#004 - Sentimento

Vincent no final cedia ao pedido de Julian e subia as escadas para o quarto da mulher. Conforme chegavam mais perto, a música ficava mais alta e, por ser uma dramática, dava um clima tenso para o corredor médio cheio de portas fechadas. Porém, o sobrinho sabia exatamente onde ir, abrindo com cuidado a última porta do corredor, que rangeu alto.

Do outro lado, uma mulher estava na ponta dos pés, parecia tentar praticar a dança, porém logo que viu o garotinho na porta, esticou os braços. Julian entregou a bandeja para o especialista e correu para dar um enorme abraço na tia. Quando ele colocou as mãos em volta da barriga da mulher, ela se contorceu um pouco, parecia desconfortável, mas não ousou reclamar. Em seguida, chorou.

- Julian, o que está fazendo aqui? - questionou, abaixando o volume da música.
- Você não respondia minhas ligações, decidi vir. Além disso, eu trouxe visita - continuou, apontando para o garoto na porta. - Ele fez um prato pra você, de Galar! Você já foi pra lá?
- Não, ainda não tive a honra. Porém, agradeço que tenham trazido a culinária para mim - disse, caminhando até a cama e se sentando. - Mas, como se conheceram?
- Achei que era o namorado do papai, mas é o entregador de flores
- Ah sim, entendo. Pois então você deve estar ocupado com seu trabalho. Agradeço pelo que fez e espero um dia poder retribuí-lo - disse a mulher, que tinha um olhar sereno e sincero.

Por mais estranho que pudesse ser, Vincent mais uma vez podia ver as auras, mas estava a quilômetros de distância de Gardevoir, o que seria aquilo? De qualquer forma, a dupla familiar estava envolta numa profunda aura rosa. Em seguida, um homem que parecia a perfeita versão mais velha de Julian surgia, olhava confuso para Vincent, mas ao travar os olhos na irmã e no filho conversando, ficou em silêncio. Tudo parecia resolvido então o caminho estava livre para o retorno para a van.

- Então, como foi? - questionou Eudora, com um sorriso de expectativa no rosto.

- Ora, não se preocupe com isso. O importante é que se divertiu na medida do possível. Agora que você comentou, eu fiquei sabendo que o entregador da Vovó tinha um novo encontro, mas não imaginei que já estava sério - comentou, começando a dirigir. - Além disso, eu passei os últimos minutos tentando ligar para a Vovó e convencer ela que faltava informação da última entrega. Porém ela disse que tudo estava como deveria, então acho que não temos saída não é?

O local da entrega não era muito longe, no máximo três quarteirões dali, porém o estranho era que se tratava de um local público: uma praça. Eudora dava mais uma olhada na papelada e respirava fundo.

- Bom, é isso. Aqui só diz um endereço. Sem nome, sem especificação, sem nada mais - disse ela. - Não estou parada num local permitido, então vou caçar vagas por ai. Você se saiu muito bem da última vez, então... acha que consegue usar suas auras para encontrar o dono dessa flor ai? - questionou, entregando o buquê de flores brancas. - Se quer saber, segundo o livro de sentimentos da minha avó, o branco significa paz ou conforto. Boa sorte

Deixado por conta para descobrir o misterioso da praça, o garoto só tinha mais problemas ao encontra-la lotada: aparentemente estava acontecendo uma excursão da pré-escola, pois havia muitas crianças uniformizadas e pequenas correndo para lá e pra cá, sob a supervisão de três adultos. Além disso, havia uma dupla de idosos jogando xadrez embaixo de uma árvore e, alguns metros longe deles, uma jovem num mini piquenique lendo um livro.

Vincent decidia que iria explorar suas "novas capacidades", se é que poderiam ser chamadas assim. Fechando os olhos, o mundo se tornava escuro, porém não durava tanto tempo. As auras de verde a amarelo das crianças se misturavam, demonstrando que estavam bem animadas e contentes por estarem num local diferente. Nos idosos, havia uma aura roxa, porém o que mais se denotava é que suas auras pareciam estar numa posição tão reflexiva quanto eles antes de fazerem cada jogada. Por fim, a jovem do livro exalava uma pura aura rosa, mostrando que talvez seu livro fosse um lindo romance.

No final, o garoto poderia focar enfim na aura dos três professores que, embora tivessem um sorriso animado por fora, estavam envoltos numa aura cinza que parecia se arrastar ao lado deles, extremamente cansada. Com todo aquele cenário de cores e sensações, como o especialista reagiria as informações que chegavam?

Vincent decidia questionar aos professores se sabiam de algo sobre as flores, o que fazia todos se reunirem ao notarem que se aproximavam das crianças. Apesar do especialista ter uma aparência amigável, todo cuidado era pouco. A mais velha de todos eles se aproximava, dizendo não fazer ideia de quem solicitaria flores, já que todos os demais confirmaram não serem eles os responsáveis.

Por sorte, daquela posição em que o garoto estava e agora de olhos abertos, ele podia ver uma aura negra passar entre alguns arbustos. Certamente ela não tinha o formato humano, como era padrão, o que poderia até arrepiar o especialista. De qualquer forma, era mais uma aura que se manifestava, então o que ele faria em seguida?

Seguindo a sombra negra, embora receoso, o garoto invadia o gramado da praça que era coberto por arbustos altos. Durante a passagem, ele escutou um choro contido, o qual se revelou na imagem de uma menina, uniformizada igual aos demais, na frente de um lote irregular.

A aura negra que guiou o garoto desceu na terra e desapareceu completamente. Talvez não tivesse muito a ser dito: havia um buraco tapado e uma criança chorando. Ela viu o surgimento do outro, mas não disse nada, apenas escondeu o rosto nas mãos.