Ato 04 — Enlaçados.

Guardou todos os seus itens e seguiu direto à quarta tenda acompanhada da loura. A ambientação remetia à mescla entre os tipos anunciados próximos à porta: as paredes tinham uma coloração marrom, e esparsas em meio ao recinto, alguns nuances de ringues de lutas em solo pedregoso lembram o habitat natural das criaturas terrestres, de pedra ou lutadoras. Notório que, para os treinadores tenham uma experiência próxima à realidade de se passar em uma área não urbanizada repleta de monstrinhos selvagens — e mesmo as áreas de cidades abrigam seus pokémons.

Súbito, uma das rochas esparsas por todo o ambiente começava a se mover, movimentando partes de seu corpo, para lá e cá. Reconhecendo a silhueta, Emma levou sua mão livre ao queixo, coçando-o com gentileza. Em seguida, respirou fundo, cerrando suas pálpebras por um ínfimo lapso temporal até abri-las novamente; era notório o tom desgostoso do ar que desvencilhava de suas narinas.

— Quem diria que eu ia encontrar um Carbink logo por aqui — resmungou Emma. — Não me entenda mal. Eu sei que você sempre preza em como eles se comportam em batalha e tal, mas você não sabe como era lá em Lumiose — revirou os olhos, até repousar suas vistas nos orbes cerúleos do treinador kantoniano. — Umas meninas nojentas no colégio sempre gostavam de se mostrar levando um Carbink pra passear, e eles não são dos mais baratinhos, e pra piorar ficavam “ai, eu tenho um Carbink da Pandora” pra vir aquele bando de babão playboy encher o saco — deixou uma risada abafada escapar ao se lembrar de episódios não tão nostálgicos assim. — A culpa não são deles coitados, e sim daquele bando de peruas.

— Então graças a Arceus que eu nasci no interior — brincou o louro.

— Sorte a sua que, mesmo eu tendo umas boas condições de vi-

— Você é rica.

— Não importa. Eu sou muito mais legal, vai por mim, gatinho, e não uma mesquinha igual aquelas Miltanks. Muito sorte a sua que você encontrou justo eu.

Roubou mais um curto beijo do rapaz até dar alguns passos para trás, dando sinal para que o mesmo avançasse para mais próximo de Carbink; assim Nicholas o fez. O treinador deu passos morosos à frente, sempre cauteloso, buscando entrar no campo de visão da joia milenar diante de seus olhos. Buscara, como com a metálica galariana, uma aproximação amigável enquanto arqueava a mesma esfera bicolor em que Shellos residia.

— E aí, amigão, vai tudo certo aí? — introduziu-se, brando, projetando seu tronco para baixo, apoiando-se sobre o joelho de sua perna saudável. — Você parece ser um cara bem forte, então não vai ficar triste comigo se eu quiser lutar com você, não é? Preciso testar algumas coisinhas antes. De qualquer maneira, é bom achar um cara justo como você aqui.

Volveu o corpo para trás, recuando infimamente. Em um movimento brusco como se fosse partir sua pokébola, evocou o lampejo alvo, chamativo no meio de todos aqueles tons escuros. A luz materializava a sua lesma marinha, que acenou para Carbink amigavelmente.

— Tá tudo pronto, Shellos? — quase como uma pergunta retórica, o louro dirigiu-se ao seu monstrinho róseo. — Perfeito. Yawn e Water Pulse.

Como o esperado pelo louro, as grandes estatísticas defensivas jogavam ao lado da fortaleza feérica. Mesmo com a lesma sendo bem treinada — seja naquele primeiro combate junto ao seu mais novo treinador diante da metálica galariana ou no tempo em que esteve livre pelas proximidades da rota cento e quinze —, ainda não era o suficiente para vencer Carbink. A fada de Kalos não tinha dotes ofensivos tão veementes, e sim tinha como especialidade sua defesa perfeita.

Nicholas sorriu, satisfeito por a sorte ter jogado ao seu lado. Em alguns combates que travara, sentiu falta de uma fortaleza na retaguarda ou até mesmo auxiliar sua linha de frente, seja com Mightyena, Charmeleon ou Ninjask; mesmo com os dotes ofensivos significativos de Cufant, a escolha da rocha feérica parecia ser uma adição mais interessante à sua coleção.

Com as mãos no bolso, taciturno e sisudo, os orbes cerúleos bailavam a cada movimento utilizado pelos monstrinhos. Por mais que Shellos tivesse como carta na manga um ataque efetivo, ainda assim, não superava a fada por completo: tanto pelas defesas de Carbink ou por seu ataque não tão significativo.

Mas isso era um problema para solucionar depois. O momento pedia que continuasse a observar o embate e fazer levantamentos que lhe fossem propícios para seus desafios futuros, como em ginásios.

— Water Pulse duplo — exprimiu, manso, ainda atento aos detalhes à sua volta.

