[04] How does a moment last forever?

Eu já esperava que esse fosse um combate rápido, tenho juízo suficiente para saber que meus colegas não seriam páreo para os Pokémons da Kathryne. Yoshiro também esperava, tanto que ela virou a cabeça e cerrou os olhos quando a Medicham avançou para atacar, e assim se poupou de ver o Sandile ser… eh… massacrado. Mesmo eu, que já estava acostumado a batalhar, nunca levei um tapa como aquele: foi tão forte que deve ter doído até nos ancestrais do crocodilo. Admito que me deu um pouco de pena… e eu imagino que ele não vai ficar muito contente com esse desfecho quando acordar. Tomara que isso ao menos o tenha ensinado a ter alguma humildade.

Atsui, por outro lado, aguentou bem o Rock Tomb. Ok, talvez “bem” seja um pouco de exagero. O fantasma estava ofegante como nunca o vi, e sua chama queimava mais pálida que o normal. No entanto, continuava de pé, e ainda atreveu-se a rir da Medicham, como se caçoasse por ela não ter conseguido derrubá-lo com um só golpe. Eu não acho muito sensato zombar de alguém que está a cinco segundos de lhe nocautear… mas tem doido pra tudo nesse mundo, né?

- Não precisa pedir desculpa, todo mundo já levou alguma surra na vida. Eu já fui massacrado por uma fada beijoqueira, bem mais humilhante do que perder pra uma Medicham… então posso dizer sem dúvidas que ele vai ficar bem. - Acho que o sorriso no meu rosto estava quase tão torto quanto o da loira, contudo, eu estava sendo sincero. Aquele crocodilo parecia audacioso demais para se deixar abalar pela sua primeira batalha. Ninguém ia sair dali traumatizado, e eu sei bem que derrotas sempre nos ensinam mais que as vitórias. Que bom, pois esses dois encrenqueiros certamente têm muito o que aprender. - Atsui, tente usar outro Shadow Ball. Ainda na Medicham.

Claro que ele não ia conseguir preparar o ataque a tempo, mas a esperança é a última que morre, né? Tentei abrir um sorriso mais convincente para incentivá-lo, no entanto, o fantasma apenas revirou os olhos e me deu a língua. Tomara que a Prudence capriche nesse Rock Tomb… d-digo, tomara que ele fique bem! Ao menos o Litwick teve a consideração de ser educado com Yoshiro quando esta lhe deu algumas palavras de incentivo. Era bem claro no rosto da Mudkip o quão preocupada ela estava com o pequeno, e ele deve ter sentido isso, pois soprou um beijinho fofo para ela. Bom saber que pelo menos alguém aqui ele respeita...

Antes que a lute continuasse, aproveitei pra enfim colocar o Sandile na Pokébola dele. Yoshiro logo tomou a esfera das minhas mãos e ficou segurando-a entre suas patas, olhando tristonha e acariciando a superfície metálica como se tentasse consolar o monstrinho lá dentro. Será que eu deveria avisar que ele não vai sentir nada…? Deve ser melhor eu ficar quieto… por fim, Kathryne falou diretamente com a minha treinadora, pedindo a ela desculpas. Após dizer algo em sua língua inteligível, a Mudkip negou com um balançar de cabeça e logo depois sorriu, aceitando as desculpas e mostrando que não estava brava com a menina. Como uma treinadora, ela entende que essas coisas às vezes são necessárias. Claro, saber não a impede de ficar triste pelos Pokémons que se machucam, sejam dela ou dos adversários… mas Kathryne não tinha culpa nenhuma, a ideia foi minha, e eu tenho certeza de que isso não mudou em nada o carinho que a minha dona tem pela amiga.

Considerando que essa foi a primeira luta do Atsui, eu diria até que ele se saiu bem, principalmente considerando o quão experiente a sua adversária era. Mesmo assim, não aguentou por muito mais tempo: Prudence derrubou-o com um Rock Tomb antes mesmo que ele tivesse a chance de reagir. Yoshiro deixou escapar um lamento baixo pelo filhote enquanto eu o retornava para a Pokébola. Foi uma batalha difícil para os meus colegas - ou talvez nem tanto para Sandile, já que o coitado não fez nada -, e ambos mereciam descansar.

