(021) — Midnight Rain

O humor de Kyle só mudou quando Kariinna chamou sua pokémon de sádica. Veja bem, essa ofensa não mudou-o aos poucos, recompondo a consciência, mas por completo.
- Ela não é sádica - Falou, em tom incisivo. Nem parecia que estava rindo minutos atrás. Depois disso, levou alguns segundo para retomar a compostura e entender que não havia explicado nada do que pôde ter acontecido ali - Esse cara só se... matou? - Olhou para a Jacaroa com um pouco de desdém. Seu desdém era mais atribuído ao corpo que estava por baixo dela - Angela tem problemas sérios com sonambulismo. Desde nova ela tem distúrbio de comer dormindo. Ela já comeu cadeira, sofá, geladeira, parede... enfim, tudo.

Sua fala era pausada, mas não por necessidades fisiológicas ou discursivas; ele parava de falar de quando-em-quando para aplicar o Full Heal na pokémon, que aos poucos ia abrindo os olhos bem devagar.
- Nunca vi ela comer gente, pra ser sincero. Já haviam me alertado da possibilidade dela me machucar se dormíssemos juntos, então eu tinha alguns cuidados necessários... - Antes de abrir completamente os olhos, a pokémon rolou um pouquinho, virando de barriga para cima e se espreguiçando, como um gato-mimado. Kyle passou a mão em sua barriga - Ele basicamente se matou fazendo isso... - Seu dedo apontara para o corpo estirado no chão. Agora que Angela saíra de cima dele, era possível ver melhor alguns detalhes.

Deixarei a morbidez para depois. O mais importante é que o sujeito tinha, bem ao lado do corpo, ampolas amarronzadas e quebradas, com alguma etiqueta de medicamento. Tinha também uma seringa amassada junto ao seu braço na altura da cintura, uma bolsa preta muito semelhante ao que Kyle trajava antes de ser furtado. Sem pensar duas vezes o moreno pegou-a com um só puxão, abrindo o apetrecho enxarcado de sangue e contando as esferas:
- Todas aqui! - Disse, alegremente. O ato fez o moletom de Karinna se manchar se sangue, mas ele não parecia se importar demais. Depois disso, voltou a caminhar até sua pokémon e começou a responder sua amiga de forma mais pragmática - Ah, devem sentir. Talvez depois de dois ou três meses. Essa galera que vive nômade igual a gente não faz muita diferença se morrer. Pelo menos pra mim, só achariam que eu troquei de celular e sumi mesmo, que é o que eu normalmente faço... - Deu uma suspirada, amarrou a bolsa no seu próprio corpo e prosseguiu - Mas por via das dúvidas, vou alertar o chefe do que aconteceu. Se ele achar devido, ele limpa essa merda.

A essa hora do campeonato, Kyle já estava muito mais leve do que antes. Não era para menos, não é?! O alívio de encontrar seus pokémons fora tão grande que ele se encontrava agachado e fazendo "baby talk" com uma Skeledirge assassina de dois metros:
- Você salvou todo mundo, num foi bebê? - Passou a mão por baixo do papo dela, fazendo cócegas. Ela riu - Que que seria de mim sem você, em? em? - Angela fez que "nada" com os ombros e Kyle riu. Depois disso, ele virou-se para Karinna e as aprensentou - Aqui meu amor, essa é a Karinna, lembra que eu te falei dela?

Enfim, a conversa poderia prosseguiir pelo caminho que fosse, mas certamente acabaria de um mesmo jeito:
- Cara, quer comer aquela lasanha? - A pergunta foi um pouco idiota, mas ele precisava a fazer - Eu vou tomar um banho no andar de baixo. Depois disso a gente só vai embora e pronto... eu tenho quase certeza que aquele colar ta na mochila dele, ou na mala. Deve ta num dos quartos daqui.

PROGRESSO:

Ao esticar o braço para Angela, a primeira coisa que a pokémon fez foi levantar a carona para receber carinho debaixo do papo. IGUALZINHO UM GATO MANHOSO. Ela era muito mimadinha, meu deus. Salvo isso, importa dizer a resposta de Kyle à Bley.

- O colar é mais um medalhão. Você vai ver, ele parece uma moeda, só que grande e grossa. Tem umas correntinhas de ouro branco presas na corrente de ouro principal. A corrente é muito fininha em comparação ao pingente... você vai identificar fácil, porque é bem destoante - Gesticulava com a mão mais ou menos o tamanho e finura das coisas. Não sei se Karinna entendeu bem, mas ele tinha mais algum pedido - Cara, se você achar a mala dele, tem como me trazer uma roupa limpa para eu me trocar? Acho que esse moletom já deu o que tinha que dar, em?!

Ele não queria ofender, mas essa frase podia ter várias interpretações. Rezava para que Karinna pegasse a mais óbvia: ele estava sujo demais de sangue para que pudesse ser utilizado na rua. Além disso, fora aqui que Kyle percebeu uma coisa muito mais importante; só ele estava completamente sujo de sangue. Karinna, apesar dos chinelos-desleixados terem levantado uns respingos em sua perna, não tinha nenhum tipo de sujeito no restante do corpo.

Além das caspas, né?! Mas isso não conta hihihihi.

Só que isso lhe alertou para a forma como Angela estava suja, afinal de contas, fora ela que mais o sujou. Por isso, desceram juntos. Ele ia ao banheiro enquanto a jacaroa chamava Ivy e Altaria para acompanhá-la na piscina. Tomaria um belo banho, deixando a água clorada bem vermelhinha, tirando de si aquele vinho-tinto-ferroso que adquiriu. Ali, as três conversaram um bocado, no linguajar deles. Ângela as chamou para a piscina, contou algumas história de Kyle e revelou que já sabia quem era Karinna pelas 'fofocas' que ouviu de seus amigos. Contou um pouco dos outros pokémons que vive consigo e disse como foi resgatada pelo seu treinador.

