[Villain] – Lilycove City –

Assim que os pés alcançaram a terra firme, a moça não se demorou em retornar o companheiro aquático para sua devida esfera ao alcançá-la mais uma vez, afagando com delicadeza os espinhos frontais da testa do voador em um gesto silencioso de agradecimento. Certamente preferiria manter a possibilidade de seguir com seu companheiro mas, infelizmente, aquele era o tipo de infiltração que não poderia se dar ao luxo de sair desfilando com uma besta de sabe-se lá quantos metros no meio de um campo semi-aberto por motivos mais que óbvios, por assim dizer.

Ajeitou mais uma vez o capuz sobre a cabeça, um suspiro inquieto escapando da garganta enquanto os passos leves a guiavam pelos espaços entre as grandes caixas de metal, as pontas dos dedos se apoiando em suas superfícies irregulares em uma precaução involuntária para caso necessitasse de um repentino impulso para dar as costas e se mandar dali o mais rápido possível. O trabalho foi relativamente fácil, considerando que não existiam muitos seguranças do lado de lá ou, pelo menos, naquele horário; E extremamente simples foi desviar da dupla que "pastoreava" o terreno, as pernas agilizando-se em passadas curtas e velozes e...

...E, o que diabos aquele carinha estava fazendo ali?

O cenho se franziu, inevitável, quando os orbes acinzentados traçaram a imagem do rapaz que outrora havia visto pelo meio da cidade; E a primeira coisa que a atingiu foi uma leve indignação, afinal, se o houvesse perseguido talvez teria sido até capaz de chegar ali mais rápido e com menos problemas do que tinha tido, mas enfim... O fato é: No fim das contas, estava praticamente fazendo papel de palhaça com um trabalho que não tinha de lidar, considerando que já sabiam quem eram as criaturas e até mesmo negociavam com eles.

Rocket é uma patifaria, né?

...Enfim. Em uma situação qualquer, provavelmente até chegaria a dar as costas e se mandar dali sem pensar duas vezes mas, acima de tudo, uma coisas em especial fê-la se manter no lugar, agarrada às sombras e ao tremor gélido que açoitava-lhe casualmente a pele desnuda. Ora, quer dizer, uma negociação interrompida, uma parte infeliz, um carregamento quase terminado e uma clara ameaça de que não ficaria assim...

Não era preciso mais que somar dois mais dois para perceber que era questão de tempo até que aquele bendito voltasse pra tentar arrancar o que queria, não é? Ou será que estava sendo conspiracionista demais?

Optou por esperar, de qualquer maneira.
Não era como se tivesse nada a perder, né?

Paciência.

"Paciência.", sussurrou-lhe a consciência, enquanto os orbes acinzentados acompanhavam os agentes e funcionários ocupando-se com cargas pesadas, os dedos tamborilando de maneira inquieta enquanto refletia sobre a interação há pouco flagrada. Quer dizer, era óbvio que aquele cara era o tipo que daria problema em uma situação que as coisas não saíssem como o planejado mas, à medida que o armazém era esvaziado, a dúvida gradualmente escoava, embrenhava e se entranhava nos nervos ópticos que pulsavam e deslizavam por todo o corpo. Era incapaz de compreender como um trio de garotos poderiam atrapalhar toda uma operação organizada de encaminhamento de, uh, seja lá o que fossem todas aquelas caixas - principalmente levando em consideração o tanto de pessoas que estavam por ali.

Afinal, certamente seria necessário algo mais "escandaloso" para que conseguissem passar por cima de todo um conjunto de enormes veículos assegurados para entregas e-

Click.

As pálpebras se abriram de repente, as sobrancelhas erguendo quase de imediato quando um pequeno neurônio fraquejado gritou, do fundo da consciência, ainda que incerto de se falava ou não coisa com coisa - "os esgotos!", insistiu, latente e tão pragmático quanto possível. Como se tivesse levado um choque, as pernas imediatamente se esticaram, a cabeça balançando com uma violência bruta; Ora, mas o que é que estava fazendo, no fim das contas?

...Sabe, não gostava daquele tipo de missão.
Não era lá muito boa com esse lance de espionagem e interferência, se é que dá pra compreender.

Rápido, ajeitou as alças do saco nos ombros, o olhar vasculhando em busca da saída mais próxima - sem pensar duas vezes, então, disparou. Talvez, se houvesse seguido os próprios instintos e parado assim que enxergara o trio no meio da rua, as coisas estariam melhores naquele ponto mas, então, lhe restava torcer para que conseguisse chegar à tempo - ora, quando não se consegue o que quer na base, quer algo melhor que uma interceptação no meio do caminho?

...Céus.

Cansativo, era cansativo - ora, como poderia não ser, tendo que disparar para ultrapassar todo um comboio em uma tentativa de lidar com um bando de moleques de gangue que não tinham nada mais pra fazer além de ficar de graça por perderem a oportunidade de negociar com uma organização inteira de criminosos? A ideia fazia-lhe sentir uma vontade latente de revirar os olhos mas, hah, digamos que não tinha tempo o suficiente para fazê-lo sem perder as passadas...

O caos que tivera de testemunhar, com um caminhão indo de encontro ao outro e os responsáveis pela direção hesitando em dar quaisquer primeiros passos para proteger a tal mercadoria preciosa era, de certa forma, patético. Ela também tinha consciência de que não era a figura mais respeitável e confiável ali, sem uma única identificação, mas, hah, ao ser "abordada" por um dos homens do lado de dentro do caminhão, que falava como se, caso fosse a culpada, realmente pararia por ali ou ficaria às vistas daquele jeito, teve que ponderar duas vezes o motivo pelo qual estava tendo que trabalhar para aquela bendita organização.

