Alice em um país nada maravilhoso feat. Rei de copas amargurado

Se Wallace Cup havia sido um sucesso, o Teatro definitivamente estava sendo um estouro.

Não só pela complexidade extremamente superior - afinal, era necessário toda uma organização da Staff, ao contrário do contest, onde cada apresentação dependia única e somente dos participantes e o maior trabalho dos responsáveis era, basicamente, julgar. Isso não fazia o evento ter uma qualidade inferior, visto o esforço empregado pela longa equipe, e que podia ser observado até mesmo pelas ruas da cidade, decoradas especialmente com a temática de Alice, convidando os habitantes e visitantes à prestigiarem a peça arquitetada pelo governo. Pôsteres, estátuas de papelão e até mesmo funcionários que faziam personagens vivos para atrair espectadores e atores, para aqueles que tinham a sorte de encontrá-los.

Não é de se surpreender, então, a confusão e agitação que assolava os bastidores. O evento exigia preparação de todos os componentes para que tudo saísse perfeito; Moças e rapazes corriam de um lado para o outro, carregando pedaços de cenário, figurinos e alguns até mesmo parcialmente vestidos. A barulheira, na verdade, chegava até mesmo a atrapalhar a comunicação entre todos ali presentes, e a lotação sem dúvidas era prejudicial caso precisassem encontrar alguma pessoa específica mas, de qualquer modo, cada qual parecia suficientemente focado no próprio trabalho e sem nenhum problema imediato a ser resolvido.

Dois coordenadores, porém, tinham um fator a mais para enfrentar - além da ansiedade acerca da atuação a ser desenvolvida, cada um trazia consigo as próprias preocupações acerca do parceiro, fosse por conta da possibilidade de decepcioná-lo ou simplesmente pelo medo de deixar escapar um segredo escondido. Uma singela circunstância talvez esquecida, mas essencial: Por se tratar de um evento onde inevitavelmente contariam com o auxílio das mais diversas pessoas e introduzi-las no roteiro era inevitável, os personagens principais foram obrigados a fazer uma inscrição por ID, como garantia que não deixariam a equipe todinha na mão, o que faria a preparação se tornar um desastre.

— ...kawa! — Se ouviu, abafado, no meio da multidão. Em um lado dos bastidores, uma figura repentinamente se ergueu acima da multidão. Pelo que se podia ver de longe, era uma mulher de camisa xadrez que segurava um... ... megafone? — Matthew Monclar e Daisuke Tachikawa! Se estão me ouvindo, preciso de vocês pra ontem! — Ecoou, então, a voz - dessa vez, pelo amplificador do objeto. Algumas pessoas pararam para olhar mas, aparentemente sem consciência de quem se tratava, por pressa ou mesmo indiferença (quem sabe se não por tudo isso junto, aliás?), apenas viravam o rosto e seguiam seus afazeres. — Matthew Monclar e Daisuke Tachikawa!!! Pelo amor de Arceus, ninguém viu esses dois? — Questionou para ninguém, exasperada.

...Bem...
E então?

Um rápido beijo se revelou como atitude desesperada por parte do loiro, que temendo a "descoberta" de seu parceiro sobre sua real identidade, apostou todas as fichas para tentar tragar sua atenção. Por ironia ou não, o ato parecia enervar mais seu acarretador do que a vítima surpreendida, mas não se perdurava por muito tempo, visto que o desespero de Matthew o levava a praticamente voar pela multidão, apenas para alcançar a moça que o chamava e, numa atitude até agressiva, impor o apelido pelo qual deveria ser chamado.

Mais próximo, em breve ambos os coordenadores seriam capazes de observar melhor aquela que os chamava. Não era ninguém de aparência especialmente chamativa - era exatamente o contrário, na verdade. Como bem era possível observar anteriormente, a figura trajava uma camisa de botões xadrez, vermelha e preta, e uma calça jeans surrada; Tinha longos cabelos negros presos num rabo de cavalo alto, extremamente bagunçados, e era difícil dizer se de propósito ou se ela só estava tendo um dia difícil. Talvez a parte que mais chamasse a atenção era sua expressão cansada e abatida, com os olhos castanhos demarcados com olheiras profundas, e que só se alterou para uma de sobressalto com a repentina abordagem do Monclar. A moça se manteve em silêncio sepulcral por alguns segundos, sem nenhuma reação, encarando diretamente os olhos azulados do coordenador, e só desviou o foco com a chegada de Daisuke.

