[1] Jogar o jogo do bicho

Gaspar olhava para a criaturinha com interesse renovado. As distintas texturas de seu corpo o deixavam intrigado, e uma estranha sensação de agonia o tomou quando ele viu Nico carregando-o nos braços. Curioso, ele se agachou ao passo que o garotinho se aproximava mais do grupo de jovens.

- Sei, sim - respondeu Einar, sem deixar de fitar o pokémon metálico. - Isto é, sei, mas pouco. É o pokémon mais recentemente descoberto pelos humanos e quase tudo sobre ele é ainda um tanto misterioso. Eu li nos jornais dessa semana que algum incidente envolvendo a pesquisa de autoridades de Mauville tinha causado a aparições de Meltan em toda a Hoenn. Mas, apesar do aviso, eu nunca imaginei que fosse esbarrar em um... - à medida que ele concluía sua última fala, ele desenhava um sorriso na direção de Nico, quase como se em agradecimento.

- Mas o que há de tão especial nele? - perguntou Gaspar, sem a menor vergonha de escancarar sua ignorância.

- Ele é um pokémon lendário. - Foi o único apontamento de Einar.

O moreno assentiu, solene, tentando confabular consigo mesmo. Esse conceito ele conhecia. Os pokémon lendários, para além das diversas superstições que se criavam em torno deles, em sua maioria eram criaturas associadas com elementos fundamentais da própria constituição do universo, do funcionamento da natureza e, portanto, da própria manutenção da vida terrestre. Um arrepio lhe subiu pela coluna. Embora não soubesse ao que, exatamente, Meltan estava associado, a ideia de estar diante de uma criatura dessa magnitude o deixou fascinado.

Sentiu vontade de fazer duas coisas, quase que simultaneamente. Primeiro, queria tocar no corpo da criatura. A visão dele no colo de Nico ainda o fazia sentir uma agonia curiosa e insistente na ponta da espinha. Depois, queria muito que Houndour também compartilhasse este momento. Mas, receoso de que o Meltan pudesse estranhar a aparição súbita de outro pokémon, Gaspar decidiu primeiro se aproximar. Ainda agachado no chão, perguntou para Nico:

- Posso tocar nele? - sua mão erguendo-se suave e lentamente, hesitante.

- A imagem é com certeza aterrorizadora, um enxame de pequenos pokémon devorando algo como um caminhão... - Einar emendou à fala de Nina, ao mesmo tempo em que agachava ao lado de Gaspar para se aproximar do Meltan. - Mas, honestamente, imagino que esta criaturinha se alimente mesmo de ferro. O caminhão só calhou de ser uma fonte muito abundante para ela - o rapaz loiro riu. - Não deve ser perigoso para humanos... ou pelo menos imagino que não.

O braço de Gaspar continuou seu percurso, levantando-se rumo ou pokémon no colo de Nico, ao passo em que ouvia os comentários do recém conhecido. Ante a risada divertida e inocente do Meltan, o moreno percebeu que poderia tocá-lo. Concluindo o gesto com um movimento suave da mão, primeiro acariciou a esfera metálica dentada que parecia ser a cabeça do pokémon. Em seguida, deslizou a mão para baixo e, como se tentasse fazer cócegas, friccionou seus dedos com velocidade na forma cinza gelatinosa que parecia ser o tronco de seu corpo. A sensação era gélida ao toque, e embora tivesse uma textura extremamente líquida, a forma não se dissolvia. Ele aguardou a reação da criaturinha...

- Será uma boa ideia? - Gaspar ponderou, voltando o olhar para o Meltan.

O pequeno pokémon metálico parecia estar muito confortável e animado com toda aquela interação ali. E, se o que Nico tinha dito era verdade, talvez ele ficasse ainda mais feliz ao interagir com outro pokémon.

- Talvez seja uma boa ideia - disse Einar, como que lendo seus pensamentos. - Seria excelente pro crescimento do Houndour também.

- Uai, vamos ver - o moreno sacou a pokébola do bolso e liberou o cão de fogo, mas um tanto afastado de Meltan a fim de não assustá-lo. - Houndour, seja cuidadoso - alertou.

O cãozinho de pelagem negra saiu saltitante, plenamente recuperado da batalha anterior, mas logo se conteve ao ouvir a reprimenda de Gaspar. Foi aí que percebeu a presença do pokémon metálico no colo de Nico, alguns metros de distância. Ao perceber que seu dono também estava a afagar a criatura, o canino se sentiu mais tranquilo e começou a se aproximar, cauteloso. Com o focinho movimentando-se como que "degustando" o cheiro peculiar de metal liberado por Meltan, seu focinho, curioso, roçou a parte gelatinosa do corpo do outro e retraiu-se subitamente, assustado com a textura.

Gaspar riu, divertindo-se com a inocência de seu pequeno companheiro.

Gaspar pensava no improvável de toda aquela situação enquanto Nico e Nina conversavam. Não conseguia entender claramente como ele tinha se tornado o centro das atenções, o porquê dele ter sido o "escolhido" para batalhar com um pokémon tão especial. Repentinamente sentiu uma pontada de gratidão por todos que tinha a sua volta, percebendo que tanto Nina quanto Einar o tratavam com um certo "carinho" e cuidado pois, provavelmente, percebiam o quanto ele necessitava desse suporte. O fato de o destino ter colocado pessoas tão gentis ao seu lado logo naquele momento, quando ele tanto precisava, subitamente trouxe um sopro de alegria e alívio a ele.

O rapaz moreno esboçava um largo sorriso no rosto quando se virou para o pequeno pokémon metálico que já encarava desafiadoramente o pequeno Houndour.

- Parece que você quer mesmo se divertir, hein, Meltan?

Um latido abrasivo do pequeno cão de fogo seguiu à fala de Gaspar. Saltitando, Houndour se deslocou na areia e se posicionou a frente de Gaspar, como se o protegesse, e encarando o Meltan. De sua mandíbula vazou um sonoro rosnado, mas sem nenhum indício de raiva, tão somente entusiasmo.

- Você também, Houndour? - questionou Gaspar, fingindo surpresa. Conhecia seu parceiro bem o suficiente para saber que ele ficaria extremamente entusiasmado vendo um outro pokémon se mostrando tão interessado por enfrentá-lo. - Quero sobretudo que vocês se divirtam - ele disse, complementando logo em seguida ao ver que os dois pokémon apenas aguardavam seu comando. - Fique à vontade para iniciar, Meltan - finalizou.

Ao ouvir as palavras de Einar, Gaspar suspirou fundo, seus ombros e pescoço se recolhendo no movimento. Estapeou a própria testa com a mão direita e então permitiu que uma risada de constrangimento escapasse descompassadamente por seu nariz.

- Ok, ok - Gaspar disse ao fim da risada. - É a primeira vez que batalho contra um pokémon selvagem...

- Eu imaginei - completou Einar controlando sua própria risada. - Relaxa, a gente te guia - finalizou, lançando um olhar de esguia a Nina.

- Houndour, vamos recomeçar isso, pequeno - disse o novo treinador. - Comece usando Smog para cobrir a região de fumaça e dificultar a visão do Meltan. Em seguida, se aproxime dele pelas laterais e use seu Ember mais potente quando estiver próximo o suficiente.