- Boa luta, Kath, seu time é incrível! Conheço poucos Pokémons tão fortes assim. Prudence, eu ainda espero muito poder te enfrentar um dia, quando tiver meu corpo de volta. Mas da próxima te garanto que não vai ser tão fácil, viu? - Estendi a mão para cumprimentar a humana, e logo em seguida fiz o mesmo com a Medicham. Imaginei que Kathryne estaria meio nervosa com a situação, então mantive o tom mais descontraído que pude, querendo mostrar a ela que estava tudo bem. Depois de falar com as duas, ajoelhei-me para poder conversar melhor com a Inkay. - Eldritch, né? Que nome bonito. Você foi demais, é uma menina muito corajosa! Tem certeza de que foi mesmo a sua primeira batalha?

Apesar de tão nova, ela não tinha demonstrado medo em momento nenhum, e isso me deixou bem impressionado. Aliás, talvez eu tenha me distraído um pouquinho falando com elas… por um momento, nem reparei que Yoshiro tinha ficado um pouco para trás, ainda ocupada com a esfera do caçula. Ora, mas eu só me afastei por uns instantes… não há chance de ela se meter em alguma encrenca em um intervalo tão curto, certo?

O guincho agudo que Eldritch emitiu foi um infeliz aviso de que eu estava errado. Virei-me num pulo, bem a tempo de ver uma forma esguia e amarronzada esgueirando-se para perto da anfíbia. Já vi predadores suficientes para reconhecer um, e as intenções daquela cobra seriam notáveis até para alguém que nunca precisou viver com o medo de virar almoço. E o pior é que a Mudkip nem parecia notar o risco que estava correndo. É pra isso que essas barbatanas servem, ela pensa que são enfeites!?

- Yoshiro, sai daí! - Corri de volta para perto da anfíbia, mas a tonta apenas me lançou um olhar confuso, sem entender a razão de tanto sobressalto. Se eu fosse um tantinho mais esperto, teria retornado-a para a Pokébola. No entanto, a adrenalina correndo no meu sangue era tanta que meu primeiro impulso foi pular pra frente da minha dona e aproveitar o impulso para bater na cobra com a mochila. Sei que isso não causaria dano real, mas tudo o que eu queria era afastá-la da menina. - O que diabos você pensa que tá fazendo? Quando alguém te manda sair, você sai! - Nem me dei o trabalho de olhar para a Mudkip enquanto reclamava, pois sabia que eu tinha acabado de me colocar em uma situação meio complicada. Se essa cobra revidar, estou frito…

Por sorte, a mochila não estava exatamente fechada quando eu a balancei. Uma Pokébola já conhecida caiu bem perto do meu pé, então pude liberar sem demora o monstrinho lá dentro. O Ivysaur parecia meio confuso, porém foi rápido em entender que a situação era séria. Pensando que eu era Yoshiro, colocou-se defensivamente entre mim e a cobra.

- Melhor hora, impossível, Rozen… - Com a aparição do gramíneo, pude me dar ao luxo de olhar para trás, e vi que Yoshiro tinha corrido até Kathryne e pulado no colo da menina. Parecia bem assustada com aquela situação toda… não é muito frequente um humano passar tão perto de virar o lanche de alguém, então não posso julgá-la por não estar sabendo reagir a isso. - Kath, pode cuidar dela por um minutinho, por favor? Vai ser rápido. E Rozen, eu tenho uma coisinha aqui pra você. Não ajudou muito o Sandile, mas vai que... - Eu não estava colocando tanta fé nesse Power Anklet, todavia, estaríamos enfrentando um oponente totalmente desconhecido para nós e toda ajuda era bem-vinda. Após equipar o item no Ivysaur, virei-me de volta para a caçadora, abrindo um sorriso meio cínico para ela. - Tenta engolir isso… Rozen, Grassy Terrain, e depois pegue ela com seu Giga Drain!  

