Arco 02 - Recomeço - Capítulo 1 - Acertando Contas

Respirava pela boca, tentando recuperar o fôlego. Meu celular havia caído no chão no caminho, mas não havia problema, os únicos contatos que eu tinha eram meu tio e um ou outro membro da corporação que não tinha muita importância. O celular não estava no meu nome e não tinha informações úteis, então mesmo que a polícia pegasse meu celular, iriam encontrar informações totalmente inúteis.

Acho que aquela era a regra básica. Ser discreto. Eu poderia voltar para pegá-lo, mas iria correr um risco enorme, mesmo que eu não estivesse muito longe de onde imaginava que ele havia caído, já que eu havia dado voltas para despistar qualquer um que pudesse estar me seguindo. Se eu estivesse certo, ele estaria rente ao meio-fio da calçada de uma via paralela que eu havia pego para chegar aqui.

Quando pensei nisso, Pachirisu me veio à cabeça. Ele era rápido, esperto, amigável e mesmo assim conseguia enganar as pessoas muito bem, como já havia provado em momentos anteriores. Fiquei tentado a manda-lo lá, mas desisti da ideia. Não iria deixar Pachirisu solto por ai em uma noite como aquela.

Mal terminei de pensar essas coisas e Elgyem apareceu, destruindo os galhos à minha frente, permitindo que eu o visse. Em minha cabeça pude ouvir sua voz e não sabia dizer se ele sentia dor ou raiva me perguntando por que eu sempre mentia. Estava pronto para contestar, mas eu não tinha argumentos para isso. Ele estava certo. Eu sempre mentia. A única vez desde que nos encontramos que eu não menti foi quando disse querer ajudá-lo, e até mesmo para isso eu tive que mentir para uma Rocket superior. Winter Summers...

– Essa foi a vida que escolheram para mim. – Falei quase em um sussurro. – Desde pequeno eu fui moldado para isso. Quando fingiram matar minha irmã, eu fiquei com raiva dos Rockets e jurei que iria acabar com eles, mas quando cheguei em Viridian e me deparei com um membro cientista da corporação, eu entendi tudo. Minha irmã não tinha morrido, ela tinha se tornado uma Rocket, e a única maneira de encontrá-la era me tornando um.

Enquanto ia falando, as memórias das coisas que eu havia vivido desde então começaram a voltar e nem percebi quando fui levantado do galho pela telepatia de Elgyem.

– A maioria deles é cruel, e eu tenho que fingir ser também. Principalmente quando estou com algum outro membro da corporação perto de mim. Por isso estava fingindo lutar com você na Rota 2, por isso falava aquelas coisas para Winter. Ela precisava pensar que eu estava com ela.

Fiz uma pausa, pois uma lágrima escorreu do meu olho, e dessa vez era uma lágrima sincera, pois eu sabia que Winter era minha irmã, Clove, mesmo que ela não admitisse isso.

– Não é uma vida fácil, sabe? Eu tenho que ficar me escondendo o tempo todo, fugir da polícia e dos Rangers que ficam patrulhando toda a região, tenho que ser cauteloso para não ser pego e tenho que estar atento para ter certeza que ninguém, seja civil, Rocket ou membro da polícia/Ranger me encontre em um momento como esse. A mentira é a forma mais fácil de escapar desses problemas. Mentindo para todos eu posso me livrar de problemas com a polícia, posso concluir missões com sucesso – dito isso, pensei na cientista de quem havia pego algumas informações importantes em uma missão. Havia prometido para ela segurança e, se Giovanni realmente quisesse manter o acordo com meus pais, ele iria mantê-la segura. Ela era uma pessoa boa e eu havia feito algo de bom para ela, mesmo que isso tenha envolvido algumas ligações e alguns milhões de Pokédolars dos meus pais – e principalmente, eu posso ficar perto da minha irmã de novo.

Quando terminei de contar o que acontecera comigo – o que eram muitas coisas, mesmo sendo tão resumido como fizera – senti a gravidade me puxando para baixo e, com um susto, bati as costas em um galho, o mesmo galho em que eu acreditava estar apoiado, caindo mais uma vez. Aquela noite estava sendo dolorosa, mas a chuva ajudava a anestesiar a dor.

Dei graças aos deuses por ter treinado tanto meu corpo desde pequeno, com aulas de ginástica e artes marciais. Mesmo não praticando há algum tempo, minha resistência havia aumentado e imaginava que era exatamente por isso que eu ainda não havia desmaiado de tanta dor ou ficado paralisado por tantas vezes que havia batido as costas em algumas horas.

Mal me recuperei da queda e senti algo no meu peito, e depois descendo pelos meus joelhos. Era meu celular. Estava em boas condições, apesar de riscos e amassados, mas não importava mais, eu iria trocá-lo por um novo assim que eu pudesse. Meus pais sendo quem eram, não seria difícil conseguir isso.

Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, enquanto eu pegava meu celular e o guardava, ouvi Elgyem falando que estava confuso. Soltei um riso de escarnio que mais parecia um bufo e disse:

– Me surpreenderia se não estivesse. É o peso que eu tenho que carregar. Fingir que gosto de tudo só pra reencontrar minha irmã. Espero subir logo de nível. Quando eu atingir um determinado nível na corporação, eu vou poder trabalhar como agente secreto, e isso significa que eu vou poder voltar a participar dos torneios e até mesmo vou poder batalhar nos ginásios.

Parei e fiquei encarando a cidade. Era uma bela visão, mesmo naquela tempestade. Sorri ao vê-la e lembrei-me do que havia vindo fazer aqui.

– Elgyem, quando eu te soltei, eu disse que queria te explicar tudo isso. E eu acabei de fazer. Você poderia me acompanhar, me ajudar a encontrar minha irmã na corporação e batalhar comigo nos ginásios e torneios assim que eu puder fazer isso. Eu não te capturei, mas decidi te dar a chance de escolha. Se eu tivesse te deixado naquela rota, alguém com certeza iria encontrar você e não ia pensar em te ajudar. Você nunca me disse o que queria, mas eu disse que ia te ajudar. Me diga o que você quer e eu tentarei te ajudar.

Quando o pequeno Pokémon diz o que quer, depois de muito tempo juntos, deixo a chuva cair sobre mim com um sorriso no rosto. Respirei fundo, sentindo o ar puro que vinha da Rota 2, onde tudo aquilo havia começado.

– Isso não é difícil, sabe? Sempre gostei muito de Pokémon, eles sempre foram legais comigo. Se você ficar ao meu lado, vamos ser uma ótima dupla. Seremos bons amigos. O que me diz? Meu amor seria o bastante?

Sabia que não seria tão fácil assim, Elgyem parecia que não confiaria em mim tão fácil, mas não seria um problema. Elgyem seria verdadeiramente meu se aceitasse, e eu faria de tudo pra mostrar que fez a escolha certa.

Senti as expressões de Elgyem e me preparei para o pior, mas quando menos esperava, o pequeno Pokémon me abraçou. Fiquei em choque por alguns segundos, então sorri e comecei a acariciá-lo, tentando consolá-lo, fosse o que fosse que ele sentisse.

Fiquei assim algum tempo, sentindo a chuva sob a árvore até que me dei por satisfeito e peguei o pequeno Pokémon em meus braços, erguendo-o até ficar na altura de meus olhos.

– Então, pequeno: Que tal treinarmos um pouco? As coisas já devem ter se acalmado na cidade a essa hora. Ninguém vai estar nos perseguindo.