Já estava para acabar. Acredito que não deva me delongar muito aqui, afinal, as análises de Nicholas foram justo durante as primeiras trocas de golpes, e conforme o combate seguia, não havia o porquê continuar a dissecá-las sem parecer repetitivo. Carbink estava a poucos golpes de exaurir toda a sua energia, e apenas o que restava era Shellos desferir os golpes de misericórdia, não é mesmo?

— Water Pulse mais duas vezes — ordenou, direto, com os braços cruzados aguardando o desfecho já esperado pela batalha.

Carbink cairia sem muitas delongas, isso era fato. Caso a fada caísse, o louro arremessaria as esferas entregues pelas organizadoras do evento contra o corpo inerte da rocha feérica, recolhendo-a logo em seguida. Desse modo, volveria, em passos morosos, na direção da treinadora de Kalos que se divertia enquanto mexia em uma das aplicações do pokénav.

Com o último lançamento das vibrações d’água compactadas próximas à boca da lesma, o impacto super efetivo do ataque foi o suficiente para que Carbink sucumbisse à exaustão e estatelasse inerte contra o chão pedregoso. Foi em súbito movimento de arco que o braço destro do louro se movera, arremessando a esfera responsável pelas capturas naquele evento em Johto. Assim como outrora, o botão ao centro tremeluziu por ínfimos instantes até, enfim, indicou o sucesso da captura. Em passo moroso, o louro andou até onde o apetrecho jazia, tomando-o em suas mãos.

Apenas para ser dirigido por Emma novamente.

— E então, é Pandora ou Swarovski? — indagou, com um sorriso desenhado nos angelicais róseos lábios, em referência galhofeira aos acontecimentos de sua infância.

— Não importa de onde seja. Você viu o quão forte ele pode ser? Mesmo Shellos se demonstrando mais experiente em batalha, mal pôde furar suas defesas — calmamente, explicou o louro, projetando o seu tronco pra cima para guardar a segunda esfera próximo à primeira, após recolher a lesma de volta à sua pokébola.

— Ah, mas disso eu sei também. É um trauma meio bestinha, né? Entre ele e Cufant, quem você levaria? Ela parecia ser tão fofa...

— Não que eu discorde de você, mas entre os dois, ainda assim levaria o Carbink. Ele mata dois Scorbunny em uma cajadada só: é absurdamente forte defendendo e ainda é uma fada.

— Mas a Cufant é tão fofa, coitada. Você podia levar ela pra eu pelo menos fazer um carinho nela de vez em quando.

— Até parece que a Jigglypuff não vai ter ciúmes.

— É igual coração de mão, Nico: sempre vai caber mais um. De qualquer modo, é você quem é o aventureiro mestre, não é, meu Indiana Jones?

Em um sorriso, os alvos dedos da treinadora passavam sobre a maçã do rosto do treinador, dando um sucinto aperto em sua bochecha direita, jogando-se, em seguida, contra o tronco do kantoniano, em aprazível abraço. Nicholas afagava brevemente o cabelo da garota até a sua atenção se volver a um tecido que, tal como a linha da outra barraca, era de facílima obtenção. Ergueu as sobrancelhas, desconfiando suavemente; teve de se lembrar de que era um evento amical e que não havia nenhuma hostilidade perto para deixar suas queixas de lado.

Por Arceus, quem diria que uma primeira semana viajando à deriva do destino seria o suficiente para que ele se tornasse tão cauteloso assim?

Tal uma sucessão, um carretel de tecido estava diante dos olhos cerúleos de mar agitado do louro. Manso, o diafragma se movimentou, e por sua vez a caixa torácica em respiração tranquila. Nicholas tomou em suas mãos aquele item ínfimo, escolhendo não pensar o que poderia vir ao final — mesmo com o instrumento anterior tendo lógica com o atual —; desconectou todas as paranoias que seu cérebro jogava ao seu consciente, entregando-se apenas aqueles momentos únicos de diversão que o National Park poderia proporcioná-lo.

Novamente com os dedos entrelaçados, os dois volviam ao checkpoint de onde estavam as filas das demais barracas para que o treinador fizesse a derradeira escolha. Cada uma poderia oferecer-lhe opções interessantes à sua equipe, tornando a decisão um pouco mais difícil. Ainda assim, elucidado pelas duas aparições anteriores, o garoto se dava ao luxo de arriscar-se um pouco mais nas tendas: Cufant oferecia uma alternativa ofensiva e Carbink é um verdadeiro tanque de guerra.

Viveu sempre preso às decisões racionais e poucas situações o garoto ousou dizer que foi sorte — mesmo essa força maior do destino quem o salvara em certas ocasiões. Respirou fundo, olhando de relance para cada uma das portas ainda não visitadas à sua frente. Pressionou o lábio superior contra o inferior, gentil, apenas indicando com a cabeça para que Emma o seguisse. Fizera, enfim a escolha.

Agora, o que será que a tenda de número seis, escolhida por Nicholas, poderia trazê-lo?