[Mahogany] Memórias

The yesterday is today

Mahogany Town

Ousado, eu diria. Assim que voltaram para o quarto e viram que estava tudo certo, Thomas e seus pokémon arrumaram as coisas e foram dormir. E bem, o treinador deitou-se na mesma cama que Illíada... Poderia ser embaraçante, caso ele parasse para pensar um pouco. Coisa que não fez.  Se há algo que notei ao longo de sua estadia em Mahogany, foi que Thomas não era um ser movido pela razão.

De qualquer forma, talvez ele não se importasse, e ela também não. Contudo, ainda acho que Abel foi o mais beneficiado em toda essa situação, se é que me entende. Pois bem. Quando acordasse, Thomas provavelmente não veria Illíada, o que poderia ser um pouco confuso. Ainda assim, Ralts dormia em seu lugar, também abraçando o Mareep.

... Por quê não, afinal?

Caso fosse atrás da garota, encontraria-na dentro da cozinha, com Bronzor, ajudando a fazer o café da manhã. — Thomas! Bom dia! — provavelmente ela diria, caso acabasse encontrando-o lá. Talvez ela acabasse por ruborizar também, não sei. — Pensei em ajudar no café como agradecimento para você! Que tal?

— Ah, além disso, hoje não iríamos precisar fazer o trabalho de sempre, de qualquer forma. — ela então explicaria, com um sorriso travesso. — Novos voluntários chegam hoje, então você provavelmente vai precisar explicar a eles o que fazer, e coisas do tipo. — novos voluntários, é? Poderia vir a ser útil.

— Por que não acorda Ralts, também? Preferi deixá-la dormindo, você sabe, depois de tudo ontem. Além disso, ela não gosta muito de cozihar. — divagou brevemente, lembrando-se da fadinha que ficara dormindo agarrada à lã da ovelhinha. — Ah, por que não leva ela com você? Quando eu terminar as coisas aqui, juntarei-me a vocês!

Ela não citou o fato de terem dormido na mesma cama, apesar de alguns dos ajudantes da cozinha ficarem dando algumas risadinhas o tempo todo, observando a conversa da dupla, quase como se soubessem de algo que o próprio Thomas não sabia. Ah, os jovens de hoje em dia!

The yesterday is today

Mahogany Town

Felizmente, nada parecia estar errado. Apesar de o fato de terem dormido, supostamente, "juntos", Illíada e Thomas não pareciam ver aquilo como um grande problema. O jovem parecia gostar do agradecimento que a amiga estava preparando para ele, também, apesar de ter recebido a tarefa de passar um tempo com Ralts.

Todos os monstrinhos pareceram acordar com bom humor, principalmente Abel. Aparentemente, ser abraçado durante a noite toda deixou o cordeirinho muito feliz. Parecia que ele sairia voando para levar amor para o mundo todo. Adorável. A fadinha da treinadora parecia estar contente também, e apesar de fazer uma caretinha ao ouvir que não ficaria com Illíada, sorriu e levantou o punho para Thomas.

A pequenina parecia estar disposta, até. Bem, provavelmente a ajuda dela seria bastante útil, também. Um pokémon que sabe Psychic é sempre bem-vindo, não? De qualquer forma, assim que ele estivesse pronto, poderia acompanhar uma outra voluntária, aparentemente, a treinadora de Phantump e Lilligant, até o lugar no qual receberiam os novos voluntários.

— E aí? — diria ela, cumprimentando-o com um aceno. Tinha curtos cabelos louros, e em suma, tinha uma aparência bastante "usual". Não disse ou perguntou nomes, apenas chamou o jovem até o lugar. Seriam dois grupos, totalizando quase que vinte pessoas. Ela iria receber aqueles que viriam de barco, e Thomas deveria ir até o grupo menor que viria de helicóptero.

Ela deu um mapa para o treinador, indicando o ponto. Talvez ele não se sentisse como sendo a melhor pessoa para fazer o trabalho, mas como dito, ele parecia ter conquistado a confiança dos voluntários. Aparentemente, as notícias sobre o resgate de Ralts haviam se espalhado por aí, contando os heroicos feitos de um treinador que aventurou-se na grande tempestade. Tudo bem, pode não ter sido exatamente assim, mas as pessoas não ligavam muito.

Não demoraria para que chegassem no lugar estipulado, e em pouco tempo, o helicóptero pôde ser visto. O que Thomas faria? Simplesmente esperaria? Na verdade, estou dando esse tempo mais para ele terminar de interagir e para não ficar massante, mas não sei, vai que ele tem alguma ideia... Acho que também é importante citar que Ralts pareceu confusa ao olhar pro helicóptero. Dizem que a espécie é capaz de sentir os sentimentos alheios, não? O que será que ela estava sentindo?

The yesterday is today

Mahogany Town

Não posso falar que Ralts não ficava feliz em encontrar seu bro fist, chocando seu pequeno punho contra o do treinador. Ora bolas, até mesmo eu não consigo evitar de sorrir ao descrever, mesmo que em pobreza de detalhes, tal cena. Era simplesmente inevitável, tão fofos! Bem, logo eles foram seguir em frente, cumprir sua tarefa.

A treinadora dos gramíneos de outrora não parecia lá tão sociável quanto seus monstrinhos, mas bem, isso não significava que era uma pessoa "má". Apenas mais reservada. Thomas parecia compreender, e deixava a garota na sua. Afinal, ele tinha seus próprios afazeres, não? Ah, aliás, por falar em fofura, tinha também Abel. A ovelhinha e fadinha, juntas, eram nada mais que deleitante.

