Arco 02 - Recomeço - Capítulo 1 - Acertando Contas

Após retornar à Pewter depois de uma rápida passagem por Celadon, decido que é hora de acertar as contas com Elgyem, mas o sol estava nascendo e era perigoso para eu sair, portanto, aguardei pacientemente até que escurecesse novamente e a lua iluminasse o céu noturno.

Quando isso aconteceu, sai do meu esconderijo arranjado em um dos cantos pouco movimentados da cidade e comecei a explorar o local, tendo muito cuidado para não ser visto ou ouvido por nenhum habitante de Pewter.

Assim que encontrei um ponto da cidade mais vazio, onde as casas eram mais separadas umas das outras e havia espaço o bastante para que eu treinasse à vontade sem ser incomodado, com a luz da lua me banhando, pego a Rocket Ball mais recente e a lanço, liberando Elgyem, tínhamos muito o que conversar e eu precisava acertar as contas com ele logo.

Fiquei em silêncio, olhando para ele, enquanto ele olhava para a minha figura em meu uniforme roxo.

De qualquer forma, a minha intenção era acertar as contas com Elgyem e decidir o que iria fazer. Sabia que o Pokémon era muito valioso, mas se fosse seu desejo, eu o libertaria, afinal a minha intenção sempre foi ajudar o pequeno Pokémon, e não capturá-lo. Mas se ele decidisse me acompanhar, aquele era um bom momento para um treino livre.

O Pokémon olhava para mim, sem se mover, apenas flutuando acima do chão olhando diretamente para mim. Ele não tinha expressões faciais, mas se tivesse, eu sabia que seria algo como ódio, tristeza e talvez dor, tudo isso levado pelo sentimento de traição, e isso me deixava triste pelo Pokémon.

- Eu queria explicar tudo que aconteceu - falei quase em um sussurro, com a cabeça baixa, passando os dedos nos cabelos prateados. - E quero que você saiba que não fui eu quem te capturou, foi Winter - a Rocket. Mas ela me deu a escolha de ficar com você ou deixá-lo no meio da Rota 2 dentro de uma Rocket Ball para qualquer um ver. Eu só escolhi ficar com você para poder explicar tudo. - Fiz uma pausa, Elgyem podia ler minha mente e isso era claro, portanto, ele saberia se eu estivesse mentindo sobre algo, mas eu não iria mentir para ele. - Pouco depois que você adormeceu, Winter se libertou e usou o Haunter dela para vencer a batalha e te capturou com uma das minhas Rocket Balls, eu não podia fazer nada para impedir, o Haunter dela foi muito rápido. Então, como você estava fraco, adormecido e paralisado, eu achei melhor mantê-lo comigo antes de te dar a escolha.

Mais uma pausa. As nuvens que pairavam no céu escuro encobriram a lua, deixando o beco quase completamente escuro, a única luz vinha do corpo de Elgyem, das pequenas pedras coloridas que constituíam seus dedos e olhos.

Eu não estava com medo, mas o modo que Elgyem agia era diferente de antes. Claro que ele estava irritado, mas eu não pensei que ele agiria de tal maneira e isso me deixava um pouco receoso.

Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, fui jogado contra uma parede e caí no chão com as costas doloridas e a visão turva, quase sem forças, sustentando-me sobre um braço e os joelhos.

Observei-o usar seus poderes, com certa dificuldade e arfando. O céu acima de nós começava a ficar tempestuoso e, apesar de isso parecer uma coisa ruim, eu consegui esboçar um sorriso. Eu adorava a chuva, mas quando Elgyem começou a juntar as latas de lixo ao meu redor comecei a ficar nervoso, com medo de que algo pudesse acontecer.

– Você sabe que eu não estou mentindo. – Falei com dificuldade, certo de que ele podia ler minha mente. – Ou você ficava a mercê de qualquer um, ou eu te trazia comigo e te dava essa chance de te explicar. Cruzei um continente inteiro só pra fazer isso e voltei.

Lentamente, minha visão voltava ao normal. As luzes dos relâmpagos que apareciam no céu a cada poucos segundos iluminavam macabramente o ambiente e Elgyem parecia um tirano acima de mim, mas eu sabia que ele não era assim de verdade, só estava irritado e eu iria fazê-lo enxergar a verdade mais cedo ou mais tarde.

Assim que a chuva começou, fechei os olhos por um instante, tentando me acalmar. Era inútil, ele não me ouvia e eu sabia que não havia muito o que fazer. Ele simplesmente não escutava a voz da razão. Foi quando aconteceu. Uma sirene soou ao longe e meu coração começou a bater acelerado.

"Droga... A polícia...", pensei, mas então percebi. Não era a sirene da polícia, era diferente. Mais longa e aguda. E eu não fazia ideia do que era.

Estava preparado para recolher Elgyem de volta à Rocket Ball quando avistei a viatura. Antes que o policial pudesse sair do carro, travei todas as minhas Rocket Ball, deixando-as ligeiramente menores que bolas de golfe e as guardei em um compartimento secreto na parte de trás do cinto. Nesse momento, percebi que estava com meu uniforme da corporação.