Considerando a audácia daquela cobra em tentar devorar Yoshiro, eu estava esperando que ela fosse uma oponente um pouco mais… ameaçadora. Como exatamente ela esperava abocanhar a Mudkip e depois sair dali viva, se um único Giga Drain deixou-a perto de um nocaute? Era algo que eu não conseguia entender, e o comentário de Kathryne sobre a natureza do réptil só me deixou mais intrigado.

- Ei, espere aí… você é de terra? E estava tentando caçar um aquático? - Cruzei os braços, olhando a caçadora na mais pura descrença. - Você tem noção do perigo que correu, colega? A Yoshiro é molenga mesmo, mas um Waterfall meu te jogaria daqui até a enseada. Dá próxima vez que for caçar alguém, tente pelo menos escolher uma presa que você dê conta de enfrentar. - Enquanto eu tagarelava, ainda em tom emburrado, Rozen lançou-me um olhar bastante confuso. Ah é, esqueci que ele ainda não sabe sobre o que Jirachi aprontou conosco… Atsui percebeu a mudança sem termos tido que dizer nada, mas parece que nem todos os meus colegas teriam a mesma sensibilidade. - Eu te explico tudo depois, relaxe. Agora, que tal você terminar isso logo com um Leaf Storm? Se errar o primeiro, tente de novo.

Certo, talvez eu tenha exagerado um pouco… não havia a mínima necessidade de recorrermos a um ataque tão forte, um mero Giga Drain seria suficiente para encerrar aquilo. No entanto, eu ainda estava irritado demais para me preocupar com aquilo. Se Eldritch não tivesse nos avisado… pensar no que teria acontecido com a Yo já era o bastante pra me fazer tremer de raiva. Os últimos que ameaçaram a vida daquela pirralha saíram totalmente impunes. Eu não iria deixar isso acontecer de novo. Nunca mais.

- Ivy… saur? - Por sinal, meu comando desconcertou ainda mais o Ivysaur, que agora encarava-me um pouco assustado. Nossa treinadora não tem um estilo de luta tão agressivo, ela evita ao máximo causar mais dano que o necessário. Para o azar dessa cobra, eu não sou a Yoshiro.

- Faça. Ela podia ter matado a nossa humana. - Vi Rozen engolir em seco, mas ele por fim assentiu. Sempre foi um Pokémon muito obediente, além de ser sensato o bastante para saber que aquele não era o momento certo para me exigir respostas. Quando o tipo grama começou a carregar seu ataque, tirei da bolsa uma Pokébola vazia e preparei-me para lançá-la. Por mais indignado que estivesse, beeeeem no fundo eu sabia que a caçadora não tinha culpa. Ela estava com fome, e Yoshiro estava com a guarda baixa. Eu não poderia deixá-la jogada à própria sorte depois dessa luta.

Permiti-me olhar para trás, conferindo uma última vez como as duas meninas estavam. Yoshiro parecia mais tranquila, sua respiração aos poucos voltava ao ritmo normal. Para a minha sorte, minha dona era alguém muito fácil de distrair, e parecia mais concentrada nos mimos que recebia de Kathryne do que na batalha em si. Não pude deixar de me sentir grato por isso - sei bem que a anfíbia não aprovaria minha atitude.

- Quando isso terminar, podemos ir logo para a próxima rota? Já ficamos um bom tempo aqui, daqui a pouco os Pokémons que estamos seguindo vão ter se afastado demais. - Embora o comentário tenha sido direcionado a Kathryne, Yoshiro foi a primeira que confirmou, quase implorando com os olhos para sair dali. Algo me diz que ela não vai querer pisar em uma pradaria de novo tão cedo….

É impressionante como o mundo gira… em um dia você é uma patricinha acostumada a ter tudo o que quer na mão, no outro é um anfíbio que por pouco escapou de virar petisco. Quando escolheu virar uma treinadora, aposto que esse tipo de reviravolta não estava na descrição da carreira, não é, Yoshiro? No seu lugar, eu pediria reembolso. Ou pelo menos um seguro de vida. Será que essa opção sequer existe? Não faço ideia… então acho que sobrou pra mim garantir que essa garota sobreviva. É claro, sempre sobra.