Ficar em um ponto visível era inteligente. Bem, não era como se o treinador quisesse matar os voluntários de susto, surgindo do nada, e também não seria nada legal passarem por ele sem nem mesmo reparar em sua presença. O veículo pousou sonoramente, relativamente distante de Thomas, e as pessoas começaram a sair.

Uma senhora vivaz, aparentemente com muita energia, foi a primeira a sair, apertando fervorosamente as mãos do rapaz. Ela foi seguida por um jovem esguio, uma mulher deveras musculosa, e um homem vestido de Machoke (não era uma visão tão agradável). Eles foram acumulando-se atrás do treinador, fazendo uma espécie de fila enquanto esperavam por instruções.

Contudo, algo parecia errado. O piloto parecia discutir com algo — ou alguém — e gesticulava suas mãos fervorosamente. O curioso era que, de onde estava, Thomas não conseguia ver nada. Ainda assim, Ralts parecia sentir também. Ela fez uma careta assustada, como se estivesse meio desconfortável, mas cutucou o rapaz, apontando para o helicóptero. Parecia importante. E talvez estivesse relacionado com uma estranha "antena" avermelhada que saía pela janela. O que seria?

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As instruções e orientações do jovem foram bastante claras e precisas. Apesar de ter notado um pequeno alvoroço dentro do helicóptero (não só ele, alguns dos monstrinhos também), Thomas manteve a calma e fez a coisa que parecia ser mais sensata, no momento. Ele foi até os voluntários e disse o que deveriam fazer, onde deveriam ir, como deveriam comportar-se.

Alguns aceitaram o número do jovem, outros não acharam necessário, mas todos pareciam ter entendido e começavam a deslocar-se para a tal base sem mais problemas. A senhora até mesmo segurou a mão do jovem, animadíssima, agradecendo-lhe pela ajuda, uma fofa.

Enquanto isso, Bonnie aventurava-se pelas proximidades do veículo aéreo, aparentemente curiosa com o que quer que estivesse acontecendo por lá. Assim que o notou, o treinador seguiu a fantasminha, visando aproveitar a situação para verificar o que estava acontecendo por ali. Ralts estava um pouco hesitante, mas logo seguiu seu bro fist, balançando a cabeça.

— Senhorita, eu realmente preciso que você saia, tenho uma programação a seguir! — eles ouviram uma voz dizer, conforme aproximavam-se. Parecia ser a do piloto, que tentava convencer alguém, uma moça, a sair do helicóptero. Estranho... — Não, você não entende! Eu não posso sair! Eu... Eu não sei o que diria! — rebateu outra voz.

Certo, algo ali definitivamente não estava certo. Thomas poderia estar imaginando o que era, quando viu uma cabeça levantar-se — nada discretamente — pela janela, aparentemente verificando se havia alguém por perto. Cabelos curtos e avermelhados, grandes óculos cobrindo o rosto repleto de sardas. E estranhamente, parecia um tanto quanto familiar.

Ainda assim, ele apareceu por pouquíssimo tempo. Assim que seus olhos encontraram a figura de Thomas, agora mais próximo que nunca, ela deu um gritinho e voltou a se esconder, encolhendo-se no assento do helicóptero. Mas bem, não conseguiu ocultar-se por completo. Uma extremidade de seu cabelo estava à mostra, saindo pela janela, sendo esta a tal "antena", vista anteriormente.

Com a reação da garota, o piloto pareceu notar a aproximação do treinador também. Endireitou-se, suspirando, como se estivesse preparando a si mesmo para uma longa e complicada discussão. Como Thomas reagiria?

The yesterday is today

Mahogany Town

Não era algo simples de se processar. Imagine, ver um fantasma que há muito atormentara sua mente, simplesmente surgir em frente aos seus olhos? Não uma ilusão, não um sonho, não uma lembrança. A realidade, pura e dolorosa. Não foi feita para ser fácil de encarar. Ah, como somos inocentes. Quando as peças do quebra-cabeça finalmente parecem encaixar-se, somos acometidos por um terremoto que quebra as peças em pedacinhos ainda menores.

Seria muito mais simples simplesmente pensar que tudo havia acabado. Que a página poderia ser virada com menor dificuldade. Que enfim, as feridas cicatrizariam, e então poderíamos aventurar-nos novamente, com apenas memórias do passado. Mas não. Nunca era tão fácil. Os fantasmas do outrora pareciam escolher a dedo os momentos de paz, para então continuar a assombrar nosso subconsciente.

A tormenta nunca cessa. Ela pode parar temporariamente, mas sempre irá voltar. E era isso que Thomas via agora. Quando enfim pensava que as coisas estavam dando certo, uma pá de verdades indubitáveis, mas ainda assim, difíceis de processar, era enterrada bem no meio de sua face chocada. Uma visão, ao mesmo tempo emissária de deleite e de maldições. Um nome. Uma avalanche de lembranças. Dor.

Emily olhou para seu irmão, uma grande e volumosa lágrima a escorrer por sua bochecha esquerda. Ouvir a voz do treinador pareceu ser o argumento que convenceria sua atitude teimosa. A ruiva pediu desculpas ao piloto, descendo do helicóptero rapidamente, tentando ao máximo evitar contato visual com Thomas. Mas bem, imagino que não tenha dado muito certo. Ela parecia não saber como pensar ou agir, como formar uma frase ou mover suas pernas.

Finalmente, virou-se para o moreno, seus grandes olhos castanhos a lacrimejar. — Olá, Thomas. — por fim disse, secando as lágrimas com a blusa. Apenas isso. Sem “eu estava morrendo de saudades!” ou beijinhos de cumprimento. Não. Era quase como se ela não se sentisse no direito de fazer tais coisas. Espírito livre, sim. Mas livre de alma, e não de culpa.