O desespero tomou conta de mim quando o guarda saiu da viatura, apontando uma arma para mim. Minha respiração ficou descompensada e comecei a sentir o suor escorrer pela minha testa. Meus olhos estavam esbugalhados e meu coração batia forte.

"Tomara que minha atuação seja convincente...", pensei, correndo na direção do policial e agarrando-me às suas pernas, jogando-me de joelhos no chão.

Lágrimas escorriam no meu rosto que ostentava a face do medo. Olhei para cima como se estivesse implorando por algo e comecei a fala, engasgando e gaguejando um pouco.

- Sr. Policial... M-m-me aju-jude, pOr favOR! - Olhei para Elgyem com medo e voltei a encarar o policial. - Eu... Eu tava numa festa à fantasia e vim pra cá pra cortar caminho pra ir pra minha casa, em Vermilion...

Se eu conseguisse ser suficientemente convincente, o policial iria me levar até a delegacia e entraria em contato com meu tio que morava em Vermilion. Quando eu me mudei após a suposta morte da minha irmã, ele cuidou de mim até eu completar 16 anos. Tudo estava à meu favor. A mentira poderia ser encoberta, meu tio sabia dos planos dos meus pais de me fazer um Rocket e o fato de eu ter exigido um uniforme roxo ao invés de o tradicional preto também ajudava. E também havia o túnel que ligava Vermilion à Pewter, por onde eu acabei chegando em Pallet para conseguir meu primeiro Pokémon.

- E-e-eu tava tentando andar rápido por causa que tem o toque de recolher...

"Como eu odeio ter que falar errado", pensei. Mas se eu estivesse me passando por um garoto normal de 17 anos, eu teria que fazer esse esforço.

- Mas esse Pokémon estranho me atacou... Ele deve tá perdido, eu nunca vi ele antes? Me ajuda, por favor!

"Elgyem... Se você não quer acreditar em mim, eu vou pelo menos te dar uma chance de ter outro treinador... Se ele tentar te capturar, eu quebro a Rocket Ball imediatamente e você vai ficar livre pra ir com ele...", pensei para mim mesmo, como uma prece. Ainda estava disposto a manter minha promessa de ajudá-lo, como havia prometido na Rota 2.

Após um momento de pânico, onde o policial insistiu em apontar a arma para minha cabeça comecei a soluçar ainda mais, deixando as lágrimas escorrerem. Isso parece ter ajudado, porque ele não atirou. Continuei com o teatrinho até sentir algo em meu peito e ser jogado para longe. Quando isso aconteceu, meu corpo girou 180º e acabei ralando o peito já machucado no chão de pedra.

Minha visão enturveceu e eu não sabia o que fazer. A dor da pancada não era tão forte, mas eu estava fraco pois já havia machucado as costas antes. Mesmo com a visão turva e o alcance ser baixo por eu estar caído no chão, pude ver duas portas se abrindo do lado de Elgyem e comecei a ficar receoso. Elgyem ainda poderia estar irritado e, sabendo como ele estava até dois minutos atrás, ele estava.

Não conseguia ver o que acontecia, apenas ouvir, e o que eu ouvia me assustava. Parecia que estava havendo uma briga feia. O policial me encarou e eu o olhei com olhos grandes e arregalados, em súplica e medo. Ele virou-se para o outro lado da viatura e não ouvi nem vi mais nada.

Me levantei, limpando o pouco sangue que escorria em meu peito e fiquei horrorizado com a cena. Os três policias estavam caídos no chão e eu não sabia dizer se estavam vivos ou mortos. Pareciam respirar, mas eu ainda não estava enxergando normalmente. Acima deles, Elgyem estava furioso, mas eu não sabia o que fazer.

Fiz então a primeira coisa que me veio na cabeça. Comecei a correr para a rua. Não ia tentar forçar Elgyem a voltar para a Pokéball, mas gritei para ele me seguir. Ele não tinha opção. Era meu Pokémon até eu decidir soltá-lo, o que era bem capaz que eu fizesse, levando em consideração tudo que estava acontecendo.

Assim que vi a placa indicando o nome da rua, peguei meu telefone celular e liguei para a central de polícia, avisando que haviam três policiais desmaiados e que um Pokémon me perseguia. Tentava falar com minha melhor voz de pânico, alegando que estava voltando para minha casa em Vermilion antes que o Pokémon me alcançasse. Deixei claro que eu não sabia que Pokémon era e que ele havia desacordado os policias para quem pedi ajuda.

Se alguém fosse perguntado de algo, as histórias bateriam. Eu não podia deixar pontas soltas. Como estava fingindo estar desesperado, falei tudo sem parar, e quando terminei, desliguei o telefone. Encontrei um lugar seguro para me esconder, perto da divisa da cidade com a Rota 2, ali, em meio às árvores, eu estaria mais seguro.