[Villain] – Lilycove City –

Talvez o detalhe mais constante de sua aventura surgisse exatamente quando se encontrava pelo menos em um nível abaixo da terra pois, hah, era capaz de se recordar de no mínimo quatro oportunidades recentes em que havia sido/ameaçado ser soterrada por sabe-se lá quantos quilos de rocha demolida. Parando para pensar, era até meio que cansativo e irritante mas, oh, como poderia simplesmente evitar se embrenhar em ambientes os quais os astros celestes eram incapazes de alcançar se, huh, todos os seus objetivos e necessidades pareciam constantemente se afunilar para suas vísceras?

Lawrence, oh, Lawrence; Por que é que você teve de simplesmente fazer chover tantas pedras por sobre suas cabeças?

...

Já estava acostumada com a escuridão: De certa forma, era impossível não, considerando a maneira como as sombras espreitavam e sussurravam pecados aos seus ouvidos quase que vinte e quatro horas por dia. Então, não chegava a ser uma grande surpresa que em momento algum o temor de se encontrar nele, tão de repente - ora, pouca coisa se recordava, aliás, além da latente (e ainda existente!) dor de cabeça que pulsava na boca de suas têmporas. O grunhido discreto veio com a mesma pancada que as vagas lembranças do desmoronamento: Recordava-se não de muito, mas do suficiente para que as memórias de retornar seus pokémons e das esferas de energia estourando contra seus opositores ainda estivessem frescas no consciente. Os ombros se retesaram de maneira quase sórdida quando as pálpebras enfim libertaram os orbes acinzentados, os músculos chorando ardência e dores que já há algum tempo não incomodavam.

— ...Mwnf... — Escapou da garganta, suave, as pálpebras se apertado por mais um instante antes que as palavras do homem acomodado no banco da frente servissem de alarme para trazê-la de volta (de vez, dessa vez) à consciência. O corpo se remexeu, incômodo, e o lábio inferior teve de ser mordido para suprimir um gemido dolorido que, de outro modo, não se intimidaria de apresentar. — ...Eu... — Disse, devagar, balançando a cabeça com sutileza e volvendo a atenção para a janela, ainda tentando situar ao certo a própria localização.

— ...Ugh, eu odeio esses lugares frágeis. — Resmungou, apoiando o rosto na mão e esfregando as sobrancelhas, devagar, a respiração indo e vindo e o cérebro processando as "informações" passadas, quase entrelinhas, por seu, hã... Superior? — ...Bem, como eu vim parar aqui? — Quis saber, só para se certificar. — E os outros? — Emendou. Sabia que o homem provavelmente não estaria lá interessado em seu bem-estar...

Então, nem se preocupou em informar.

— ...O teto desabou. — Comentou, encolhendo os ombros com discrição. Não precisava falar a parte de que, uh, meio que era culpa de seus pokémons, né? — As coisas às vezes parecem de papel por aqui. — Suspirou, esfregando a bochecha com uma das palmas, a atenção volvendo para os arredores em busca dos próprios pertences.

Pois é.

Claro - tinha praticamente lidado com o trio e descoberto o plano de ação dos dito cujos sozinha mas, hah, ela quem havia quase estragado a operação por conta de um desabamentozinho qualquer dos esgotos. Quer dizer, veja bem, poderia até ter colaborado para o fato mas, uh, não era como se realmente tivesse culpa da estrutura que sustentava toda uma cidade ser uma porcaria, né? Uma esferazinha de energia de nada e tudo já vinha abaixo, veja só se pode...

— Eu não tenho medo dos meus próprios pokémons, se é o que está sugerindo. — Retrucou, ríspida, revirando os olhos com discrição - e hipócrita, também. Podia até estar afirmando isso com toda a pança mas, uh, não era nem necessário explorar tanto assim o seu passado para desvendar o trauma que havia passado com seu pokémon bússola-pedregulho; Claro, as coisas estavam bem melhores atualmente, mas a verdade era que ainda não tinha lidado por completo com aquela sina silenciosa que a perseguia em passos pesados.