Sem mais uma palavra, com um aceno de cabeça, indicou à ambos que a seguissem, e os guiou até uma pequena sala lateral que abafou a confusão do lado de fora quando a porta foi fechada, dando privacidade ao trio. Não era nenhum cômodo espetacular, assim como a própria que se encarregava dos coordenadores, mas era suficiente para uma conversa curta, com apenas uma prateleira com acessórios, um baú, e uma mesa com quatro cadeiras, para simplificar. A morena caminhou à mesa e largou o megafone em sua superfície, pegando uma prancheta que repousava sobre o móvel e uma caneta ao lado. Analisou o papel nela colocado por alguns segundos, e esfregou o rosto, respirando devagar e recostando os quadris na madeira.

— Ok. Daisuke como Rei de Copas, Matthew como Alice... — Começou, acompanhando algumas linhas com a ponta da caneta. No mesmo instante, porém, apertou as pálpebras e esfregou outra vez o rosto - era impossível dizer, na verdade, se havia sido proposital para irritar o rapaz ou meramente um deslize causado por exaustão e, bem, talvez também por confiar que ele não teria tantos problemas com a própria dupla. — ...Thito, quis dizer. Desculpe. — Suspirou, e fez alguns riscos no papel. — Sinto muito. Não tinha nenhuma anotação sobre necessidade de chamar por outro nome, então eu não sabia. — Explicou em baixo tom, e apertou as pálpebras. Com a parte traseira da caneta e um breve movimento de dedos, apontou para a figura do loiro. — Mas! — E então, o olhar cansado se ergueu em busca de sua imagem. — Você não precisa me ameaçar por conta disso. Eu só estou tentando fazer meu trabalho. — Afirmou, com um ar frustrado. — Espero que isso fique claro e que possamos terminar o assunto aqui. — Findou, observando o objeto que detinha em mãos. — Meu nome é Sohra, aliás. Se estiver tudo bem até aqui... — Comentou, com um rápido olhar de esguelha ao loiro, antes de voltar a atenção ao papel. — Preciso que me digam até onde estão à par de como a peça vai se desenrolar, e eu vou poder orientar os dois.

Para o trio na pequena sala, o clima começava tenso logo de cara. Era inegável o contraste entre o humor de cada um dos presentes - Matthew trincava de ódio, uma Sohra cansada e indignada pela abordagem do primeiro e, por fim, Daisuke, perdido naquela batalha silenciosa de olhares faiscantes. O moreno parecia ser o mais tranquilo de todos, e inclusive aparentava tentar conter a agitação de seu parceiro, e sua atitude (desde o começo) parecia ser o único detalhe que não impedia a moça de explodir com a dupla. Os ânimos, ainda que muito provavelmente de maneira forçada, se acalmavam à medida que os segundos passavam, e a morena finalmente começou a baixar a guarda em relação aos coordenadores, ainda que um pouco incomodada pela postura do loiro.

— Muito bem. — Começou, e esfregou uma das bochechas com a palma, permitindo que um suspiro cansado escapasse. — Basicamente, sim, vai ser à base de improviso. — Concordou, repousando a prancheta sobre a mesa atrás de si, embora mantivesse a caneta em mãos e a revirasse entre os dedos. — O início vai ser a parte mais limitada para vocês dois, mas a primeira parte não dura tanto tempo. — Se voltou para Tachikawa. — Vamos abrir a peça já com você em cena, tudo certo? — Perguntou, e estalou os dedos de uma das mãos. — A ideia primária é começar no primeiro cenário de Alice, onde o Rei vai estar discutindo com a "porta", porque ele quer saber como ir embora. — Explicou. — Ou seja, toda a abertura do teatro vai depender de você, Daisuke. Já você... — A mulher murmurou, desviando brevemente o foco para o loiro. — ...Vai entrar depois. Vamos fazer do básico, perseguição ao coelho branco, e tudo o mais. Vai saber sua hora quando ele aparecer em cena. Vocês vão precisar interagir, considerando a diferença dos personagens... Mas nessa parte, vão ter que se virar sobre como um se junta ao outro. Tudo certo? — Perguntou, enfim, se permitindo uma pausa para respirar, dividindo a atenção entre os coordenadores.