Tudo bem que não era a das mais espertas, não...
Mas era ridículo que seus "superiores" fossem dementes daquela maneira.

Os passos só pararam, então, ao chegar na "boca" dos tais Krookodiles, o canto dos lábios se torcendo em desgosto e a ponta do pé se batendo na lateral do mecanismo, olhando rapidamente em volta. Em um primeiro instante, a ruiva simplesmente ignorou o homem que pulava pra fora do veículo, recuperando duas de suas pokéballs e liberando primeiramente o fantasma que carregava consigo.

— Navi, veja bem. — Chamou, torcendo o canto dos lábios ao encarar o sorriso cínico estampado sobre o material que compunha seu caixão. — Você é bom em proteger tesouros, não? Faça sua parte. — Disse, respirando fundo e apontando para os caminhões. — Cuide da parte de baixo dos veículos, veja se tem alguma abertura que podem pegar para subir. Se encontrar alguém tentando invadir os caminhões, bem... — Pausa. — ...Pode se divertir. — Cuspiu as palavras, estreitando com sutileza as pálpebras - tinha consciência de que o único incentivo do animal seria a possibilidade de encher e saciar seu sadismo desvairado, então...

— Nos esgotos! — Disse, então, de repente, ao virar para o Rocket que se aproximava; Não tinha tempo para apresentações ou tudo poderia ir por água abaixo e, sinceramente, não estava com muita paciência para lidar com um zé que sequer tomava cuidado ao lidar com toda uma carga daquelas. — Estão nos esgotos. Avise os outros! — Lançou a ordem, apontando para o rádio em sua cintura. Esperava que ele não fosse cabeça dura o suficiente pra ficar questionando, ou aquilo simplesmente poderia pôr tudo à perder...

Por fim, liberou também seu Lucario; Ora, não acreditava que teria parceiro melhor para aquela situação, levando em consideração que o lutador tinha extrema facilidade em não só se locomover, como também escalar e lidar com quase qualquer empecilho que se pusesse à frente. Pelo menos por enquanto, teria de servir...

— Lawrence, vá por cima! — Apontou os caminhões. — Veja se encontra alguma abertura de esgoto próxima ou algum tipo de movimentação estranha pela área. Seja rápido; Não sabemos como eles trabalham, por aqui. — Pediu, balançando a cabeça e deixando escapar um suspiro frustrado. — Tome cuidado, sim?

— Bem, talvez o problema seja menos a Grunt aqui e mais uma equipe inteira que sabe ter uma ganguezinha por aí querendo confusão e não toma a mínima precaução sequer de olhar por onde vai, né? — Disparou, revirando os olhos quando o homem a soltou, fazendo questão de "puxar" um pouco o próprio braço para si, entediada. — Você realmente acreditou que alguém pararia todos esses caminhões e ficaria retardando desse jeito no meio da rua? — Reclamou, segurando um suspiro irritado. — Vocês não conseguem resolver isso aí? — Perguntou, apontando para o pneu destruído pelo Krookodile. — Não tem muito mais o que fazer. Mas ainda é cedo, de qualquer jeito. — Deu de ombros, a atenção se desviando quando reparou, pelo canto do olho, a figura de seus pokémons finalmente retornando...

Lucario não trazia nada de novo, e a treinadora segurou um suspiro manso pelo fato; Navi, por outro lado, parecia retornar de "bucho cheio", seu sarcófago se debatendo com certa violência - fato que fê-la torcer um sorriso no canto dos lábios, os pés se movendo para que aproximasse um pouco mais do bípede/quadrúpede. Ora, e não era uma bela carga de pesadelos a movimentação daquele pokémon?

— ...Você pegou? — Um sorriso torto, e uma das mãos apertou com delicadeza uma das alças do saco impermeável que se apoiava nas costas. — ...Pode abrir. Use os braços pra manter no lugar, não queremos que escape, não é? — Disse ao fantasma, ajeitando com discrição a ponta da franja. — Vamos ver o que tem aí.

E foi com um erguer de sobrancelhas que a ruiva observou o menino "cuspido" pelo sarcófago, pálido e trêmulo, como se houvesse testemunhado um pesadelo em tempo real - e, levando em consideração que ele há pouco era abraçado pelas vísceras claustrofóbicas de Navi, aquela talvez não fosse a hipótese mais absurda para se justificar o estado do rapaz. Torcendo o canto dos lábios com discrição, a moça simplesmente respirou fundo, silenciosa; Aquela certamente não era a experiência ideal que gostaria de ter com outras pessoas mas, oh, infelizmente não tinha muito o que fazer sobre isso.

Estava ali por Karinna, afinal.

— ...Pode fechar. — Instruiu ao fantasma, com a consciência de que carregar seu projetinho de refém consigo poderia ser mais útil que simplesmente largá-lo com os superiores para sabe-se lá o quê. — ...Navi, me mostre onde ele estava. Vamos atrás dos outros. — Resolveu, então, mas acabou caminhando na direção da cabine para qual o último Rocket havia retornado, batendo de leve no vidro com os nós dos dedos. — ...Estou indo atrás deles. Meu pokémon fisgou uma boa pista, ao que parece... — Disse, simplesmente, usando sua esfera para retornar Lucario. — Se ainda estiverem nessa bagunça, quando voltar eu termino de ajudar na organização. — Acrescentou, um encolher de ombros manso. — ...Vai na frente, Navi. — Disse ao monstrinho, já se preparando psicologicamente para a ideia de que provavelmente teria que escorregar para baixo de um dos caminhões para descer pelos esgostos.

Que noite...