Ainda tinha uma promessa que precisava cumprir, afinal.

— Tenho quase certeza que se não fosse pela minha "atuação", vocês ainda estariam que nem baratas tontas naquela rua... — Resmungou em baixo tom, desencostando do banco devagar e buscando os trajes mencionados pelos homens. Os dígitos escorregaram pelo tecido de neoprene que cobria seu corpo e, por um instante, hesitou - entretanto, porém, contudo e todavia, não tinha tempo para fazê-lo, Despiu-se, o olhar baixo e a mente tentando escapar da situação, o incômodo inevitável pela companhia no processo e a consciência de que não teria como evitá-la.

Foi com paciência que dobrou a roupa de mergulho e o casaco que vestia, enfiando-os imediatamente na mochila que carregava, mantendo-se apenas com as peças íntimas; Um latejo na têmpora fê-la parar com o trabalho por alguns segundos, as pálpebras se apertando e a respiração indo e vindo em uma tentativa de mandar embora aquela sensação sórdida. Engolindo à seco, Chase voltou-se aos próprios pertences e os revirou por algum tempo, em busca dos pacotes praticamente minúsculos que haviam sido entregues para si - paciente, alocou-os em torno do sutiã, e foi só aí que a ruiva se deu ao luxo de vestir o uniforme de entregadora oferecido pelos criminosos, enfiando o boné na cabeça de qualquer jeito e ajeitando o macacão e a mochila atrás das costas.

— ...Belos superiores. — Deixou escapar em um sussurro assim que os homens começaram a brigar, revirando os olhos e segurando o pacote falso que fazia parte da, uh, fantasia. — Obrigada pela carona, "meninos". — Disse, revirando os olhos e puxando a maçaneta do carro antes que precisasse ouvir alguma resposta ríspida, pulando para fora do veículo e fechando a porta. Então, olhou em volta para que pudesse se situar; Precisava ir para o galpão mas, oh, qual seria mesmo o melhor caminho para fazê-lo?

Apesar de não saber ao certo o que esperar e não necessariamente estar esperando alguma coisa, o cenho se franziu com discrição quando, ao pular pra fora do veículo, sua primeira visão foi a de uma simpática mobilete encostada nas paredes de um beco e, apesar de não ter realmente prestado atenção no uniforme, não foi preciso muito tempo antes que se desse conta que o adesivo enfeitando a superfície plástica do ciclomotor era praticamente idêntico àquele estampado em seu macacão. Não que estivesse reclamando, não, longe disso - mas, sabe como é, não estava realmente esperando que seus empregadores se preocupassem em não deixá-la ir à pé, entende?

...Não ousou reclamar, de qualquer maneira.

Ajeitando com suavidade a aba da boina à frente do rosto, Chase encaminhou-se para o veículo que, supôs, seria seu; Fazendo isso, também reparou o movimento arranhado que ocorria em um de seus bolsos e, enfiando a mão lá dentro sem pensar duas vezes, retirou as chaves que ali se comportavam, revirando-a entre os dedos e deixando um suspiro manso escapar. A parte boa de tudo aquilo era que se tratava apenas de uma mobilete - ora, se precisasse dirigir um carro, teria um grande problema, pois não teria a mínima ideia de como fazê-lo.

Até que eles não eram tão burros assim.

Enfim, além da chave, a outra coisa que lhe chamou a atenção foi o bilhete dobrado que a aguardava, pacientemente, junto aos outros "equipamentos" concedidos para a realização da entrega. A sobrancelha se ergueu com suavidade - sinceramente, achou até graça daquele "teatrinho" mantido até em uma suposta carta de pai para filha. Fazia sentido, de certa forma: Quem desconfiaria de, uh, uma "empresa" regida por uma singela família carinhosa como aquela, né?

...Patético.

Enfiando o bilhete no bolso e a chave na ignição, seu próximo passo foi abrir o banco: Precisava ver o mapa mencionado pelo homem no escrito, ou acabaria se perdendo e torrando tempo que era, sobretudo, precioso. Esperava que não fosse lá muito longe mas, levando em consideração tudo que já tinha visto até ali, não tinha certeza se poderia contar com esse tipo de coisa...

Veria, huh?

Imediata foi a reação que fez com que seus ombros retesassem, o cenho se franzindo e dois passos recuando de maneira quase automática; Apertando um pouco os dedos contra a própria palma, o rosto volveu-se de um lado para o outro em busca da fonte daquela estranha voz que ecoava em sua consciência mas, infelizmente, sem muito sucesso em detectá-la. As pálpebra se estreitaram, suaves, e a ruiva demorou-se mais alguns momentos vasculhando os arredores com as pupilas até que se deu por vencida - bem, dos tantos fantasmas que já a assombravam ao longo dos meses, não seria uma "fala de consciência" que a deixaria mais esquizofrênica do que já era, huh?

— Maravilha, mesmo. — Resmungou, sacudindo a cabeça e encarando o mapa em suas mãos; A sobrancelha se ergueu, suave, ao se dar conta de que existia todo um traçado pelas ruas da cidade - e, pelo menos com a informação que tinha, nenhum parecia se cruzar com o ponto de destino que possuía. Discretos, os dedos se apertaram nas bordas do papel, o olhar escorregando na direção da mobilete...

...Será que?...

...

Balançou a cabeça. Não tinha tempo para pensar nisso, decidiu, ao dobrar o mapa e enfiá-lo no bolso. Ajeitando os pacotes na parte detrás do veículo, pulou para cima e arriscou dar a partida com a chave na ignição: Se possível, daria o faria dali o mais rápido que podia, afinal, precisava ir ao norte e não poderia atrasar a entrega da "encomenda" por mais tempo, então...

É. Esperava não ter muito mais trabalho, no fim das contas.

...Diga, se sua voz de consciência nada mais era além de um delírio de esquizofrenia, então por qual raios de motivo seu timbre e entonação pareciam tão, uh, familiares?

Não sabia dizer de onde, quando ou porquê. Era incômoda aquela sensação de que tinha algo ao alcance da ponta dos dedos e, ao mesmo tempo, não tinha a menor ideia de qual pista deveria seguir para lidar, trabalhar e revelar tal memória. Era inevitável o torcer do canto dos lábios diante das palavras sussurradas que ecoavam em sua mente, os ombros encolhendo pelas reclamações inconscientes que pareciam ir e vir em resposta à menor de suas decisões. Será que era daquele jeito que Karinna se sentia, enquanto tentava decidir as patifarias e confusões que resolvia protagonizar ou participar de? Uma matraca irritadiça no background da própria cabeça, um infortúnio sussurrado entre os escombros de sua sanidade?

Infelizmente, não tinha tempo pra descobrir.

Talvez tenha sido por essa distração mental que, ao invés de simplesmente seguir seu caminho reto, a treinadora desviou um pouco o trajeto entre as tantas viaturas para que pudesse bater em frente à uma das casas traçadas no mapa. Particularmente, não estava lá entre seus planos literalmente parar pra entregar os pacotes da mobilete mas, uh, não tinha nada a perder, descobriu, quando sua primeira parada trouxe o bônus de um docinho maravilhoso que de muito valor tinha para o treinamento de seus pokémons - o qual ela se dignou a simplesmente agradecer com um sorriso gentil -.

Provavelmente não teria tempo para entregar todos, afinal, deveria chegar logo em seu objetivo - então, talvez deveria abandonar o ciclomotor em alguma rua por aí, depois de fazer sua entrega principal? Não seria trágico, mas certamente seria infeliz se as encomendas fossem simplesmente extraviadas pelo meio do caminho: E dizia isso pois, ao que aparentava, seu pensamento anterior estava certo. Quer dizer, aquela senhora que a atendera não parecia... Falsa, entende?

E pensar que um bando de criminosos precisaria se camuflar desse jeito entre os pontos da cidade...