Não vou reclamar, eu me importo com ela, de verdade. No início, admito que só cuidava dessa menina por obrigação - perder seu humano logo no começo de jornada é bem humilhante para um Pokémon, e eu preferia me poupar desse vexame. Com o tempo, contudo, realmente me apeguei a ela. Ora, acho que o jeito que eu perdi a cabeça com essa cobra deve ter provado o quanto essa pirralhinha significa pra mim, né? Não sei se Rozen reparou nisso, mas Kathryne definitivamente percebeu. A fala da especialista em psíquicos fez minhas bochechas arderem de vergonha, e eu não precisava de espelho nenhum pra saber que estavam vermelhas.

- Eu… entendi, sim. Obrigado, eu acho. - Levei uma mão à nuca e deixei escapar um riso envergonhado, evitando olhar diretamente para a loira. Fiquei feliz pela colocação dela, mas algo me diz que Yoshiro não vai ficar tão contente assim pelas minhas atitudes… sendo honesto, aposto que estou encrencado. Mas não me arrependo nem um pouco. Aliás, faria de novo com um sorriso no rosto. - Sabe, sorte que meus colegas não são muito treinados… a maioria deles só lutou uma ou duas vezes na vida. Se fosse o seu Alakazam, aí sim eu poderia ficar com pena de quem mexeu contigo. Com certeza não ia sobrar nem traço pra contar a história.

E com essa pacífica declaração, lancei a Pokébola sobre a já nocauteada cobra. Logo após, Rozen veio andando para a minha frente e sentou-se sobre as patas traseiras, seus olhos carmesim deixavam bem claro que eu não iria a lugar nenhum até dar as devidas explicações. Deu um pouco de trabalho, porém consegui atualizá-lo sobre os recentes acontecimentos, e foi até engraçado ver como queixo dele caía um pouco mais a cada vez que a história tomava um rumo absurdo. Seu olhar alternava-se entre mim e Yoshiro com tanta insistência que ele deve ter ficado tonto.

- Sei que é muita coisa, mas deu para entender? - O Ivysaur assentiu, embora ainda estivesse meio desnorteado com a quantidade de informações. Não é todo dia que sua treinadora vira um Pokémon. Com isso resolvido, andei até Kathryne e Yoshiro. Eu já sabia que a mais nova não estaria muito feliz comigo. O que eu não esperava é que ela fosse me dar uma cabeçada assim que cheguei perto o bastante. - A-ai! Sua pirralha, o que deu em você!?

Ela apontou para onde a Pokébola da caçadora estava caída e lançou-me um olhar emburrado, como quem diz “preciso mesmo responder?”. - Ok, talvez eu tenha exagerado um pouquinho… - A anfíbia estreitou os olhos pra mim, e eu me senti obrigado a corrigir a frase. - Tá bom, mais do que um pouquinho… mas foi merecido. Olha o que ela tentou fazer contigo, Yo! A gente ia te perder pra sempre. - Pela primeira vez o cenho da Mudkip se suavizou e ela baixou o olhar, lembrando-se de que tinha corrido um risco bem real. Aproveitei que ela estava mais calma para pegá-la de volta nos braços, lançando um olhar grato a Kathryne por ter tomado conta dela. - Agora deixe de mau humor, eu só fiz o meu trabalho e nós ainda temos muito o que fazer hoje.

Ah sim… ainda precisamos chegar à próxima rota e procurar pelos sobreviventes do naufrágio. Rozen preferiu nos acompanhar fora da Pokébola, para esticar um pouco as patas e talvez se adaptar à nossa nova e confusa situação. E falando em adaptar… a minha dona realmente precisa entender que ela é um Pokémon aquático agora. Tem literalmente zero motivos para temer a água, e mesmo assim firmou suas patas no meu ombro com todas as forças quando começamos a andar sobre as plataformas de madeira da Rota 10, olhando com receio para o mar sob os nossos pés.

- Kath, vamos olhar aqueles bancos de areia ali, que tal? Parecem bons lugares para um Pokémon se abrigar. - Foi isso que eu disse, mas o que pensei estava mais próximo de “eu tenho comigo o único Mudkip no mundo com medo do mar, então vamos tirá-la dessas tábuas antes que ela tenha um treco, por favor”. Na areia ela provavelmente vai se sentir mais segura… eu espero.