada com uma brincadeira boba e infantil. De tão feliz que a menina estava, não notou que o gramíneo ainda não tinha levantado.
Quando seus olhos enfim recaíram sobre o Bulbasaur, ele estava deitado sobre a grama, inerte. Minha humana chamou-o para brincar, sacudiu seu corpo para despertá-lo, contudo, sem resposta. Não importava o que ela fizesse, ou o quanto chamasse. Para um Pokémon de planta, gastar tanta energia em meio a um inverno rigoroso… seria praticamente uma sentença de morte, não? A garota demorou uns instantes para notar que seu desejo tinha um preço alto demais. O sorriso se desfez e ela deitou ao lado do réptil, abraçando-o. Uma das últimas cenas, já tá mais do que na hora de acabar! Entretanto… ela se levantou antes do que deveria. Olhou diretamente para a plateia e começou a dizer algo que definitivamente não estava no script.
- Sonhos são algo engraçado, não? Assim como esperanças, sentimentos… tanto tempo cultivando-os, e por tão pouco podem se esvair… são tão delicados quanto uma flor. - Minha humana soltou a rosa, deixando-a cair ao lado de Bulbasaur. - O Equinócio é um recomeço, uma chance de vida nova. Mas qual preço ele nos cobra por isso? Restaurar um sonho despedaçado exige que outra coisa seja quebrada em seu lugar. Segurança, um comodismo… ou mesmo um coração. Por mais bela que seja a ideia de renovação, ela é dolorosa em igual medida. Não são todos que se sentem prontos para passar por isso… eu mesma não sei se estou. - Ela se abaixou e tocou a testa de Bulbasaur, o qual reagiu abrindo os olhos e grunhindo fracamente para a nossa dona. Em seus olhos, vi o reflexo a mesma confusão que eu sentia. O que essa louca está fazendo…? - Mas não esta noite… hoje, nenhum sacrifício precisará ser feito.
Dizendo isso, deu alguns passos para o lado, revelando que a rosa agora estava totalmente recuperada. Como se nunca tivesse sido colhida. Essa era a deixa para o fim da narração, finalmente terminando aquela peça.
“Naquele momento, inverno e primavera se encontraram. Uma transição perfeita - um momento tão propício quanto o verdadeiro Equinócio. Ele foi suficiente para que a dádiva das estações florescesse outra vez. Com o equilíbrio enfim restaurado, a natureza pôde voltar ao seu devido ciclo… na esperança de que mais nenhuma interrupção ocorra.” (Espero que tenham ouvido isso, humanos. Interromper é o que vocês fazem de melhor.)
Assim que as palavras se perderam no ar, Rozen dispersou os resquícios restantes do Sleep Powder com seu Giga Drain. Ainda deitado ao lado da flor, a posição das câmeras fez parecer que aquele raio de luz havia saído dela, como uma bênção capaz de devolver à primavera o seu devido reinado. O pequeno se levantou e, com uma breve reverência, Yoshiro e Rozen se despediram da plateia. A menina saiu do palco sem demora, não queria esperar pela reação do público. Pela primeira vez desde que a conheci, vi o medo superar sua curiosidade.
Encerramento
Quando a garota saiu de cena, corri atrás dela. O que diabos tinha sido aquilo!? Você não pode mudar o roteiro de uma hora pra outra, sua tonta! Se Rozen não tivesse seguido o fluxo e improvisado tão bem, poderia ter arruinado a apresentação inteira! Na pressa que eu estava, foi rápido encontrá-la, e já me preparava para dar a maior bronca na humana quando notei que ela estava chorando. Dessa vez, tive certeza de que não era encenação. Segurava na mão um pequeno retrato, e não desviou os olhos dele nem mesmo quando me ouviu chegando.
- Será que eles vão me perdoar algum dia? - Não precisei olhar a foto para saber de quem ela estava falando. Saltei para o ombro da minha treinadora, esfregando meu rosto no dela em uma tentativa de confortá-la. A resposta sincera é que eu não sei… nunca conheci seus pais. Nesse momento, entendi a razão do improviso. Você precisava deixar essa mensagem para eles, não é, Yoshiro…? Já que nem pôde se explicar antes de fugir… é importante para você que saibam o quanto lamenta por deixá-los. Mas era necessário, sei que era. Pelo seu próprio Equinócio - pela chance de, uma vez na vida, ter o direito de escolher seu próprio caminho. - Sapphire, eu passei muita vergonha lá?
Minha treinadora forçou um sorriso e mudou de assunto para não me preocupar. Tarde demais, Yo. Todavia, deixei que ela guiasse a conversa e respondi com um risinho tão pouco verdadeiro quanto o dela. “Só um pouquinho.” Ou um tanto mais que isso, talvez.
- Sabe, até que foi divertido… e ainda bem que ninguém aqui me conhece haha - Girou a Pokébola de Rozen nas mãos e começou a caminhar de volta para o camarim, fazendo um gesto para que eu a seguisse. - Mas vou ficar um tempo sem dar as caras na rua, só por garantia.