Enquanto isso, a lasanha ia no forno de Karinna futucava aqui e ali. Atravessando as poças de sangue e membros destroçados, ela chegava em quartos limpos e encontrava o que tinha que encontrar: uma mala trancada.

Uma vez eu tranquei uma mala e perdi a chave do cadeado. Meu irmão me ensinou que algo com fechecler nunca é realmente seguro. Sempre é possível arrombar com qualquer grampo, alfinete ou lapiseira; sendo assim, quando finalmente abrisse aquele troço, encontraria o que "precisava", ou seja, um bocado de roupas e um porta joia fudido, de pano.

Ali, haveria um pesado medalhão e um cordãozinho de coração que abria, em prata. Além disso, grandes quantidades de dinheiro que Karinna não podia pegar se não perderia o Item de Dungeon tinham consigo um código rastreador. Não era tanto dinheiro assim, provavelmente o resto das coisas que penhorava estavam em algum contêiner no porto mesmo, guardando consigo só "o de hoje".

Logo mais a lasanha estaria pronta e as três répteis (? ou seriam duas dragoas e uma dragoa darwiniana? Ou um pássaro e dois répteis? Ou duas aves e um crocodilo? Não sei) estariam bonitinhas sentadas na frente das mesinhas da piscina, esperando a comida.

Você achou que Angela tava sem fome, né? Pois achou errado. Deveriam ter comprado duas lasanhas, isso sim.

PROGRESSO:

Quando tudo começou a dar certo, Karinna pôde sentir que aquele era o "fim do dia". Sabe? Quando você pode, finalmente, sentar e comer? Nem sequer parecia o mesmo dia da manhã; não havia uma depressão imensa lhe segurando as pernas. O que havia em suas panturrilhas era fadiga de cansaço. Cansaço físico. Não havia, em hipótese alguma, preguiça ou desânimo. Suas questões, no fim desse dia, eram outras.

Imagina se tivesse ficado no quarto o dia todo, não é?! Quer dizer, não sei lhe dizer se o saldo foi mais positivo do que negativo, mas certamente lhe fora algo muito diferente do grande e imenso mar-depressivo que ela mergulhou.

Agora, numa mesa já bem caricata, com três pokémons e um casal de humanos, todos comiam uma lasanha congelada de procedência duvidosa, que passou por vários processos duvidosos e vivenciou toda aquela invasão com o grupo. Seria trágico, se não fosse cômico.

Além do mais, reforço aqui ao dizer que, quando Karinna puxou o medalhão do porta-joias fudido, trouxe consigo o colar de prata que lhe disse mais cedo. Ele certamente não valia muito; talvez nem de prata fosse de fato, mas ele insistiu em ir. Quando objetos demonstram sentimentos, não aconselho ignorá-los, não é?!

No fim, depois de um almoço minimamente calculado que não encheu o bucho de ninguém mas alimentou suficientemente bem, Kyle jogou os braços para trás, deu um suspiro de "finalmente paz" e deixou que a cabeça caísse para trás da cadeira.
- To tão cansado que nem aguento mergulhar nessa piscina... - Levantou a cabeça e logo olhou para Angela - Quer dizer, se você não tivesse enchido tudo de sangue.

A jacaroa parou um pouco, olhou-o e pediu desculpas com o olhar. Não que ele a culpasse, mas ela ainda preferia não ter causado esse tipo de transtorno.
- Bleh, é culpa minha. Ta tudo bem... - Afinal, foi ele quem perdeu os pokémons - Karinna, que isso? - Perguntou, apontando para o cordão, que estava em algum lugar visível junto do medalhão, agarrado.

PROGRESSO:

Sempre é agradável ouvir que você melhorou o dia de alguém. Com Kyle, não era diferente, muito menos quando quem proclamava tal elogio era sua querida Karinna. "Sua"... o termozinho inadequado, não é?! Mas deixe-o ai para os românticos de plantão. Agora, já alimentados e entendidos, o dia não demoraria muito para terminar. O que restava era cansaço, risadas e uma dúvida:
- Hmm, não parece ser valioso não - Disse, dando de ombros ao mesmo tempo que Karinna, quase em ritmo - Mas é uma ótima recordação, né?! Passa pra cá!

Ele tirou do cu do estojo de outrora um canivete e ergueu a mão, pedindo para que sua amiga lhe dê o item.

PROGRESSO:

Sabe quando você se concentra tanto em algo que não consegue falar nada? Não quero dizer que Kyle não estava prestando atenção nas rezas de Karinna, mas ele estava muito mais concentrado em outro ato: em estragar o pingente.

Pegou o canivete e no dorso do coração, riscou um K em maiúsculo, até com certa perfeição. Digo "certa perfeição" pois não há perfeição em estragos feitos com canivete, mas aquele arranhão estava um bocado reto e liso. Foi bem feito.

Feito isso, devolveu o colar para Karinna e perguntou se ela queria colocar no pescoço. Depois disso, retornou a pergunta dela, "pagando de doido", já que fazia quase três minutos inteiros que ela havia perguntado sobre seu paradeiro, então apenas retornou um hiato esquisito:
- Ah, eu daqui vou direto para Fortree. Só durmo quando chegar e resolver essa merda - Levantou o Medalhão para o campo de visão de todos - Inclusive... a gente ta brincando com a sorte ficando aqui a tarde toda, né? É bom a gente já ir se encaminhando. Tu vai fazer o quê agora?

PROGRESSO: